Celso Ming, O Estado de S.Paulo
01 de abril de 2021 | 21h05
O rali das commodities está produzindo neste ano fenômeno relativamente raro nas contas externas do Brasil: a perspectiva de superávit nas Transações Correntes. Esta é a conta que registra entrada e saída de moeda estrangeira nos negócios com mercadorias, serviços e transferências. Ficam de fora apenas os fluxos de capital.
No caso brasileiro, indicam não apenas a força das exportações, mas, também, a queda do consumo interno em consequência da retração da economia e dos estragos provocados pela pandemia. Mas levanta a pergunta: se as contas externas apontam essa exuberância e melhoram o faturamento em moeda estrangeira, por que o câmbio mostra o contrário, mostra maior procura de dólares do que oferta e, portanto, forte desvalorização do real?
Mas vamos por partes. O galope das commodities é impressionante. Apesar da crise e da pandemia, espraia-se alegria geral na área do agronegócio, dos exportadores de minério de ferro e dos produtores de petróleo – que já não se restringem à Petrobrás. Em média, os preços da soja subiram neste ano mais de 54% em relação ao ano passado. No mesmo período, o minério de ferro acusou alta de quase 90%. As cotações do petróleo tipo Brent apontam aumento de mais de 20%. E ainda há o efeito da alta do dólar em reais sobre o faturamento dos exportadores.
A principal explicação para a esticada das cotações das commodities é a perspectiva de recuperação da economia mundial, especialmente da China, que vem acompanhada pela necessidade urgente de recomposição dos estoques que haviam sido derrubados em 2020, quando a pandemia se alastrava.
Essa escalada das commodities vem produzindo aumento do faturamento com as exportações. No seu último Relatório de Inflação, o Banco Central prevê que as exportações deste ano (em dólares) aumentarão 21,3% em relação às do ano passado. O efeito colateral negativo é o impacto sobre a inflação. Não há como evitar que essa puxada de preços no mercado internacional deixe de extravasar para os preços internos do óleo de cozinha, das rações animais, dos combustíveis, dos fertilizantes e de tantas coisas mais.
A melhora das contas externas não se limita à balança comercial. Quase todos os componentes da Conta de Serviços (transportes, seguros, turismo, etc) e da Conta de Rendas Primárias (juros e remessa de lucros) também acusam redução expressiva das despesas em dólares. O resumo da ópera é a substancial melhora dos resultados nas Transações Correntes, que deixam o campo negativo em que esteve em todos esses anos e passam para o positivo, segundo as projeções do Banco Central. Em 2019, o déficit foi de US$ 51 bilhões, recuou em 2020 para US$ 12 bilhões e se transformará em superávit de US$ 2 bilhões em 2021. Confira o gráfico que expressa esses números em relação ao tamanho do PIB.
Agora, avalie o efeito câmbio, que está no gráfico abaixo. No ano passado a alta do dólar foi de 29%. Neste ano, até esta quinta-feira, foi de mais 10%. São mais dólares saindo do que entrando, numa conjuntura de belezura nas contas externas.
A explicação para esse contrapé é apenas uma: aumento das incertezas derivadas das mazelas da política econômica (sobretudo na área fiscal) e na política de enfrentamento à pandemia (mais avanço da covid-19 do que da vacinação). É o exportador que prefere deixar dólares lá fora em vez de trazê-los para cá; são empresas antecipando pagamento das despesas em moeda estrangeira; e é muita gente entesourando valores em dólares porque os juros em conta-gotas não vêm compensando as aplicações financeiras.
*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA
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