quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Governo baiano constrói estação de esgoto em lagoa cartão-postal de Salvador, FSP

 

Franco Adailton
SALVADOR

Imortalizada em versos de Dorival Caymmi e Caetano Veloso, a lagoa do Abaeté, em Salvador, está no centro de protestos de religiosos, ambientalistas, artistas e moradores contra o governo da Bahia. A gestão Rui Costa (PT) está implantando no local uma estação elevatória de esgoto.

Antes procurada como balneário por turistas e moradores, a área da lagoa caiu no ostracismo principalmente nos últimos dez anos por falta de melhor estrutura para receber visitantes, mas não perdeu a importância para adeptos do candomblé, que ali fazem oferendas aos orixás, nem para as lavadeiras de roupas.

Mulher de máscara e roupas de religião africana em frente a uma retroescavadeira, com cartazes de protesto atrás dela,
Líderes religiosos fazem, ato em junho, contra obra de estação de esgoto na Lagoa do Abaeté, em Salvador - Tiago Caldas/Correio da Bahia

“No Abaeté tem uma lagoa escura, arrodeada de areia branca”, cantou Caymmi, em canção de 1940 sobre a APA (área de proteção ambiental) de 225 hectares em Itapuã.

Pouco mais de 40 anos depois, em 1983, Caetano entoou: “No Abaeté, areias e estrelas não são mais belas”, na música “Você é linda”. Foi no Abaeté que as Ganhadeiras de Itapuã, tema do enredo vencedor do Carnaval do Rio, em 2020, pela Viradouro, se projetaram.

A estação elevatória de esgoto está sendo erguida pela Conder (Companhia de Desenvolvimento do Estado da Bahia), autarquia ligada à Sedur (Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado), com previsão de ser entregue em 20 de novembro.

Trata-se de um tanque subterrâneo de equalização para substituir fossas sépticas, com a função de equilibrar as vazões de entrada e saída de efluente. Tem capacidade para 8.000 litros, 3,2 m de comprimento, 2 m de largura e 1,95 m de altura.

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A estação terá três bombas, duas delas enterradas e uma na superfície, e gerador próprio, além de um sistema de comunicação que inclui alertas sonoro, visual e por mensagens telefônicas (SMS). O investimento feito pelo governo estadual é de R$ 456 mil.

Com a estação, o esgoto produzido pelo Centro Comercial, Casa das Lavadeiras e Casa da Música será bombeado do tanque, localizado num nível mais baixo –assim como as atuais fossas sépticas– para a rede principal de captação de efluentes.

A obra, diz a Sedur, não vai gerar impacto visual por ser um equipamento subterrâneo com forma de poço. As partes visíveis serão incorporadas às estruturas em concreto já existentes no Parque Metropolitano do Abaeté.

Mesmo assim, desde que as obras foram iniciadas, no final de maio, grupos contrários ao projeto já realizaram quase dez manifestações. Um abaixo-assinado contra a obra já reúne cerca de 15 mil assinaturas. O serviço chegou a ser suspenso por dois dias, no final de junho, mas retomado logo em seguida.

Uma das fundadoras do movimento Abaeté Viva, a fotógrafa Fabíola Campos diz que o primeiro problema em relação ao projeto foi a falta de comunicação “Quando soubemos desse projeto, há quase um ano, foi por acaso. Pegou todo mundo de surpresa."

Vista geral de lavadeiras na lagoa de Abaeté, em Salvador (BA) - Luisa Alcantara e Silva/Folhapress

Integrante do Conselho Gestor da APA, Marli Muritiba questiona a necessidade da estação “a dez passos da lagoa”. “É uma obra totalmente desnecessária, que altera paisagem e viola o santuário das religiões de matriz africana, que é um símbolo não só da Bahia, mas do Brasil”, diz.

À frente do terreiro Axé Abassá de Ogum, situado nas cercanias do parque metropolitano, a ialorixá Mãe Jaciara de Oxum classifica a lagoa como uma extensão das casas de religiões de matriz africana, já que é nas suas águas que os rituais sagrados são concluídos.

“Não somos contra o progresso, mas essa obra demonstra não só uma das formas de racismo ambiental mas também uma falta de respeito à lagoa que reúne nossa ancestralidade e, historicamente, representa o empoderamento das mulheres que lavavam roupa para ter independência”, diz.

O titular da Sedur, secretário Nelson Pelegrino, diz respeitar as vozes contrárias, mas avalia que há desconhecimento quanto à obra. “Não se trata de uma estação de tratamento de esgoto, mas uma obra para subir os efluentes de um nível mais baixo para o nível da rede."

O projeto foi aprovado pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), pela Prefeitura de Salvador e pela Empresa Baiana de Águas e Saneamento. O Ministério Público da Bahia arquivou um inquérito aberto em abril após parecer técnico.

“Chegamos a suspender as obras para ouvir as propostas, que não se mostraram viáveis tecnicamente. Nosso projeto é seguro e de fácil manutenção. Hoje, as fossas são limpas por caminhões de sucção e isso, sim, representa risco de contaminação da lagoa. Não vamos alterar a paisagem”, disse o secretário.

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