Não, não somos racionais: não passamos pela vida simplesmente entrando dados numa planilha cerebral que calcula os prós e os contras e cospe facilmente um resultado, atualizado a cada passo que damos. Tampouco agimos simplesmente de acordo com o que está debaixo de nossos olhos. Não: temos memória de bons tempos passados, vislumbramos a sua volta mesmo sob temporal, agimos para soprar as nuvens embora e trazer céu claro. Se nos sabemos em depressão atmosférica, podemos criar nossa própria zona de alta pressão.
Ou, ao contrário, temos memórias de mau tempo, antecipamos a pior tormenta, e já decidimos por antecipação nunca mais por o pé na água, não importa o azul do céu.
A diferença entre a racionalidade e a humanidade é que além do valor azul ou vermelho na planilha, cada coisa que fazemos tem outros dois valores, emocionais e portanto absolutamente personalizados. Como o corpo registra nossos estados mentais varia não ao longo uma só escala que vai do bom ao ruim, mas duas, em paralelo. Uma vai do neutro ao prazer e satisfação; a outra, do neutro ao angustiante, pavoroso e temerário. Por isso, é perfeitamente comum algo ser muito bom... e muito ruim ao mesmo tempo. E aí, para que lado se inclinar?
Em tempos incertos, nosso processo nada racional de decisão é uma faca de dois gumes, ou uma corda bamba de onde se pode cair para dois lados. Temperamento é sempre um grande fator – ou simples constatação de como cada cérebro tende a funcionar. Uns, que dão maior importância à perspectiva de céu claro, são ditos otimistas. Outros não conseguem afastar a ideia de nuvens sempre à espreita.
Mas tendência não é destino, sobretudo quando se tem um córtex pré-frontal e com ele a possibilidade de insight. Tomar as rédeas de nossas angústias e não se deixar trancar atrás da porta é sempre possível —e tudo começa com tomar ciência da situação. Do lado de dentro, o que nos move ou impede; e do lado de fora, a fonte da incerteza.
Incerteza é falta de garantias; sem garantias, não nos sentimos em controle; sem a sensação de controle, o cérebro se sente impotente, incapaz. Tempos incertos, portanto, são um convite à paralisação – para quem não tem iniciativa.
Que também se aprende, por sorte. Não sermos apenas o resultado de nossas circunstâncias tem lá suas vantagens. Não somos seres passivos, mas potencialmente pró-ativos. Temos iniciativa, por definição a capacidade de iniciar ações apesar da falta de uma corrente que nos leve sem fazermos força. Ou até mesmo apesar de correntes contrárias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário