Imagine um endereço onde, quase todos os dias, a partir de 1935, podiam ser vistos Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Marques Rebelo e tantos outros, quem sabe ao mesmo tempo e a fim da mesma raridade. Esse endereço era a Livraria São José, um reduto de livros novos e usados tomando três números, 38, 40 e 42, da rua São José, no Centro do Rio, ela própria uma rua tão velha quanto a cidade e já com esse nome desde 1600. A rua São José foi o berço do Zé Pereira —os tocadores de bumbo que deram origem ao Carnaval—, do atelier de Marc Ferrez e de livrarias como a Jacintho, a Quaresma e a Castilho, estas acolhendo os intelectuais do século 19. Nenhuma rua tão adequada para uma livraria como a São José.
Adolescente, tive a felicidade de pegá-la ainda nos três números, antes que se mudasse para o 70 da mesma rua São José, em 1967, e depois, em sucessão, para o 71 da rua do Carmo em 1975 e para o 37 da rua 1º de Março em 2004 —sempre desalojada pela ganância imobiliária. Nos primeiros endereços, tive também a sorte de ver passar entre as bancadas Carlos Ribeiro, seu lendário fundador. Muitos escritores lhe deviam tudo, até a carreira. Nenhum jamais o visitou na clínica geriátrica na ilha do Governador, onde morreria, em 1993, aos 85 anos.
Carlos Ribeiro começou a morrer em 1979, quando, cansado, repassou a livraria para os funcionários mais queridos, um deles, José Germano, que a levaria até o fim. Este fim se deu em fevereiro último quando, espremida numa sala comercial na rua da Quitanda, a São José já se reduzira a um lampejo na memória de seus antigos clientes.
Assim como Carlos Ribeiro, a São José morre também aos 85 anos. É mais um pedaço da nossa história que se vai.
Mas olho hoje para minhas prateleiras e ainda vejo dezenas de livros que comprei nela. É como se continuasse viva em cada um deles.
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