Como de hábito, a desinformação toma conta do debate público quando se trata de temas complexos de gestão pública. Não foi diferente com a discussão sobre a suposta “privatização do SUS”, provocada pelo anúncio (mal feito e depois revisto) de que o governo estudaria a gestão de unidades básicas de saúde em parceria com o setor privado.
O curioso é que este debate é antigo, e o país há muito conta com uma sofisticada legislação regulando a gestão em parceria com o setor privado. Apenas no município de São Paulo, mais de 60% das unidades básicas de saúde são gerenciadas por organizações sociais privadas.
A pergunta a ser feita é: com os cuidados devidos, isto é, bons contratos e boa supervisão, os modelos de parceria podem funcionar melhor para as pessoas, em regra os mais pobres, que irão efetivamente utilizar os serviços?
Há muita pesquisa sobre o tema. Uma delas é de Marcelle Gaiguer, da Fucape Business School, no Espírito Santo. Ela comparou a gestão de um hospital público tradicional com a de um hospital gerenciado por uma organização social privada, na capital capixaba, e os resultados foram bastante claros.
No modelo de gestão privada, a estrutura é mais enxuta, as taxas de infecção são significativamente mais baixas e tempo médio de permanência do paciente é menor.
O estudo conclui que “quando abordamos o custo total em relação ao volume de produção (...) encontramos maior eficiência” no hospital sob gestão privada, e que “os indicadores de qualidade (taxa de infecção hospitalar) registram que na OS a gestão mais eficiente dos custos não penaliza a qualidade”.
Vão na mesma direção pesquisas muito mais abrangentes. É o caso do estudo realizado por Daniel Corrêa, da Universidade do Porto, a partir de dados do Ministério da Saúde e considerando 808 hospitais públicos brasileiros.
Os hospitais públicos de gestão privada registraram eficiência 8,4% superior aos da administração direta. Daniel conclui que “a maior autonomia gerencial, regras de recursos humanos, legislação trabalhista e mecanismos de contratação mais ágeis aumentam a eficiência dos hospitais públicos”.
Alguém poderia perguntar: mas e as PPPs? Quando a gestão é feita via organizações sociais a entidade não visa lucro. O mesmo não ocorre no modelo das parcerias público-privadas. A questão relevante se repete: é um modelo capaz de produzir melhores serviços para as pessoas?
Um indicativo vem da área da educação, a partir da pesquisa feita por Bruno Rodriguez, da FGV (Fundação Getulio Vargas), junto à rede de escolas públicas de Belo Horizonte, construídas e gerenciadas na forma de PPP. O modelo de gestão é híbrido. O parceiro privado faz a gestão operacional e os professores da rede municipal o trabalho pedagógico.
Os resultados são claríssimos. A avaliação dos serviços é superior, e os diretores das escolas contratualizadas têm 25% mais de tempo para as atividades educacionais, ao invés de cuidar da administração e “apagar incêndios”. Um dado em particular chama a atenção: o tempo de construção das unidades. Máximo de 13 meses, ou 45% inferior ao tempo médio gasto nas unidades feitas diretamente pelo governo.
Isso poderia acontecer na saúde, não? Médicos e enfermeiros focados em suas atividades em um ambiente de baixa burocracia. As pesquisas apontam caminhos. É preciso tirar a raiva política do debate. Defender que o governo possa estabelecer parcerias não significa que o Estado abrirá mão de prestar serviços ou garantir direitos.
Ao contrário: significa que o governo estará focado na qualidade que chega na ponta e não nos interesses das corporações que estão no meio. Visão de Estado, não de máquina pública. No Brasil se confunde, historicamente, o que é público e o que é estatal. Está na hora de desfazer essa confusão.
Para quem quiser clarear as ideias sugiro assistir a um concerto da Osesp, na Sala São Paulo. Observe a arquitetura, a acústica impecável, a qualidade da música. Aquilo tudo é bastante complexo, 100% público e 100% gestão privada. E funciona. Talvez sirva de inspiração.
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