30.out.2020 às 21h19
Estou com Emmanuel Macron. O Ocidente não pode desistir de princípios como a liberdade de expressão só porque certas palavras e desenhos ferem suscetibilidades religiosas. A liberdade de expressão faz parte do pacote de inovações, primeiro cognitivas e depois institucionais, que colocaram a Europa na rota da ciência, da prosperidade e da tolerância.
Uma das coisas que mais me chocou quando do atentado contra o semanário satírico francês Charlie Hebdo, em 2015, que deixou 12 mortos, foi que várias vozes respeitáveis da sociedade civil condenaram o ataque, mas fizeram questão de acrescentar que o estilo excessivamente irreverente e provocativo da publicação havia chamado a tragédia para si.
A nova crise, que já contabiliza um saldo de dois atentados, o assassinato do professor Samuel Paty e o ataque a uma Igreja Católica em Nice, mostra os limites do raciocínio contemporizador. O professor Paty não tinha a intenção de provocar ninguém. Ele estava apenas explicando o conceito de liberdade de expressão. Antes de exibir as charges retratando o profeta Maomé, alertou os alunos muçulmanos para o potencial ofensivo dos desenhos e os convidou a deixar a sala, se quisessem. Tal cuidado não o impediu de ser decapitado por radicais islâmicos.
O problema, portanto, não está na atitude daqueles que criticam religiões, mas no fato de certos grupos não aceitarem o mais básico dos princípios do pacto civilizatório, segundo o qual diferenças são resolvidas sem recurso à violência física.
Ninguém pede que os muçulmanos aplaudam as charges. Eles têm todo o direito de criticá-las e os seus autores. Podem xingá-los. Podem até, como estão fazendo, promover boicotes a produtos franceses, mas não podem matar uma pessoa porque não gostam do que ela diz ou desenha. Quer dizer, até podem, como mataram, mas, ao fazê-lo, saem do pacto civilizatório para tornar-se terroristas.
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