A direita global busca fundamentar sua oposição ao uso de máscaras e de medidas de distanciamento social numa suposta defesa da liberdade. Para essa turma, as restrições impostas por governos para controlar a pandemia violam o direito do indivíduo de dispor sobre si mesmo. Faz sentido?
Um autor insuspeito de pendores autoritários é John Stuart Mill, que escreveu “On Liberty” (1859), até hoje uma das mais eloquentes defesas da liberdade. Mill não deixava barato: “Na parte que concerne apenas a ele mesmo [o indivíduo], à sua independência, o direito é absoluto. Sobre si mesmo, o seu corpo e sua mente, o indivíduo é soberano”.
Mas Mill não era tolo. Não teve dificuldades para ver que a liberdade, posta em grau superlativo, entraria em choque não só com outros direitos relevantes mas também com as liberdades de outros indivíduos. Impôs, portanto, um limite a essa liberdade: o princípio do dano.
Para o filósofo, “a única situação em que o poder pode justificadamente ser exercido contra a vontade de qualquer membro de uma comunidade civilizada é para prevenir dano a outros”. “Dano” (“harm”) é uma palavra meio vaga, mas, ao utilizá-la, Mill tinha em mente perigos físicos concretos e iminentes e não meras percepções de ofensa.
Resta determinar se as restrições sanitárias satisfazem ao princípio do dano. Em minha modesta opinião, satisfazem. Acho até que constituiriam um exemplo que o próprio Mill usaria.
Uma das características do Sars-CoV-2, afinal, é a de ser um vírus facilmente transmissível mesmo em fase pré-sintomática ou assintomática. Isso significa que qualquer um pode ser portador invisível da moléstia e contaminar outros através de perdigotos e aerossóis. Para uma fração dos infectados, a doença revela-se fatal. Máscaras e distanciamento, embora não eliminem o risco de contágio, o reduzem. No meu entender, é algo que devemos a nossos semelhantes.
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