sexta-feira, 15 de maio de 2020

Bolsonaro não faz governo liberal, diz podcaster que defende fim do Estado, FSP

Fábio Zanini
Em outubro de 2018, às portas da eleição de Jair Bolsonaro, os gaúchos Paulo Fuchs, 32, e Julio dos Santos, 34, criaram um podcast destinado ao “microcosmo do microcosmo”: os liberais, desde os clássicos até os anarcocapitalistas, que defendem simplesmente o fim do Estado.
Nascia o Tapa da Mão Invisível, num momento em que os liberais sentiam que sua hora havia finalmente chegado.
Bolsonaro, afinal, trazia como seu braço-direito o economista Paulo Guedes, egresso da Escola de Chicago, meca dessa corrente ideológica.
Muitos liberais já tinham um pé atrás com Bolsonaro, mas do outro lado estava o PT. A maioria não teve dúvida e votou no capitão.
O Tapa foi parte da efervescência que gerou dezenas de grupos liberais, canais de YouTube e centros de estudos dedicados a essa vertente nos últimos anos.
Menos de dois anos depois, a agenda liberal de Guedes está em frangalhos e o governo que o hospeda tem o autoritarismo e a confusão como marcas. O impacto que a vinculação a Bolsonaro terá para o liberalismo ainda está por ser medido.
“A nossa proposta não é alienar ninguém da direita. A gente não está muito preocupado em agradar determinado publico.  Nossa filosofia é libertária, mas os nossos entrevistados não precisam ser”, diz Fuchs, formado em Economia pela PUC-RS, curso que, segundo ele diz ironicamente, tinha duas opções: marxismo e marxismo com keynesianismo.
Discussões sobre o peso do Estado e o poder do indivíduo passavam longe do ambiente acadêmico, afirma Fuchs, hoje empresário em Porto Alegre.
Semanalmente, ele e seu colega Julio, formado em administração pela PUC-RS e executivo do mercado financeiro morando em Brasília, fazem debates e entrevistas que duram cerca de uma hora.
“Nossa ideia não é discutir a pauta do dia a dia, e sim as ideias que permeiam de fora geral o debate. Queremos aprofundar conceitos da liberdade”, diz Fuchs.
Os temas podem incluir economia, filosofia, teologia, sexualidade e outros, sempre da perspectiva liberal, ou seja, da liberdade e do direito individuais.
Como convém nesse universo, o tom do podcast é informal e provocador. Aqui está a lista de todos os episódios.
Os últimos tempos têm sido difíceis para liberais, e não apenas no Brasil.
A resposta dada por governos internacionalmente ao coronavírus tem sido reforçar o peso do Estado, por meio de liberação de dinheiro, crédito e financiamento, além de jogar para cima os limites de endividamento e apertar o botão de pausa na austeridade fiscal.
Mais uma vez, parece que se confirmar a frase “na crise, somos todos keynesianos”, atribuída ao economista Milton Friedman (keynesianismo é sinônimo de ação do Estado para resgatar a economia).
Para Fuchs, tudo isso prova que o governo Bolsonaro não é liberal.
“O governo Bolsonaro propiciou um atalho para muitas das coisas que os liberais queriam fazer no Brasil, sobretudo na parte econômica. Mas isso não o torna um governo liberal, e sim um governo com elementos liberais”, afirma.
Libertários e anarcocapitalistas, como são os podcasters gaúchos, definem-se como liberais por inteiro, o que inclui questões comportamentais, como consumo de drogas.
“A gente sempre tem dito que melhor ter liberal lá dentro [do governo] do que não ter. Mas liberalismo tem que ser por inteiro.  Se você é um liberal só a economia e não no resto, você é um conservador”, afirma Fuchs.
O Tapa da Mão Invisível é parte de uma pequena família de podcasts liberais, que inclui iniciativas semelhantes do Instituto Mises Brasil e do grupo Livres, por exemplo.
Em breve, o podcast deve ser também transmitido  pelo YouTube, onde se juntará a alguns canais liberais já consagrados, como o Ideias Radicais, um fenômeno de audiência.
Quanto ao combate ao coronavírus, Fuchs concorda que é normal, neste momento, governos mobilizarem todos os esforços.
Mas diz que a crise mostra a imperfeição dos modelos que ele chama de “intervencionistas”, ou seja, com a presença pesada do Estado.
“Essa noção de que os ungidos lá de cima vão decidir o que é melhor para sociedade é um fracasso retumbante. É um sistema de hospitais públicos, funcionalismo com salários elevados, desperdício, engessamento.”
O modelo que ele advoga é de foco total na iniciativa privada, que proveria 100% dos serviços não apenas na saúde, mas em todas as funções de Estado.
Por enquanto, diz ele, as ambições são mais modestas. “Se tivermos 10% da população defendendo com força o liberalismo, já é suficiente para termos massa crítica para mudar muita coisa”, diz.
“Sou contra o Estado, mas sou gradualista”, completa.

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