O Orçamento de 2021 não prevê verbas para o Renda Brasil, o programa de transferência de renda ampliado, prometido como substituto do auxílio emergencial. O presidente da República rejeitou o plano de fusão do abono salarial, do salário-família e do seguro-defeso, que garantiriam a ampliação das verbas de R$ 33 bilhões para R$ 57 bilhões. Argumentou que “não tiraria dos pobres para dar aos miseráveis”.
É um equívoco. Em estudo do CDPP (Centro de Debates de Políticas Públicas), do qual tive a satisfação de participar (que propõe política distinta e mais eficiente que o esboço conhecido do Renda Brasil), mostra-se que o abono e o salário-família são incapazes de afetar as estatísticas de pobreza e desigualdade, ao contrário do Bolsa Família, que diminui ambas significativamente.
Já o seguro-defeso tem frágil controle e paga o benefício ao dobro de pessoas que a Pnad Contínua registra como pescadores, sendo objeto de fraudes e uso político.
Nada mais lógico que redirecionar os recursos para um formato similar ao do Bolsa Família, potencializando a redução da pobreza com aperfeiçoamentos no desenho dos benefícios.
Todo o mundo tem um parente que considera pobre e que perderia o abono ou o salário-família. Acredite: há pessoas muito mais pobres que seu parente e que nada recebem. Política pública precisa ser feita com evidência quantitativa abrangente, e não com impressões colhidas nas conversas de fim de semana.
Por serem focados no indivíduo, e não na família, aqueles três programas muitas vezes erram o alvo da pobreza. Beneficiam, por exemplo, o jovem de classe alta e que acabou de entrar no mercado de trabalho, com salário mais baixo. Não diferenciam o pescador que vive sozinho daquele que sustenta cinco filhos, pagando o mesmo para ambos.
Quem for efetivamente pobre continuará a ser atendido por um novo e ampliado programa de assistência, como o proposto pelo CDPP.
O Bolsa Família, objeto de elogios internacionais (ainda que passível de aperfeiçoamentos), surgiu da fusão de vários programas (bolsa-escola, o cartão-alimentação, o bolsa-alimentação e o auxílio-gás).
Também à época foi objeto de muita crítica, principalmente da esquerda, que achava um erro focalizar a atenção nos mais pobres e queria programas universais. Curioso que o antípoda do PT faça a mesma crítica populista.
Se essa discussão for superada, optando-se pela fusão dos programas, outra questão se impõe. O abono salarial já tem despesas comprometidas até junho de 2022, devido a um cronograma defasado de pagamentos. Como ele representa R$ 20 bilhões do orçamento do novo programa, não haveria recursos disponíveis até lá.
Esse problema não existiria se o Executivo e o Legislativo não tivessem, em seguidas decisões nos últimos anos, escolhido tirar dos pobres e miseráveis para dar às corporações.
Em um ano de Orçamento duríssimo, o Ministério da Defesa vai receber R$ 4,2 bilhões a mais. Em 2016, foi criada a “Bolsa Advogado Público” —os honorários de sucumbência—, que consomem R$ 700 milhões por ano. A opção por não regulamentar o teto salarial do setor público leva outros R$ 2 bilhões por ano, somente no governo federal, principalmente com benefícios à magistratura.
Em 2019, o Congresso aprovou PEC que aumenta o montante das emendas obrigatórias em R$ 5 bilhões por ano, para financiar projetos de qualidade e mérito duvidosos. A emenda constitucional 98, de 2017, incorporou à folha da União servidores de ex-territórios, levando mais R$ 2 bilhões por ano.
Não fossem essas e outras escolhas questionáveis, financiaríamos uma gradual ampliação da atenção aos mais pobres e melhoraríamos a qualidade do gasto público, com justiça distributiva e respeitando o teto de gastos.
Nossa crise fiscal é resultado do casamento do populismo com a captura do Orçamento por quem tem poder político.
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