Entre as principais economias do mundo, o Brasil contabilizou o maior aumento do gasto público no período que vai do final da década passada às vésperas da pandemia do novo coronavírus.
De 2008, ano de crise financeira global, até 2019, a despesa conjunta de União, estados e municípios avançou de 29,5% para 41% do PIB (Produto Interno Bruto), sem incluir na conta os encargos com juros —os maiores do planeta.
Com a evolução, o país ostenta hoje o maior aparato estatal fora da Europa —e muito superior ao de qualquer um dos principais emergentes com dados disponíveis.
As informações foram obtidas em uma base de dados do FMI (Fundo Monetário Internacional) que procura harmonizar as estatísticas orçamentárias de todo o mundo, facilitando as comparações.
O levantamento da Folha abarcou um grupo de 20 países selecionados entre as mais importantes economias globais e da América Latina.
Ficaram de fora China, Índia e Argentina, para as quais não há dados. Das três, porém, sabe-se que apenas a vizinha Argentina pode ter despesa pública comparável à brasileira.
Relativamente recentes, os dados retratam um período de alta do gasto governamental em boa parte do mundo, em reação à crise disseminada pela quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008.
No caso brasileiro, o choque financeiro deu início à política intervencionista das administrações do PT, e a expansão fiscal se prolongou. A adoção do teto constitucional para a despesa federal, em 2016, apenas desacelerou o aumento.
Os números permitem detectar os motivos que fazem do Estado brasileiro uma anomalia entre os países de renda média —e com participação na economia superior à verificada em potências como EUA, Japão e Reino Unido.
A escalada do gasto público nacional se deveu, principalmente, aos benefícios sociais, nos quais a metodologia do FMI agrupa ações de Previdência e assistência social.
Esses pagamentos saltaram de 9,8% para 18,4% do PIB entre 2008 e 2019 (o dado do ano passado foi apurado pelo Tesouro Nacional, com base nas diretrizes do Fundo).
Movido em especial pelos encargos com aposentadorias, o crescimento equipara hoje o gasto brasileiro com seguridade aos de países ricos com população bem mais idosa.
São muito menores as cifras em emergentes como Turquia (12,8% do PIB), Rússia (11,1%), Colômbia (7%), África do Sul (6,2%), Chile (4,9% do PIB), México (4,3%) e Peru (2,1%).
Embora não tenha passado por uma expansão comparável no período, os encargos com servidores são outra distorção dos orçamentos das três esferas de governo.
As despesas com o funcionalismo ativo, que ultrapassaram o patamar de 13% do PIB, só são superadas na Arábia Saudita e na África do Sul (o critério do FMI considera contribuições previdenciárias e outros benefícios concedidos pelo empregador).
Além disso, os pagamentos a servidores inativos e seus pensionistas, na casa dos 5% do PIB, ajudam a inflar o desembolso com benefícios sociais.
Por fim, se salários e aposentadorias respondem pelos excessos na despesa primária (não financeira), a conta de juros da dívida pública constitui uma excrescência à parte.
Na metodologia do Fundo, esse gasto caiu de 9% para 7,3% de 2018 para 2019, mas permanece sem paralelo.
Mesmo no cálculo do Banco Central, que desconta as receitas com juros do governo, os 5,1% do produto apurados no ano passado bastam para liderar o ranking global.
Em grande medida, a expansão das despesas primária e financeira está associada —o endividamento público viabilizou parcela expressiva da ampliação dos programas de governo.
A alta da dívida inspira desconfiança do mercado credor, que se reflete em alta das taxas cobradas. O gasto com juros chegou ao recorde de 11,9% em 2015, nos estertores da gestão Dilma Rousseff (PT).
Desde a adoção do teto para as despesas primárias federais, curiosamente, foram as despesas financeiras que ingressaram em trajetória de queda, graças à queda das taxas dos títulos públicos.
Esta, por sua vez, foi permitida pela persistente estagnação da economia brasileira.
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