domingo, 31 de maio de 2020

THE NEW YORK TIMES O que aconteceu nos caóticos momentos antes de George Floyd ser morto, FSP

Floyd trabalhou como segurança na mesma boate em que policial acusado de matá-lo atuou

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Matt FurberAudra D. S. BurchFrances Robles
MINNEAPOLIS | THE NEW YORK TIMES

Um deles era um veterano do Departamento de Polícia de Minneapolis que nas horas de folga fazia bico como segurança. O outro fazia a vigilância de uma loja do Exército da Salvação e passava algumas noites em boates trabalhando como leão de chácara.

No ano anterior ao encontro fatal, George Floyd, 46, e o policial agora acusado de matá-lo, Derek Chauvin, 44, trabalharam na mesma boate latina em Minneapolis, como parte da equipe responsável por manter sob controle os clientes arruaceiros.

Seus caminhos se cruzaram pela última vez na última segunda-feira (25), diante de uma loja de esquina conhecida como o melhor lugar na cidade para encontrar cigarros mentolados.

Imagem retirada de vídeo mostra policial com joelho sobre pescoço de George Floyd
Imagem retirada de vídeo mostra policial com joelho sobre pescoço de George Floyd - Darnella Frazier - 25.mai.20 via AFP

Uma hora depois, Floyd estava morto, com suas últimas súplicas e estertores captados em um vídeo terrivelmente realista.

Em um ato que provocou protestos em cidades de todo o país, Chauvin se ajoelhou sobre Floyd atrás de um carro de polícia, diante da loja.

Durante oito minutos e 46 segundos, de acordo com a denúncia criminal feita na sexta-feira (29) pelo promotor público distrital do condado de Hennepin, o policial pressionou seu joelho sobre o pescoço de Floyd em silêncio, olhando para o chão enquanto seu prisioneiro soluçava, dizendo várias vezes que não conseguia respirar.

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Pessoas próximas agitaram seus celulares, xingaram e pediram ajuda. Ainda assim, durante dois minutos e 53 segundos depois que Floyd parou de protestar e ficou imóvel, o policial continuou ajoelhado.

O caso entrou para uma já conhecida história de violência policial nos últimos anos, em que homens afro-americanos morreram em confrontos por motivos extremamente banais: Eric Garner, depois de ser detido em 2014 em Nova York por vender cigarros sem selos; Michael Brown, em um encontro com a polícia no mesmo ano em Ferguson, Missouri, por andar pela rua em vez de usar a calçada.

O caso de Floyd começou com o relato de uma nota falsa de US$ 20 que, segundo um lojista, ele tentou passar ao comprar cigarros.

"Ele morreu à toa —algo sobre uma nota falsa—, por nada", disse Jason Polk, 53, motorista de ônibus público e um dos vários moradores do sul de Minneapolis que manifestaram revolta diante do caso.

Com Chauvin preso e acusado formalmente de homicídio culposo, os promotores agora devem tentar entender o que aconteceu nos momentos caóticos antes que Floyd fosse levado ao Centro Médico do Condado de Hennepin e declarado morto, às 21h25.

Relatos de testemunhas, vídeos de celulares e de câmeras de vigilância e documentos da acusação divulgados na sexta falam muito sobre a história de como ocorreu a detenção supostamente forjada.

Floyd foi um astro do basquete e de futebol americano no colégio. Mudou-se para Minneapolis há cerca de cinco anos. Quando voltou a Houston para o enterro de sua mãe, há dois anos, disse a um primo que já se sentia em casa em Minneapolis.

"Ele era um cara feliz, gostava de estar cercado de gente, adorava dançar e adorava Minneapolis", disse Jovanni Thunstrom, dono do Conga Latin Bistro, onde Floyd fazia a segurança nas noites de salsa. "Ele chegava todos os dias com um sorriso no rosto."

Foi em outro clube, o El Nuevo Rodeo, no entanto, que Floyd e Chauvin trabalharam juntos. Maya Santamaria, que vendeu o local em janeiro, disse que achava que os dois não se relacionavam.

Floyd trabalhava às vezes durante a semana, disse ela, enquanto Chauvin havia feito a segurança da casa nos fins de semana nos últimos 17 anos.

Durante as agitadas "noites urbanas", quando o clube atrai um público basicamente afro-americano, Chauvin era às vezes abertamente agressivo com os clientes, chegando a usar spray de pimenta, segundo Santamaria.

O encontro fatal começou pouco antes das 20h, quando Floyd entrou na Cup Foods, uma loja de bairro dirigida por quatro irmãos, e um balconista afirmou que ele tinha pago os cigarros com uma nota falsa de US$ 20. A polícia recebeu um telefonema da loja às 20h01.

"Alguém entra na loja e nos dá notas falsas. Percebemos antes que ele saia da loja", disse o atendente, segundo uma transcrição divulgada pelas autoridades. "Nós corremos de volta para dentro, eles ficaram sentados no carro."

O vendedor pediu os cigarros de volta. "Mas ele não queria, e estava sentado sobre o carro porque estava terrivelmente bêbado e não se controlava", disse o lojista, segundo transcrição do telefonema à polícia. "Ele não se comportava direito."

O interlocutor pediu uma descrição, e o queixoso descreveu o homem como alto, calvo, cerca de 1,80 metro. "Ele é branco, negro, nativo, hispânico, asiático?" "Algo desse tipo", respondeu o vendedor. "Qual deles? Branco, negro, nativo, hispânico, asiático?" "Não, é um preto", disse o outro.

Pouco depois, Angel Stately, uma cliente habitual e ex-empregada da loja, chegou ao local à procura de cigarros mentolados. A polícia já estava do lado de fora.

Stately disse que o vendedor, um adolescente, sentia-se mal; ele tinha chamado a polícia, segundo o rapaz lhe contou, porque era o protocolo do local.

O vendedor mostrou a ela uma nota dobrada. Era uma falsificação evidente, disse a mulher. "A tinta ainda estava fresca."

Stately disse que viu um policial se aproximar de Floyd, com a mão na arma pendurada da cintura.

Os documentos de acusação dizem que os policiais encontraram Floyd em um carro azul estacionado, com dois passageiros. Logo chegaram unidades da polícia, e os policiais tentaram colocar Floyd em um dos veículos. Mas ele resistiu.

"O senhor Floyd não entrou no carro voluntariamente e lutou com os policiais, caindo de propósito, dizendo que não ia entrar no carro e se recusando a ficar de pé", segundo o documento de acusação.

Mesmo antes que ele fosse colocado no chão embaixo do joelho de Chauvin, segundo o relato da promotoria, enquanto estava de pé fora do carro, Floyd começou a dizer repetidamente que não conseguia respirar.

Chauvin tentou colocá-lo dentro do carro de polícia com a ajuda do policial J. A. Kueng.

Às 21h19, Chauvin puxou Floyd para fora do carro de patrulha pelo lado do passageiro. Floyd bateu no chão, de rosto para baixo, ainda algemado. Kueng segurou as costas de Floyd enquanto o policial Thomas Lane segurava suas pernas.

Chauvin posicionou seu joelho esquerdo na "região da cabeça e do pescoço do senhor Floyd", dizem os documentos, e Floyd continuou protestando repetidamente: "Não consigo respirar".

Ele chamou por sua mãe. Disse: "Por favor". Um dos policiais desprezou suas súplicas. "Você está falando direito", disse o policial, segundo os documentos da acusação.

Pelo menos um policial ficou preocupado: Lane perguntou se eles não deveriam rolar o corpo de Floyd sobre o lado. "Não, vamos deixá-lo onde está", respondeu Chauvin.

"Estou preocupado com um delírio agitado ou alguma coisa", disse Lane. "É por isso que o deixamos de barriga para baixo", respondeu Chauvin. Às 20h24, Floyd parou de se mexer.

Kueng segurou o pulso direito de Floyd. "Não encontrei batimentos", disse ele. Mas nenhum dos policiais se mexeu.

Às 20h27, oito minutos e 46 segundos depois que havia ajoelhado no pescoço de Floyd, Chauvin finalmente ergueu a perna.

O médico legista do condado registrou a hora da morte como 21h25.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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