No processo eleitoral de 2018, que elegeu o presidente Jair Bolsonaro, houve uma pauta que constava de todas as campanhas: reforma tributária profunda que simplificasse nosso sistema de tributação da produção, os impostos indiretos, e reduzisse, portanto, o custo de processamento (ou de conformidade) incorrido pelas empresas.
Dessa forma, a reforma também diminui o litígio e desestimula que produção e investimento sejam decididos prioritariamente pela redução de custo tributário, e não pela eficiência.
Há inúmeras contestações à PEC 45, muitas delas equivocadas. Tratarei nesta coluna de duas delas.
É comum se alegar que o imposto sobre o valor adicionado (IVA) é um imposto velho do século 20, que não foi desenhado para o mundo da internet, do comércio eletrônico, das gigantes de tecnologias, e, principalmente, para os novos serviços propiciados pelas tecnologias de compartilhamento. Aponta-se o exemplo da Europa e sua busca por tributar esses segmentos da produção.
Há enorme confusão aqui. Não há nenhuma dificuldade em estender o IVA para os serviços prestados pela Netflix, por exemplo. Trata-se do oposto: como é eletrônico, é formal. A imposição de um IVA é mais simples e transparente.
O problema europeu está associado a outra questão, muito distinta. Trata-se de imposto de renda, e não de imposto indireto. Parisienses consomem serviços da nuvem do Google ou filmes da Netflix. Parte do lucro do Google ou da Netflix será gerado por esses serviços. Como a empresa não tem sede na França, a municipalidade não consegue tributar a renda gerada no município. Assim, o imposto sobre o faturamento que a Europa cogita criar para essas empresas é substituto do imposto sobre lucro, e não do IVA. A segunda alegação é que a PEC 45 fere o princípio constitucional de autonomia dos entes da Federação.
Há duas questões: a jurídica e econômica. Tenho, evidentemente, enorme dificuldade em opinar sobre a constitucionalidade da PEC 45. Somente chamo a atenção que o STF tem sido muito elástico em julgar o tema das relações federativas.
Por exemplo, o STF não avaliou como inconstitucional o Congresso Nacional impor um piso ao salário de professor mesmo quando da rede estadual ou municipal. Por outro lado, avaliou que o governo central invadiu a autonomia dos entes federados quando impôs o seu critério na contabilidade de “gasto com pessoal” em Estados que tinham contrato de refinanciamento de dívida com o Tesouro Nacional, e nos quais a despesa como o funcionalismo era parte de cláusula contratual.
O que ocorre é que nossa Constituição é tão prolixa e contraditória que é quase sempre possível encontrar passagens do seu texto que tornem uma legislação constitucional ou inconstitucional. Ao menos é assim que parece ao leigo.
No texto da PEC 45, há latitude suficiente para os Estados e municípios estabelecerem seus parâmetros de arrecadação e, portanto, exercerem a autonomia federativa.
Do ponto de vista econômico, e oxalá os juristas prestem atenção a este argumento, é a atual legislação que fere o princípio de Estado Federativo, cláusula pétrea da Constituição.
A Federação é um espaço econômico compartilhado por diversas unidades —os entes da Federação— que se beneficiam dos ganhos de aglomeração (as conhecidas economias de escala e de escopo) e da mobilidade dos fatores produtivos, capital e trabalho, para estimular a eficiência econômica e o crescimento de longo prazo da produtividade do trabalho. As distorções do atual sistema tributário corroem esses benefícios.
Assim, do ponto de vista econômico, a PEC 45 devolve à federação brasileira sua principal razão de ser.
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