Breno Pires, O Estado de S.Paulo
30 de outubro de 2020 | 16h16
Atualizado 30 de outubro de 2020 | 16h16
BRASÍLIA - Indicado para uma vaga de conselheiro no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de cúpula da administração do Judiciário, o advogado Mário Nunes Maia, de 44 anos, filho do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Napoleão Nunes Maia, se nega a detalhar a pouca experiência que possui no mundo do Direito. Segundo um documento obtido no site da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Mário Nunes Maia foi aprovado no exame da ordem somente no ano passado. A obtenção da carteira da OAB é requisito indispensável para a atuação em processos como advogado.
Por meio de uma articulação iniciada em julho, com apoio direto de seu próprio pai, Mário Nunes Maia teve seu nome aprovado pela Câmara dos Deputados na terça-feira, 27. O indicado ainda precisa ser aprovado no Senado. Se confirmado, assumirá o posto de conselheiro do CNJ por dois anos, com remuneração mensal de R$ 37,3 mil, quase o teto do Judiciário.
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Questionado por telefone pelo Estadão sobre algumas informações de seu currículo de uma única página entregue à Câmara, o advogado encerrou a chamada abruptamente e não atendeu às novas ligações. A reportagem, então, enviou perguntas por escrito, por meio de um aplicativo de mensagens, mas o advogado não respondeu.
A despeito dos elogios dos líderes partidários que referendaram sua indicação, o currículo de Mário Nunes Maia, nas poucas linhas que possui, traz informações incompletas, que não permitem concluir se ele tem o notável saber jurídico exigido pela Constituição para a vaga de conselheiro do CNJ. O conselho é responsável por fiscalizar a conduta de juízes no País e formular resoluções para pautar a atuação dos magistrados. A reportagem pediu a confirmação a Mário Nunes Maia sobre a data de obtenção da OAB, mas não houve resposta.
No campo “atividades”, o advogado listou duas informações: “secretário da câmara cível do Tribunal de Justiça do Ceará” e “escritório de advocacia em Fortaleza e Brasília”. Ele não informa, porém, o período de cada uma dessas atividades, o nome dos escritórios, nem as funções desempenhadas. Em pesquisa feita pela reportagem na base de processos do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Regional Federal da 1ª e da 5ª Região, além do Tribunal de Justiça do Ceará, foram encontrados apenas três processos em que Mário Nunes Maia consta como advogado.
Mário informou à Câmara que está cursando mestrado na Universidade de Lisboa e, ao mesmo tempo, três pós-graduações na PUC Minas. A instituição mineira confirmou a informação. A portuguesa não respondeu.
O filho do ministro menciona cinco livros em seu currículo que têm sua participação. Destes, três foram escritos em coautoria com o pai, Napoleão, conforme constatou a reportagem. Quanto aos outros dois livros, "As origens das leis escritas e do método de sua aplicação literal" e "Direito Fundamental de Acesso à Justiça", não foram encontrados registros na internet.
Idiomas
Seu currículo, atualizado pela última vez em 2016, informa que ele era advogado desde 2010 e, no campo “Idiomas”, lista apenas o português, com a descrição de que “Compreende Bem, Fala Bem, Lê Bem, Escreve Bem”.
O currículo entregue à Câmara nem sequer informa a instituição de ensino e o ano em que concluiu o curso de Direito. Há um registro, no entanto, na plataforma Lattes, de um currículo acadêmico em seu nome, que aponta a graduação na Faculdade Faria Brito, em Fortaleza, concluída em 2012, quando Mário Nunes Maia tinha 36 anos. Entre a graduação e uma cadeira no CNJ, portanto, são apenas oito anos de experiência.
A reportagem pediu a Mário Nunes Maia esclarecimento sobre algumas das informações do currículo. "Só vou me manifestar após a sabatina do Senado”, disse ele. A reportagem insistiu. "Vou aguardar, porque ainda tem a sabatina do Senado e prefiro não me pronunciar", manteve a posição, desligando o telefone logo em seguida.
Em um comunicado do Ministério Público do Estado de Goiás, em 2012, é informado que Mário Nunes Maia teve inscrição indeferida em um concurso para ingresso na carreira do MP estadual. Em outro concurso público, desta vez para a Defensoria Pública do Estado do Paraná, também em 2012, o nome de Mário aparece como inscrito na primeira fase. Depois, não aparece entre os classificados para a segunda.
Deputado diz que recebeu pedido do ministro Napoleão: “Você pode conversar com ele?”
Um deputado federal de um partido com bancada relevante na Câmara disse à reportagem que o ministro Napoleão Nunes Maia lhe fez um pedido, para que conversasse com o filho sobre a indicação ao CNJ. “Meu filho é candidato ao CNJ e estava querendo falar com você. Você pode conversar com ele?”, contou o deputado, ao relatar o que teria ouvido do ministro Napoleão Nunes Maia, a quem conhece há bastante tempo. Essa conversa ocorreu em julho, segundo o parlamentar, que falou sob condição de anonimato.
Napoleão Nunes Maia é conhecido no Superior Tribunal de Justiça pela posição firme, sempre em defesa dos políticos. É comum que, em julgamentos no tribunal, ele se posicione a favor dos advogados de defesa em ações de improbidade, por não identificar dolo (intenção) na atuação de agentes públicos.
Às vezes, é o único voto vencido, como ocorreu no julgamento em que a Corte Especial do STJ – integrada pelos 15 ministros mais antigos no tribunal– decidiu manter o afastamento do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, em setembro.
A reportagem questionou Napoleão, por meio da assessoria de imprensa do STJ, se conversou com parlamentares para ajudar na indicação do filho. O STJ afirmou que o ministro não foi localizado.
A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) disse que alguns parlamentares de sua bancada tinham sugerido a indicação de Mário Nunes Maia, devido à boa relação com o próprio advogado e com a família dele. Questionada se essa boa relação incluía o pai dele, a deputada disse que havia uma “relação dele (Mário Nunes Maia) e da família dele com parlamentares nossos”, mas negou que tenha havido influência de Napoleão Nunes Maia na escolha.
Outros deputados ouvidos pela reportagem disseram que foram procurados diretamente pelo advogado. Um deles, Gutemberg Reis, do MDB-RJ, disse que um conhecido em comum lhe apresentou Mário Nunes Maia no Salão Verde da Câmara dos Deputados, alguns meses atrás, e optou pelo nome quando viu os demais candidatos à vaga, pois era o único que conhecia.
O deputado Denis Bezerra (PSB-CE) chegou a estudar com Mário Nunes Maia em uma disciplina do curso de Direito no Ceará e disse que optou pelo advogado porque já tinha com ele uma relação pessoal. Denis elogiou o currículo de Maia, dizendo que ele tinha especializações, mas a reportagem apontou que essa informação não consta no currículo. O deputado então disse: “Se a gente for analisar essas questões curriculares dos três que estavam concorrendo (à vaga no CNJ), eu acredito que tenham pessoas ainda muito mais qualificadas (do que eles) que poderiam ser avaliadas, mas eram os que estavam inscritos e a gente acabou fazendo opção enquanto bancada, apenas no dia”, disse.
Entre os outros dois candidatos à vaga no conselho que participaram da votação, a advogada Janaína Lima Penalva, indicada pelo PSOL, é doutora em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), onde também é professora, e já trabalhou como diretora do próprio CNJ. O advogado Cesar Augusto Wolff, indicado pelo Novo, é professor universitário e mestre em Ciências Jurídicas. Mario Maia teve 364 votos. Cesar Wolff, 40. Janaína Penalva, 35.
Reação
Após a publicação desta reportagem, o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) disse ser “lamentável que essa decisão tenha sido feita assim de última hora” pela Câmara. “Todas as decisões da Câmara que são feitas dessa maneira são, normalmente, em virtude de acordos feitos de bastidor, que a maior parte dos deputados não conhece. E tudo indica que tenha sido a mesma coisa nesse caso. É triste que a gente veja, no Brasil, órgãos importantes como o CNJ, que foi criados justamente para ser um conselho e supervisionar o trabalho nas nossas cortes, sendo aparelhados por familiares de outros membros de tribunais, por exemplo, sem que tenham a devida qualificação.”
Na avaliação do parlamentar, o fato de ser um familiar não deveria ser um problema, “se a pessoa tivesse um currículo, uma trajetória que justificasse, e que não dependesse de lobby justamente de familiares para que fosse indicado, o que, inclusive, qualifica-se como nepotismo”. Hattem diz esperar que o Senado reverta a decisão da Câmara
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