terça-feira, 27 de outubro de 2020

Justiça proíbe Católicas pelo Direito de Decidir de usar 'católicas' no nome, FSP

 

SÃO PAULO

A ONG Católicas pelo Direito de Decidir não poderá mais utilizar o termo “católicas” no nome. A decisão é do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Feminista e pró-aborto nos casos previstos em lei (estupro, risco de morte da mãe e anencefalia), a organização atua no Brasil desde 1993 e trabalha por "justiça social, buscando o diálogo inter-religioso e mudanças dos padrões culturais e religiosos que cerceiam a autonomia e a liberdade das mulheres".

A decisão do TJ atendeu pedido do Centro Dom Bosco, uma entidade de orientação católica que promove valores conservadores e que entrou com ação judicial no ano passado para tentar censurar o especial de Natal do Porta dos Fundos no qual Jesus é retratado como homossexual.

Mulheres do grupo Católicas pelo Direito de Decidir no ano passado em Brasília no "Bloco das Religiosas" no protesto de trabalhadoras chamado Marcha Das Margaridas
Mulheres do grupo Católicas pelo Direito de Decidir no ano passado em Brasília no "Bloco das Religiosas" no protesto de trabalhadoras chamado Marcha Das Margaridas - Reprodução/Facebook

Agora, segundo a decisão da 2.ª Câmara de Direito Privado, do dia 20 de outubro, a organização terá de adequar o estatuto social e extinguir a expressão "católicas" em 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000.

De acordo o relator, o desembargador José Carlos Ferreira Alves, não é “minimamente racional e lógico o uso da expressão 'católicas' por entidade que combate o catolicismo concretamente com ideias e pautas claramente antagônicas a ele”. A ONG pode recorrer.

Antes, a Justiça tinha julgado a ação como improcedente por considerar que só uma autoridade eclesiástica poderia pedir a retirada do nome, mas a associação entrou com recurso e conseguiu uma decisão favorável desta vez.

O Centro Dom Bosco reúne apoiadores em universidades, no Ministério Público e no Congresso. Uma de suas porta-vozes na política é a deputada federal Chris Tonietto (PSL-RJ).

A associação argumentou que o grupo católico feminista fere o direito canônico. "Sob o pretexto de defender os 'direitos reprodutivos das mulheres', pratica-se autêntica promoção de conduta que nada mais é que o 'homicídio de bebês no útero materno'", escreveu.

Eles refutam a hipótese de que a ONG teria o direito à liberdade de expressão, inclusive para escolher como vai se chamar. "[Pode] a associação requerida defender seus valores, inclusive o aborto, como bem entender, desde que utilize nome coerente", disseram.

Os argumentos foram aceitos pelo desembargador Ferreira Alves, que citou diversas passagens bíblicas na sua argumentação, a exemplo do quinto mandamento da Bíblia: "não matarás".

Ele escreveu que, embora o Estado seja laico, ele assegura "as medidas necessárias para garantir a proteção dos lugares de culto da Igreja Católica e de suas liturgias, símbolos, imagens e objetos culturais, contra toda forma de violação, desrespeito e uso ilegítimo".

A ONG informou que não foi notificada oficialmente. “A organização tomou conhecimento da decisão por meio da imprensa e tomará as medidas cabíveis após o recebimento da determinação judicial. [Reiteramos] o compromisso com a democracia e os direitos humanos, em especial com os direitos sexuais e direitos reprodutivos das meninas e mulheres, tão ameaçados na atual conjuntura política brasileira”, disse, em nota.

Na ação contra o Porta dos Fundos em 2019, o Centro Dom Bosco fez um pedido de urgência de interrupção da exibição do vídeo que foi negado na primeira instância, mas deferido na segunda. A suspensão não durou dois dias, já que o então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, suspendeu a decisão.

Mesmo entre grupos religiosos não há consenso sobre o aborto. Parte defende a ideia de que a interrupção não é aceitável em nenhum momento da gestação e classifica o procedimento como “delito contra a vida”.

Em 2018, o papa Francisco, líder dos católicos, comparou a interrupção voluntária da gravidez a recorrer a um "matador de aluguel" na homilia pronunciada durante sua tradicional audiência na praça de São Pedro do Vaticano. "Interromper uma gravidez é como eliminar alguém. É justo eliminar uma vida humana para resolver um problema?", questionou o pontífice aos fiéis reunidos no Vaticano.

Já a ala progressista afirma que a criminalização culpabiliza as mulheres e provoca mortes, especialmente de pobres e negras, e, portanto, os que são contra não estão preocupados em defender a vida.

Em agosto, o Católicas pelo Direito de Decidir chamou de "pretensos cristãos" os que "aprofundam as dores de uma criança, em total discordância com os ensinamentos de Cristo", ao comentar o caso da menina capixaba de dez anos que fez uma interrupção legal da gravidez após ser estuprada pelo tio.

Religiosos conservadores e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, agiram nos bastidores para impedir que a criança fosse submetida ao procedimento.

​"O aborto é uma consequência de um problema anterior, que é o estupro. Urgente é a gente discutir a cultura do estupro nas igrejas", afirmou à Folha na época a socióloga Tabata Tesser, parte do Católicas pelo Direito de Decidir.

Pecado, disse, "é mulher morrer por causa de um aborto clandestino. Somos contra essa teologia policialesca".​

Nenhum comentário: