segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Muros de Doria viram 'micos' de São Paulo e devem perturbar próximo prefeito, FSP

 Uma ação que começou como uma ofensiva do então prefeito João Doria (PSDB) contra pichadores no início de sua gestão em São Paulo deverá continuar perturbando quem quer que seja eleito para o cargo neste ano.

O muro com grafites apagado na 23 de Maio virou um jardim vertical cuja manutenção custa R$ 1,5 milhão ao ano, e a galeria ao céu aberto para alocar as pinturas virou mais um muro pichado e malcuidado.

Outro muro também pensado para virar uma marca de Doria, mas que virou um 'mico' foi o de vidro da USP.

Agora, as ações são criticadas por adversários, que veem desperdício de dinheiro público, contrariando promessas iniciais de que o município não teria prejuízos.

Na época em que a maré cinza de Doria varreu os muros da cidade, o atual chefe do Executivo, Bruno Covas (PSDB), era titular das Subprefeituras na ocasião, responsável pela zeladoria. A gestão tucana mirou os pichadores, mas acertou os grafiteiros, gerando revolta por parte da população.

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Os grafites haviam sido patrocinados pela gestão de Fernando Haddad (PT), derrotado por Doria. O tucano anunciou o maior “corredor verde do mundo em um eixo urbano” para ocupar o lugar que antes era das obras de arte.

O projeto do muro custou de R$ 9,7 milhões. A obra foi controversa, porque contou como compensação ambiental. Já a manutenção foi entregue a uma empresa que, posteriormente, desistiu de fazer o serviço alegando falta de condições financeiras.

Sem cuidado, as plantas chegaram a secar. A gestão Covas revitalizou o muro, que hoje apresenta um frondoso jardim. O problema ali está no custo: renovado em maio por 12 meses, o contrato custa R$ 128 mil por mês.

O muro da av. 23 de Maio após ser pintado de cinza no início da gestão Doria, em 2017 - Zanone Fraissat - 24.jan.2017/Folhapress

A reportagem questionou se a gestão Covas cogita retirar o muro devido ao custo, mas a nota da prefeitura afirmou apenas que a empresa contratada faz a manutenção regularmente, incluindo limpeza e troca de mudas, substituição das bombas queimadas e furtadas, além de manutenção no sistema de irrigação, dando a entender que uma mudança não está nos planos.

O secretário do Verde e Meio Ambiente na época da instalação, o vereador Gilberto Natalini, diz que considera o espaço um erro de gestão. Ele foi contrário ao muro, por julgar que não fazia sentido usar dinheiro de compensação ambiental.

Para que o muro tivesse relevância ecológica real para a cidade seria necessário que tivesse mais de 1.500 km —distância similar ao trajeto de São Paulo a Cuiabá, em Mato Grosso.

Muro verde da avenida 23 de Maio em 2019
Muro verde da avenida 23 de Maio em 2019 - Ronny Santos - 26.mar.19/ Folhapress

Natalini lembra que a ideia de usar esse tipo de muro começou ainda na gestão Haddad, em prédios no Minhocão. Doria, porém, ampliou o uso do recurso.

“Mas o Doria quis de qualquer forma fazer o muro, insistiu, praticamente obrigou a administração a fazer o muro”, disse Natalini. Esse foi o primeiro dos desgastes que acabaram com a demissão de Natalini, que posteriormente faria denúncia sobre uma série irregularidades na cidade.

Muro verde da 23 de Maio em setembro deste ano
Muro verde da 23 de Maio em setembro deste ano - Eduardo Knapp/Folhapress

Para compensar a má repercussão do apagamento de grafites pela cidade, Doria criou um programa de galerias a céu aberto com grafites, os MARs (Museus de Arte de Rua). O projeto foi inspirado em um bairro de Miami, Wynwood, que atrai mais de um milhão de visitantes por ano.

Embora depois na gestão Covas grafites tenham proliferado em empenas na cidade, o primeiro espaço inaugurado por Doria que deveria virar ponto turístico, na rua Moacyr Vaz de Andrade, na zona norte, é um muro pichado e descascado, sem sinal de visitante algum.

A gestão Covas diz que o programa MAR se encontra em sua terceira edição, com orçamento de R$ 1,4 milhão, com sete empenas e dez muros finalizados em 2020.

“Doria é um ‘contêiner’ amarrado nas costas do Bruno. Os muros verdes da 23 de Maio são um exemplo de desperdício de dinheiro público”, diz Márcio França (PSB). “Outro exemplo é o muro de vidro da USP, típica marca do governo Bruno-Doria: rápida, marqueteira e inútil”, completa o opositor, que também citou o assunto no debate da última quinta-feira (1º).

Grafite em muro na zona norte de SP, à época da inauguração do "Museu de Arte da Rua" por Doria, em 2017, e atualmente - Zanone Fraissat - 03.jun.17/Folhapress e Eduardo Knapp - 25.set.2020

Feita inicialmente pela iniciativa privada, a obra do muro de vidro USP era outra aposta dos tempos em que Doria lançava projetos-relâmpago em busca de uma marca eleitoral. Orçada em R$ 15 milhões, a obra não deveria custar nada aos cofres públicos.

No entanto, com os vidros constantemente quebrados, o muro virou um problema para a prefeitura sob Bruno Covas e também para a USP.

Laudos da Polícia Civil indicam que houve falhas na instalação que levaram a quebras recorrentes das placas. A falta de uma peça de borracha para calçar as placas de vidro facilitaria a quebra.

Agora, todos querem distância da responsabilidade sobre o muro.

A prefeitura, por exemplo, afirma que o muro não é mais problema dela. “O muro de vidro foi viabilizado por meio de parcerias com a iniciativa privada, após entendimento entre a prefeitura e a Universidade de São Paulo, que realizou chamamento público dos parceiros. A prefeitura já se colocou à disposição para prestar apoio técnico caso a USP julgue necessário”, diz a gestão Covas, em nota.

Questionado tanto sobre o muro da USP quanto pelo da av. 23 de Maio, a assessoria do governo Doria afirmou que ele “iniciou o processo de revitalização da raia da USP, assim como o muro verde da avenida 23 de maio”. “A continuidade dos projetos e as manutenções serão realizadas pelos atuais responsáveis."

Já a USP afirmou que as obras no muro estão paralisadas devido à pandemia e que serão “retomadas tão logo seja possível”. A universidade não deu detalhe qualquer sobre a tal obra.

Os muros de vidro da USP, inaugurados por Doria, em uma projeção de divulgação de 2017 e quebrados neste ano - Heloisa Ballarini - jul.2017/Divulgação e Adriano Vizoni - 14.jul.2020/Folhapress

Entre os adversários, há muitas críticas, mas poucas ideias sobre o que fazer com os muros deixados por Doria.

“Vamos ouvir a população sobre o que deve ser feito em casos como estes, emblemáticos do elitismo e da arrogância do PSDB. Se os paulistanos tivessem sido ouvidos, milhões de reais desperdiçados por conta dos caprichos estéticos de Doria poderiam ter sido destinados à criação de vagas em creches e à contratação de medicos na periferia”, afirmou a campanha de Guilherme Boulos (PSOL).

Já Andrea Matarazzo (PSD) diz que gosta da ideia do muro da av. 23 de Maio, apesar do preço, mas diz que o da USP ele mudaria.

“A USP na minha concepção, e é o que eu farei, trocar todos aqueles vidros por uma cerca igual a que eu coloquei no Parque do Povo, que é uma cerca de ferro, que permitiria você enxergar a paisagem. Isso não custaria nem 10% daquilo lá [muro de vidro] e seria definitivo."

Para Matarazzo, o maior 'mico' da gestão Doria-Covas mesmo será a reforma do Vale do Anhangabaú.

A campanha de Jilmar Tatto (PT) afirmou que Doria priorizou uma série de obras desnecessárias, em contexto em que a cidade tem quase 30 mil pessoas vivendo em situação de rua e déficit habitacional de 474 mil.

Segundo a assessoria do petista, o muro da USP ainda gera prejuízos com quedas e problemas de manutenção.

"Já o muro verde da [avenida] 23 de Maio só expôs o caráter higienista da gestão Bruno-Doria. A arte precisa ser vista, precisa estar exposta. Sem contar a censura à liberdade de expressão e os danos ao patrimônio público, como apontou o Ministério Público. Doria trata São Paulo como a sala de sua mansão no Jardim Europa."

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