O ineditismo do novo coronavírus fez dele um germe completamente desconhecido para o sistema imune das pessoas. Nenhum de nós dispunha de proteção contra este agente infeccioso - como escrevi no artigo “Em solo virgem” (de 19 de março). Com o andar da pandemia, a retomada do assunto é importante. Sem uma barreira formada por pessoas imunes, é fácil que um vírus se propague livremente e, como resultado, seja instaurada a pandemia. Este é o caso atual com o Sars-CoV-2, o novo coronavírus, causador da Covid-19.
À medida em que as pessoas se infectam pelo novo coronavírus, desenvolvem algum grau de resistência: a chamada resposta imune. Os anticorpos produzidos pelo organismo de cada um exposto ao vírus servem como obstáculo à disseminação desse mesmo vírus dentro de uma população. Quando a porcentagem de pessoas “imunizadas” aumenta, o “rebanho” - isto é, a população - acumula barreiras cada vez maiores e, com isso, confere proteção àqueles que ainda poderiam ser infectados. A tal efeito chamamos “imunidade de rebanho”.
Esse nome, que carrega conotação um tanto pejorativa, parte de tradução pouco cuidadosa do termo inglês herd immunity. Imunidade comunitária, imunidade populacional ou imunidade social são outros nomes que, creio, expressariam melhor esse conceito.
É possível calcular a porcentagem necessária para atingir a imunidade de rebanho. Em vírus de transmissão respiratória, por exemplo, precisam estar protegidas 92% a 95% da população no caso do sarampo, 83% a 86% para a rubéola e 33% a 44% para a gripe, causada pelo vírus influenza.
Uma das maneiras para que se consiga atingir a imunidade de rebanho é o uso de vacinas. Sem que seja preciso pagar o alto preço das doenças causadas pelos vírus, as vacinas poderiam induzir a proteção necessária com a inoculação de vírus enfraquecidos ou mortos, incapazes de causar doença mas aptos a estimular a defesa do indivíduo. Assim, cumulativamente, é construída artificialmente a imunidade de rebanho.
Qual porcentagem de pessoas protegidas será necessária para que seja interrompida a transmissão do novo coronavírus? Ainda não sabemos e são várias as dificuldades para responder a essa pergunta.
Ainda não temos o teste ideal para dizer se uma pessoa está protegida. Embora muito se fale sobre os anticorpos protetores, é mais difícil detectá-los em pessoas que tiveram formas brandas da Covid-19 ou que tiveram infecção sem sintomas. Os testes atuais ainda têm problemas, com índices consideráveis de resultados falso-negativos - em outras palavras, os testes que dispomos agora ainda podem falhar em detectar anticorpos presentes em algumas o novo coronavírus. Os números são assustadoramente baixos: algumas regiões com 5%, outras com 10%, mas habitualmente não ultrapassam 20%. São porcentagens baixas, se comparadas àquelas descritas na imunidade de rebanho relacionada a outras viroses de transmissão respiratória. Mas por que isso ocorre com o novo coronavírus?
Uma das possíveis explicações está na acurácia dos testes, que precisa melhorar. Outro ponto é que, talvez, não seja apenas a presença de anticorpos que assegure se uma pessoa está protegida ou não: é possível que haja algum outro aspecto da resposta imune que confira proteção, mas que ainda não sabemos qual é.
É certo que há pessoas naturalmente resistentes ao novo coronavírus, quer apresentem resistência à infecção ou ao desenvolvimento da doença, a Covid-19. Um bom exemplo são as crianças: é raro encontrar uma criança doente, entretanto ainda não sabemos o que é capaz de protegê-las. Será que há mais pessoas na população que são naturalmente protegidas? O que, de especial, têm estas pessoas naturalmente protegidas?
Somente respondendo a estas questões chegaremos à compreensão do ciclo completo da onda pandêmica. Serão respostas fundamentais para o uso de uma vacina eficaz e, finalmente, para o possível controle da pandemia.
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