Muita gente boa gastou um tempo danado, nos últimos meses, tentando encontrar algum “espaço fiscal” para garantir uma renda mínima de R$ 300 a famílias muito pobres, no que seria o Renda Brasil.
Ninguém encontrou. A proposta orçamentária foi para o Congresso sem o benefício. Nesse meio tempo, não obstante, deu tempo para a AGU avalizar o acúmulo de vencimentos de militares acima do teto salarial; deu tempo também para o Congresso autorizar a criação do novíssimo TRF-6, em Minas Gerais.
Deu tempo para o STF proibir a redução de jornada e salário de servidores públicos, ao mesmo tempo que autorizava o acúmulo de vencimentos e jetons por participação em conselhos de estatais, acima do teto. E para o Congresso confirmar e reconfirmar nosso generoso fundão eleitoral para as campanhas do final de ano. Só não deu para arrumar o dinheiro para os R$ 300. Como se costuma dizer no jargão de Brasília, governar é eleger prioridades.
No fundo, esta é a força da regra do teto. Ela obriga o país a fazer escolhas. Nos impõe a dureza do realismo fiscal e põe a nu o jogo de pressões da política “sem romance”, como gostava de dizer James Buchanan.
Fazer um ajuste estrutural do setor público é complicado por muitas razões. Uma delas é que não há bala de prata para resolver o problema. Sua solução depende de um amplo leque de decisões, sendo que nenhuma, isoladamente, irá resolver o problema. É o que nos dizem os exemplos que mencionei acima. Terminar com o financiamento eleitoral? Dois bilhões resolvem o problema fiscal? Seria razoável pedir aos políticos para cortar seus cabos eleitorais e carros de som só por causa disso?
O mesmo vale para a “PEC dos penduricalhos”, do deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), e projetos similares que tramitam no Congresso. Alguns milhares de servidores terão que se virar com R$ 39,3 mil? Para que mesmo? Uma enorme confusão para cortar R$ 2 ou 3 bilhões do Orçamento?
Eliminar as “licenças-prêmio”? Cortar os quinquênios? Promoções por mérito? Será que isso compensa? No mercado, a competição gera um incentivo automático para que coisas assim sejam feitas. No setor público, é preciso encarar a “tirania das pequenas decisões”. Fazer um sem número de escolhas, todas difíceis e incapazes de resolver o problema, mas que no conjunto, e no longo prazo, podem funcionar.
Há também um problema de ação coletiva. Podemos até conceber, em tese, que todos os grupos organizados ganhariam alguma coisa com um ajuste abrangente das contas públicas. Mas quem tomaria a iniciativa? Deputados topam reduzir despesas de gabinete no segundo Parlamento mais caro do planeta? Quem sabe cortar um pedaço das emendas parlamentares?
O governo agora envia ao Congresso a proposta de reforma administrativa. A notícia é boa, mas é preciso ficar esperto. A pergunta, no fundo, é se o sistema político vai levar isso a sério ou se é apenas mais um projeto pra inglês ver, como sempre foi o tema da reforma política e vai se tornando a reforma tributária.
Muitos dos temas mencionados aqui simplesmente não dependem de um projeto de reforma (teto salarial, avaliação de desempenho, redução de jornada). Por que eles não avançam? Corporações, em regra, ganham o jogo contra os interesses difusos e desorganizados, no mercado político.
É isso que assistimos neste Brasil triste de 2020. Bastou sair de cena a emergência (e o gasto por conta) e passar a valer o jogo de soma zero do teto orçamentário que os 20 milhões que teriam o benefício dos R$ 300 dançaram fácil. A turma do andar de cima ocupou rapidinho as cadeiras vazias.
O desafio é isso não se repetir com a reforma administrativa. Não é de todo ruim que ela se aplique aos futuros servidores. O ajuste que precisamos fazer em nosso contrato político será mais fácil se tivermos que lidar apenas com direitos ainda não “adquiridos”.
Talvez seja este o custo a pagar para mover a imensa inércia brasileira e fazer alguma reforma no setor público andar pra frente.
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