Em cadeia nacional de rádio e televisão, o presidente Jair Bolsonaro afirmou sentir profundamente cada uma das mortes por Covid-19 e deu a entender que sempre foi um entusiasta da vacinação. Não vou aqui desfilar as inúmeras declarações presidenciais que provam o contrário. O pessoal da CPI já faz isso quase diariamente.
Não me surpreende que Bolsonaro falte com a verdade. O que me intriga é que o faça sem corar. O rubor é, nas palavras de Charles Darwin, “a mais peculiar e a mais humana das expressões”, à qual dedicou um capítulo inteiro em seu “A Expressão das Emoções no Homem e em Animais”.
E o rubor é de fato algo muito estranho. Como mostra Ray Crozier, ele parece estar associado a emoções autoconscientes como vergonha, culpa e constrangimento. Em geral, dá as caras em situações sociais, quando o indivíduo imagina como aparece para os outros. Em termos fisiológicos, o enrubescimento é involuntário e difícil de falsificar, o que lhe dá especial valor como mecanismo de promoção da sociabilidade.
Não é agradável ruborizar. Fazê-lo pode até implicar custos imediatos para o indivíduo, que não raro se acusa ao enrubescer. Mas, no médio e no longo prazo, o rubor o beneficia. A charada se resolve se pensarmos o fenômeno como uma forma de sinalização conspícua. Se eu coro quando cometo um “faux-pas”, estou dizendo que reconheço as regras sociais e mostro remorso se as violo. Estou, portanto, dizendo que sou uma pessoa confiável, não um sem-vergonha qualquer.
E não é só. Ao sinalizar arrependimento, o rubor é também um pedido não verbal de desculpas, ato que tem alto valor na prevenção de conflitos que poderiam revelar-se prejudiciais ou mesmo fatais.
Há pesquisas sugestivas de que psicopatas, que padecem de importantes déficits emocionais, até ruborizam, mas em condições muito diferentes das dos normotípicos. Pensando bem, faz sentido que Bolsonaro não tenha corado.
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