O ministro Marco Aurélio Mello agiu bem ao determinar a soltura de um dos chefões do PCC? Se você, dileto leitor, pensa que ele extrapolou, seja bem-vindo ao clube do consequencialismo, corrente filosófica que, devido a uma campanha de propaganda negativa, não goza da melhor das reputações, ainda que funcione bem em grande parte das situações.
O problema com a posição de Marco Aurélio é que, pela letra da lei, ela é corretíssima. Sob a perspectiva da deontologia, a escola rival do consequencialismo, devemos obediência apenas à legalidade, independentemente das consequências. Immanuel Kant, o representante maior dessa corrente de pensamento, disse tudo quando escreveu “fiat iustitia, et pereat mundus” (faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça).
E, no ano passado, o Congresso adicionou ao artigo 316 do Código de Processo Penal um dispositivo que corretamente obriga as autoridades judiciais a renovar a cada 90 dias a fundamentação para manter uma prisão preventiva, sob pena de torná-la ilegal. Não fizeram isso no caso do líder pececista, e aí Marco Aurélio fez “iustitiam”.
Para contestar a kantiana decisão do magistrado, é preciso abandonar a legalidade estrita e sorver um pouquinho de consequencialismo: não é prudente utilizar uma interpretação mecanicista da lei para pôr em liberdade alguém que representa perigo físico para a sociedade e que, na primeira oportunidade que teve, tornou-se um foragido. Vale observar que preservar a segurança pública e evitar a possibilidade de fuga são, pela lei, razões que justificam a prisão preventiva.
É claro que Marco Aurélio poderia ter optado por um caminho menos conspícuo. Sem trair o espírito da lei, ele poderia ter exigido que o procurador e o juiz do caso se manifestassem ou ter levado a questão ao pleno do STF, para fixar os limites do novo dispositivo, mas aí Marco Aurélio não teria sido Marco Aurélio.
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