Há um aparelho de videocassete na sala do presidente do Corinthians, Duilio Monteiro Alves, 46. Não se sabe há quanto tempo está lá, mas reflete a necessidade que o clube tem de se modernizar. Eleito em novembro e há cerca de cem dias no cargo, o mandatário alvinegro tem esse como um de seus principais desafios.
Nenhum deles é maior, porém, que lidar com uma dívida quase bilionária, de R$ 982 milhões (R$ 586 milhões a curto prazo), fora o débito de R$ 570 milhões junto à Caixa Econômica Federal referente ao financiamento da Neo Química Arena. São valores herdados principalmente de Andrés Sanchez, seu padrinho político e antecessor no cargo.
Duilio fez parte da última gestão de Andrés desde 2018, como diretor de futebol, mas tenta se descolar das tomadas de decisões políticas e administrativas do período. Nesses primeiros meses à frente do clube, o dirigente tem se dedicado a reduzir despesas.
"A gente cortou, no mínimo, 20% em todos os departamentos", diz em entrevista à Folha. Só o futebol feminino escapou das reduções, pois atraiu novos patrocínios devido ao sucesso recente, como o título brasileiro de 2020.
Segundo o cartola, novos cortes serão necessários. Ele não descarta a possibilidade de demissões, assim como a venda de jogadores, "sempre importante para fechar a conta". Sem dinheiro para trazer reforços de peso, define a prioridade para a temporada: "O nosso campeonato neste ano é pagar contas".
Qual balanço o senhor faz de seus primeiros 100 dias na presidência? Apesar de compor a diretoria anterior, algo o surpreendeu neste começo? Surpresas não têm, mas existem muitas ações trabalhistas. Às vezes, você é surpreendido com alguma penhora. Mas a situação atual do clube eu já tinha conhecimento por estar aqui, no futebol. No fim do ano passado, a gente imaginava que estaria chegando ao final [da pandemia], mas hoje é uma situação pior, infelizmente. A gente cortou, no mínimo, 20% em todos os departamentos em termos de despesas. O futebol feminino foi o único que nós não fizemos redução, pois conseguimos novos patrocínios.
Com o associado em casa, fica mais fácil o dia a dia na presidência? Não. O dia a dia fica um pouco mais leve em termos de reuniões e atendimentos, porque eu atendo a todos, mesmo sem hora marcada. Lógico que, quando tivermos resultados negativos, vamos saber quanto apoio existe para não investir agora e manter a política de contenção de gastos. Mas estou animado por ter conseguido implantar a Falconi [empresa de consultoria]. É o que vai nos ajudar a reestruturar a parte administrativa, transformar o clube e preparar para o futuro. E estamos nos finalmentes para fechar com a KPMG [multinacional do setor de auditoria, consultoria e assessoria tributária, que atuará na renegociação de dívidas e na captação de recursos].
Com a redução de gastos, será possível investir em contratações neste ano? Temos um elenco que não é horroroso, péssimo, como é falado. Nosso desempenho não foi nem perto do que esse time pode entregar. Mas, previsão de investimento alto, não. Neste ano a gente quer trabalhar bem mais pé no chão, colocar a casa em ordem. O nosso campeonato neste ano ano é pagar contas. O Corinthians tem que brigar por títulos, mas não significa que precisa ter um time caro. Temos bons meninos na base, isso nos dá a tranquilidade de dar oportunidade a eles e ter qualidade sem um investimento alto.
Há um diagnóstico preliminar da auditoria? Ainda não temos. Os 20% que a gente cortou em cada departamento a diretoria já tinha determinado. A gente não pensa em demitir pessoal, mas em algum momento teremos cortes. Estamos impossibilitados por questões de pandemia, de estabilidade, por ter tido redução salarial, toda essa parte da lei que foi feita. Mas, onde é o custo maior, que são os jogadores, eles têm contrato vigente. Então, infelizmente, você não consegue tirar na hora que quer.
Como evitar que a dívida do Corinthians dê outro salto, como ocorreu nos últimos três anos, sob a gestão de seu antecessor e aliado Andrés Sanchez? Primeiro, no ano passado não era minha gestão, mas já foi feito uma redução importante. Dos R$ 120 milhões do déficit de 2020, mais da metade são provisionamentos de ações na Justiça, que você pode ganhar ou perder, mas que tem de prever. Se tirar isso, que não é dívida, vai ter R$ 60 milhões de déficit, que é muito. A gente tem de diminuir as despesas, buscar novas receitas, e vender jogador sempre é importante para fechar a conta. O câmbio hoje é excelente para vender.
Como o clube lidará com a oferta da Gaviões da Fiel de fazer uma vaquinha para ajudar a pagar dívidas? Não enxergo muito como transferir responsabilidade, porque o Corinthians é o que é por causa da sua torcida. Eu não trato como uma ajuda, trato como ter novos negócios e com isso desenvolver novos produtos, e não simplesmente uma doação. Há várias formas que o torcedor pode ajudar o Corinthians.
O senhor conseguirá manter uma postura responsável com as finanças e lidar com a pressão dos torcedores, que querem contratações e títulos? O Corinthians já ganhou muitos títulos com times caros e com times não tão caros. Se agora é o momento em que precisa pagar conta e não investir em futebol, não significa que a gente não vá brigar por títulos. Então, não é hora de investimento em futebol. Como presidente, seria mais fácil fazer um monte de cheques, contratar estrelas, ganhar dois, três títulos, só que eu iria embora deixando o Corinthians numa situação pior do que encontrei. Não é o caminho. Meu campeonato é entregar o Corinthians com as dívidas equalizadas.
O Andrés terminou o mandato dele com uma passivo que dobrou em três anos. O senhor se preocupa em não terminar o seu mandato com essa imagem? Sou um pouco suspeito para falar do Andrés. Para mim, ele foi o maior presidente da história do Corinthians. A gente não pode esquecer que, há sete anos, o Corinthians não tem a receita da bilheteria. Faz uma diferença grande em termos de caixa. O Andrés construiu os CTs do profissional e da base, a arena, vendeu os naming rights e ganhou títulos mesmo com a dívida.
Se o senhor fosse presidente na época da construção da arena, faria o contrato da forma como foi feito? Faria. Não sei se como foi feito porque hoje olhando é mais fácil. Há outras formas de negociação. Na época, era o que existia. O momento do país era outro, a economia ia muito bem, era outro cenário.
Como está o acordo com a Caixa? Está se trocando minutas de contrato. É um negócio complexo, que envolve Corinthians, Caixa, fundo, BNDES e Odebrecht. O que vem demorando é a parte contratual e documental. O acordo seria a dívida de R$ 570 milhões, pagando R$ 300 milhões com os naming rights, e o Corinthians ficaria com R$ 270 milhões para pagar em 17 anos, com este ano de carência e pagando a primeira em novembro de 2022.
Qual é a sua opinião sobre a volta do futebol em meio à pandemia? No momento em que foi falado, em 2020, sobre a paralisação, o Corinthians foi um dos primeiros a apoiar e entender que era o momento de parar. Neste momento, o Corinthians não se posicionou contra a volta do futebol e não quis a parada porque não existe uma preocupação dos órgãos de saúde de que o futebol possa em algum momento atrapalhar ou criar novos casos. A partir do momento que os órgãos de saúde entendam que o futebol pode prejudicar a população, o Corinthians vai ser o primeiro a não jogar.
Como o senhor recebeu a frase do presidente da CBF, Rogério Caboclo, na reunião em que ele disse: "vou mandar no futebol brasileiro, vou determinar que tenha competições e vocês estão fodidos se não tiver"? Essa frase foi pinçada num vídeo que vazou da conversa. Mas em relação à declaração, nesse pedaço, tirado do contexto, a preocupação dele era parar [o futebol] e quando voltaria. Agora, que os clubes estão "fodidos" é uma palavra que não precisava ser usada da forma como foi. Mas que os clubes estão em uma situação horrorosa e muito preocupante estão. Ninguém teve bom resultado em 2020. O que ele fala ali é que o futebol continue e o que os clubes precisam. Inclusive, todos os clubes que estavam presentes foram a favor de não parar.
DUILIO MONTEIRO ALVES, 46
Eleito presidente do Corinthians em novembro de 2020, foi diretor de futebol nos mandatos de Andrés Sanchez (2018-2020) e Mario Gobbi (2012-2015). É neto de Orlando Monteiro Alves, ex-vice-presidente, e filho de Adilson Monteiro Alves, que foi diretor no Parque São Jorge e participou da Democracia Corinthiana, na década de 1980.
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