Sempre leio o Pedro Fernando Nery e aprendo muito com ele. Até por isso é bom divergir de vez em quando. Pedro colocou na pauta a chamada “votação Demery”, que sugere dar aos pais o direito de votar pelos filhos ainda crianças.
A ideia foi originalmente proposta pelo demógrafo Paul Demery e propõe mudar a regra “um homem, um voto”, base de nossas democracias, propondo que os pais tenham um voto a mais para cada filho menor de 16 anos. Um filho, um voto. Dez filhos, dez votos. O argumento é de que precisamos de políticas de longo prazo, focar nas crianças e nada melhor do que dar às mães um maior poder político.
Há um caminhão de problemas aí. Os cidadãos não decidem políticas públicas e sim elegem políticos. Os políticos vão à televisão, distribuem promessas, santinhos, e as pessoas votam. A engenharia proposta por Demery supõe o seguinte: vendo seus bebês bem cuidados ou soltos em uma rua com esgoto a céu aberto, as mães saberão identificar, no mar de “cabecinhas” (nome que a filhinha de um amigo dava aos candidatos, na TV), quem melhor representa políticas que, uma vez implementadas, melhorarão a vida das futuras gerações.
As mães saberiam separar o joio do trigo, comparando o discurso e o histórico de cada candidato, e quem sabe fariam também alguma comparação internacional sobre boas e más políticas públicas. Sua condição se traduziria em discernimento político.
O maior equívoco disso tudo é desconsiderar um detalhe sobre o mundo político sobre o qual nos alertou Anthony Downs: a informação política tem um custo brutalmente alto. Nosso voto vale nada ou quase nada em uma eleição (mesmo alguém votando pelos cinco filhos). E ninguém será responsabilizado se votar errado. Mesmo porque é parte da democracia que ninguém saiba exatamente o que é certo ou errado em uma eleição.
Nessas condições, pouca gente irá gastar muito tempo analisando políticas públicas. A tendência é a alienação e a irresponsabilidade. Vem daí boa parte da bobageira que inunda a internet. Se a minha influência sobre o processo é nula e eu posso socializar o custo do meu erro, por que exatamente eu agiria, na política, com a atenção que dou ao remédio que meu filho precisa tomar em uma noite de febre?
A engenharia com direitos individuais anda na moda (no tema identitário, em especial), mas não acho que nossas democracias estariam dispostas a trocar uma questão de princípio (a igualdade política) pela expectativa vaga de se obter um melhor resultado (temos acordo sobre isto?) na escolha pública.
Vai também aí certo mecanicismo sociológico que imagina alguma correspondência objetiva entre ideias e condição social. Os mais velhos apostariam em políticas de curto prazo, jovens nas de longo prazo, mulheres em políticas feministas e assim por diante. Feito o raciocínio, a tarefa é descobrir a melhor equação para “ajustar” os colégios eleitorais e obter os resultados que desejamos.
Não é por aí. Nosso foco deveria se concentrar na qualidade do debate e nos incentivos à boa governança pública.
A virtude da provocação feita pelo Pedro é chamar atenção para reformas institucionais que o país precisa fazer. Há três temas que o país deveria discutir com serenidade: mandatos de cinco anos, sem reeleição, voto distrital misto e voto facultativo.
Por diferentes razões. Fim da reeleição e mandatos mais longos podem ajudar a conter o populismo e favorecer a maturação de programas públicos; o voto distrital aproxima eleitos de eleitores e, de quebra, reduz custos de campanha. Voto facultativo é um direito. O Estado não é papai de ninguém para obrigar o cidadão a votar ou não votar.
São reformas esquecidas na agenda brasileira. Deveríamos retomá-las, mas sem engenharia com o direito inalienável de cada um participar da esfera pública em condição de igualdade.
Quanto às crianças, sugiro cuidar para que elas cresçam, brinquem e estudem. No tempo certo, elas irão votar com a própria cabeça.
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