Demora de governos contribui para aumento no número de mortos e de prejuízos econômicos causados pelo coronavírus, diz professor
SÃO PAULO
A cada dia que demoram para adotar uma ampla testagem de suas populações combinada com quarentenas para os infectados, governos contribuem para aumentar a conta de mortos e os prejuízos econômicos causados pela Covid-19.
O alerta é de Martin Eichenbaum, professor da Universidade Northwestern e coautor de dois dos estudos sobre economia e coronavírus mais citados por outros pesquisadores até agora.
Seu trabalho mais recente indica que, se essas medidas tivessem sido adotadas logo no início da epidemia nos Estados Unidos, o país ficaria próximo de evitar uma recessão neste ano.
Segundo o pesquisador, a demora do Brasil em adotar um plano claro de ação também vai gerar perdas que poderiam ser evitadas.
“Os modelos mostram que, quando você ataca o problema cedo, as consequências são menores. Uma vez que a infecção ganha velocidade, a matemática é brutal”, diz.
Como a economia pode contribuir para a busca de políticas ideais no contexto da Covid-19? Os modelos epidemiológicos são muito interessantes e úteis, mas muito mecânicos. Não capturam a interação entre a economia e o desenvolvimento das doenças. Se sou um consumidor ou trabalhador e sei que há pessoas infectadas no supermercado ou no ambiente de trabalho, não vou querer estar lá. É uma reação normal.
Não quero soar negativo sobre os modelos epidemiológicos. Tenho muito respeito pelo que fazem. Mas acho que, se estamos falando sobre quão ruim será o cenário de uma infecção, e como os responsáveis por políticas podem intervir, temos de usar o que eles sabem em combinação com a reação das pessoas.
Algumas estimativas iniciais apontaram que teríamos cerca de um milhão de mortes nos Estados Unidos. Isso poderia ser verdade, mas apenas se as pessoas continuassem se comportando como sempre fazem. Mas, obviamente, elas não continuaram.
Por isso, essas estimativas se mostraram equivocadas? Exatamente. No nosso primeiro estudo, mostramos que, se o governo não fizesse nada, teríamos uma grande recessão. Afinal, as pessoas comprarão menos, consumirão menos, sairão menos. Então, é normal nos perguntarmos: bem, se as pessoas reagem assim, por que o governo precisa intervir?
Mas também é necessário ter cuidado com essa análise.
Quando sei que há muita infecção lá fora, posso pensar que, se sair para o shopping ou para trabalhar, não estarei contribuindo com ela. Afinal, sou só uma pessoa. Mas se todos pensarmos assim, teremos
mais saídas para compras e trabalho do que gostaríamos.
mais saídas para compras e trabalho do que gostaríamos.
Então, teremos uma recessão, mas ela não será tão grande assim. Não conseguiremos, porém, conter a propagação da doença.
Isso nos coloca em uma situação muito difícil porque não importa o nível da recessão que teremos naturalmente; os governos precisam, inicialmente, torná-las piores.
Temos um “trade-off” [termo que significa escolher uma coisa em detrimento da outra] entre resultados da saúde e da economia. Então, a questão é: o que podemos fazer para melhorar esse “trade-off”?
Encontrar o que vocês chamam em economia de política ótima? Sim, queremos encontrar formas interessantes de conseguir bons resultados de saúde sem uma recessão severa. Vou te dar um exemplo econômico. Se o governo disser que todos têm de ficar em casa: fechamos a economia, você não pode sair de casa. Teremos uma taxa baixa de infecções, mas o custo econômico será uma catástrofe.
Então a questão é: como podemos ter ideias melhores? Foi daí que viemos, em nosso estudo, com o conceito de contenção inteligente.
Esse conceito é introduzido no segundo trabalho de vocês. Ele representou uma evolução em relação ao primeiro ou os focos são diferentes? No primeiro estudo, nossa contribuição foi indicar que precisávamos de uma recessão para lidar com o problema de saúde.
No segundo, tentamos mostrar: considerando que isso seja verdade, como podemos agir de forma mais inteligente?
No primeiro trabalho, vocês indicam a importância de medidas severas de isolamento. A conclusão do segundo difere disso? Bem, o segundo diz que podemos fazer isso melhor se conseguirmos testar as pessoas e colocá-las em quarentena. No primeiro, mostramos que, se não tivermos escolha, teremos de fazer um isolamento massivo. No segundo, mostramos: olha, temos um caminho melhor.
Nos EUA, o governo, até agora, gastou US$ 2 trilhões ajudando desempregados. O banco central gastou mais de US$ 3,5 trilhões ajudando a indústria financeira.
Vamos supor que testagens massivas e quarentenas custem US$ 500 bilhões. Teríamos virtualmente nenhuma recessão. Então, o segundo estudo mostra que o custo de testagens massivas e quarentenas é baixo se considerarmos seu alto nível de retorno social comparado com o tipo de recessão que precisaríamos ter se não tivéssemos testes e quarentenas.
Os custos que o sr. mencionou com desempregados e o sistema financeiro seriam menores com testagem em massa e quarentenas? A recessão seria muito menor. Portanto, o governo não precisaria gastar todo o dinheiro que está gastando em outras frentes.
Quanto menor? Se você adotasse essas políticas muito cedo, seria uma recessão muito pequena. Estimativas indicam que o desemprego vai chegar a 25% nos EUA. Em um mundo em que tivéssemos começado a tempo, teríamos, basicamente, um aumento muito pequeno no desemprego.
Países como EUA e Brasil, que ainda não estão fazendo testes em larga escala, perderam a oportunidade desses ganhos? Sim. Mas o quanto antes começarmos, melhor. Comparando com o que estamos fazendo agora, começar testagem e quarentenas ainda economizaria dinheiro. Cada dia que esperamos é pior porque temos de colocar mais pessoas em quarentena. No início do contágio, não há tantos infectados, então a necessidade de quarentena é menor.
Outros trabalhos chegam a conclusões parecidas. Está surgindo um consenso? Acho que sim. Não temos consenso de 100%, mas ele é crescente. Paul Romer, vencedor do Nobel de Economia em 2018, tem defendido essa ideia. Daron Acemoglu, economista muito famoso do MIT [Massachusetts Institute of Technology], tem um estudo que diz: precisamos de quarentena e de um foco muito grande para isolar os idosos.
Sabemos que os mais vulneráveis à doença são os idosos. Então, queremos testar massivamente e colocar em quarentena jovens doentes e prestar muita atenção aos idosos. Israel tem taxas de infecção altas, mas fizeram um trabalho tão bom com os idosos que a mortalidade é muito baixa.
No estudo, vocês assumem que todos deveriam ser testados ou só quem desenvolvem sintomas? Na realidade, muitas pessoas não exibem sintomas, mas estão infectadas. Portanto, se você quiser que eu vá trabalhar, ir a restaurantes e pegar voos, preciso ter muita certeza de que a pessoa ao meu lado não está infectada. Para ter essa certeza, precisamos testar todos.
Isso é viável? Nunca teremos perfeição. Mas não queremos que a perfeição seja o inimigo do bom.
Que países caminham para essa política ideal? Sabe como está o Brasil? Em um site que mostra a quantidade de testes que os países têm feito por milhão de pessoas. Os EUA estão perto de 40 mil testes por um milhão de habitantes. O Brasil fez pouco mais de 3 mil testes por milhão. Ambos são números baixos. A Bélgica fez mais de 60 mil testes por milhão. Portugal, 62 mil. Os Emirados Árabes Unidos, mais de 160 mil. Então, há diferenças enormes entre países.
Há uma grande correlação entre o número de testes e quarentenas e o impacto sobre a atividade econômica. Então, claramente, o Brasil está atrás da curva. Mas tem diferentes formas de se proteger. Há os testes, a proteção aos idosos, o uso de máscaras.
O Brasil trocou de ministro de Saúde duas vezes durante a pandemia. Isso não é bom.
Essa instabilidade atrasa a adoção de uma política clara no combate ao coronavírus. O quão crucial é ter isso? sso é crítico. Todos os modelos epidemiológicos mostram que, quando você ataca o problema cedo, as consequências são menores. Uma vez que a infecção ganha velocidade, a matemática é brutal.
RAIO-X
Martin Eichen-baum, 65
Professor de economia e codiretor do Centro de Economia Internacional da Universidade Northwestern, é também diretor do Banco de Montréal (instituição privada canadense) e coeditor do relatório anual de macroeconomia do NBER. Entre 2011 e 2015, foi um dos editores da American Economic Review, um dos periódicos internacionais mais respeitados da área
Professor de economia e codiretor do Centro de Economia Internacional da Universidade Northwestern, é também diretor do Banco de Montréal (instituição privada canadense) e coeditor do relatório anual de macroeconomia do NBER. Entre 2011 e 2015, foi um dos editores da American Economic Review, um dos periódicos internacionais mais respeitados da área
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