A fé hebraica supõe que a cada época existam no mundo 36 homens profundamente sábios e justos, que vivem uma vida santa (tzadzikim). Quando um se vai, surge outro. Acredito que Gilberto Dimenstein era um deles. Nunca perguntei, mas creio que ele também achava, ao menos nos sonhos juvenis.
Como jornalista, sua vida pode ser dividida em três fases, nas quais sempre exerceu grande influência entre seus contemporâneos.
Na primeira, nos anos 1980, Dimenstein foi o mais importante jornalista investigativo de sua geração, revelando esquemas de corrupção encastelados no governo federal e no Congresso.
Na Sucursal da Folha em Brasília, apurou e escreveu reportagens bombásticas que marcaram aquele tempo, das quais cito a série sobre os “anões do orçamento” (conluio de agentes públicos com empreiteiras, semelhante ao que depois seria revelado pela Lava Jato) e a revelação dos locais secretos onde o Exército brasileiro queria testar a bomba atômica tupiniquim.
As Forças Armadas sempre negaram, peremptoriamente, o projeto; até que o presidente Fernando Collor foi à Serra do Cachimbo, no Pará, e apresentou ao mundo as construções, ao assinar acordos que tiraram o Brasil da corrida nuclear.
Os poços destinados aos testes estavam lá, exatamente onde Dimenstein afirmou que estavam. Como essa, foram inúmeras as revelações, negativas e depois comprovações de suas reportagens investigativas.
Gilberto foi naquele momento o verdadeiro “caçador de marajás” do Brasil, e assim ganhou importantes prêmios brasileiros e estrangeiros para o jornalismo investigativo.
Mas no início dos anos 1990 ele teve uma espécie de revelação, que iniciou sua segunda “dentição” jornalística: o repórter investigativo produzia denúncias que se esgotavam em si, não criavam um ciclo virtuoso, não melhoravam o mundo, como entendia ser sua missão.
Com uma bolsa de estudos, mudou-se para Nova York, onde se preparou para exercer um jornalismo de impacto social, com o qual viria a inspirar instituições e políticas públicas de redução da desigualdade social.
Isso o tornou um brasileiro influente em todo o planeta, como poucos em seu país talvez soubessem. Foi assim apresentado pelo presidente americano, George Bush, como um modelo a ser seguido por centenas de líderes de projetos sociais nos EUA.
Já no século 21, implementou a terceira fase de sua vida, a do jornalista empreendedor.
Dimenstein viu na mídia digital a possibilidade de estabelecer um veículo próprio, com os mesmos público e influência que tinha antes. Aproveitou uma discussão da época (sobre passe livre nos ônibus) e criou o Catraca Livre, que logo passou a ter grande audiência.
Muito antes dos jovens descobrirem que andar de carro é coisa de velhos, como ocorreu nos anos 2010, Gilberto caminhava quilometragens inacreditáveis pela cidade.
Com isso, conhecia o tecido urbano como poucos, enquanto criava planos. Dizia ter “déficit” de atenção mas parecia mais um caso de “superávit de ideias” para as quais não reivindicava paternidade: não precisava ter sua assinatura, desde que frutificasse.
As administrações públicas devem a ele inúmeros projetos, que criou ou melhorou, como os CEUs paulistanos, e políticas públicas, como a que ele denominava “a cidade como escola”.
O sábio Dimenstein se foi. Se o Senhor for generoso com este povo, há de destacar o próximo para ajudar a tirar o Brasil da crise.
Nenhum comentário:
Postar um comentário