SÃO PAULO e BRASÍLIA
O Brasil rompeu nesta terça (19) a marca simbólica de mais de mil mortes diárias por Covid-19. O país registrou 1.179 novos óbitos nas últimas 24 horas, segundo o Ministério da Saúde. Ao todo, são 17.971 óbitos por coronavírus e 271.628 casos confirmados.
O recorde até então era de 881 mortes registradas em um dia, no dia 12 de maio.
Neste momento é possível afirmar que o novo coronavírus é a maior causa de mortalidade hoje no Brasil, superando o conjunto de todas as doenças cardiovasculares, como infartos e AVCs, que matam 980 brasileiros por dia.
Também ficaram para trás as mortes diárias por câncer (624) e aquelas por causas externas, como acidentes e violência (424). Os números se referem a dados de 2018, os mais recentes no DataSUS, plataforma do Ministério da Saúde.
No mundo, EUA, Reino Unido e França também registraram mais de mil mortes por coronavírus por dia, segundo dados da Universidade Johns Hopkins. Os EUA levaram 70 dias desde o primeiro caso confirmado para atingir a marca, o Reino Unido, 68 dias, a França, 69, e o Brasil, 83 dias.
Esses países, porém, já vivem uma desaceleração da pandemia —ontem, por exemplo, os EUA registraram 785 novas mortes. O recorde no país foi de 2.612 mortes em 29 de abril, também segundo a Johns Hopkins.
Também nesta terça (19), São Paulo ultrapassou a marca de 5.000 mortes desde o início da pandemia, com um total de 5.147 vítimas. O estado mais populoso do país tem agora 65.995 casos confirmados do novo coronavírus
O Rio de Janeiro já registrou 3.709 óbitos ao todo. Na sequência, em relação ao número de mortes aparecem Ceará (1.856), Pernambuco (1.741) e Amazonas (1.519)
O Ceará ultrapassou o Rio e agora é o segundo estado com o maior número de casos registrados. As duas unidades da federação têm agora, respectivamente, 28.112 e 27.805 casos confirmados da Covid-19.
Na sequência vêm Amazonas, com 22.132, casos e Pernambuco, com 21.242.
O boletim do Ministério da Saúde também aponta que 106.794 pessoas se recuperaram da Covid-19, o que representa 39,3% do total de infectados.
No dia em que o Brasil ultrapassou a marca de mil mortes em 24h, em decorrência da Covid-19. o Ministério da Saúde escalou para sua tradicional entrevista coletiva no Palácio do Planalto profissionais para falar apenas sobre uma campanha de doação de leite materno e de um serviço de teleatendimento psicológico e psiquiátrico para profissionais da saúde que atuam no combate ao coronavírus.
O total de mortes diário causado pela pandemia no país também é muito maior do que o de grandes tragédias da história recente do país. Em 25 de janeiro de 2019, centenas de pessoas foram atingidas pela lama após o rompimento de uma barragem da mineradora Vale em Brumadinho, que resultou em 259 mortos e 11 desaparecidos.
Outros acidentes marcantes foram o do voo 3054 da aérea Tam (hoje Latam), que matou 199 pessoas em São Paulo, em 2007. Em 2013, um incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), matou 254 pessoas. Numa matemática macabra, as três tragédias somadas dão um total de mortos ainda menor do que a atual perda diária para a Covid-19.
Uma grande catástrofe que praticamente equivale a um dia de pandemia no país foi aquela provocada por chuvas e deslizamentos na região serrana do Rio de Janeiro em janeiro de 2011. Mais de 900 pessoas morreram e milhares ficaram desabrigadas.
A pandemia de Covid-19 caminha a passos largos para entrar no tétrico ranking de maiores epidemias não só no mundo mas também no Brasil, onde já acumula mais de 17.971 mil mortes.
Talvez a maior e mais difícil de mensurar seja a mortandade por varíola e outras doenças trazidas pelos europeus ao continente americano. Estima-se que 90% da população nativa tenha morrido —isso no Brasil pode significar algo na ordem de 9 milhões de vidas.
A varíola continuou assustando a população, com surtos que chegaram até o começo do século 20. Só no Rio de Janeiro, em 1904, morreram 3.500 pessoas. A doença, desfigurante e letal em cerca de 30% dos casos, foi considerada erradicada no país em 1977.
Uma outra doença transmitida por via aérea e que devastou o Brasil e o mundo foi a gripe espanhola, causada pelo vírus H1N1, logo após a Primeira Guerra Mundial. No mundo, o total de mortos pode superar os 50 milhões; no país, calcula-se que 35 mil morreram.
Menos intensa, mas relevante até os dias de hoje, a febre amarela matou 55 mil pessoas entre meados do século 19 e início do século 20, conta André Mota, historiador e professor da Faculdade de Medicina da USP.
Na história brasileira, lembra o professor, também houve surtos de doenças como poliomielite, que só foi controlada após a chegada de vacinas, em meados do século passado, e meningite, que até hoje faz vítimas, apesar da proteção conferida pela imunização. Ambas as doenças mataram milhares de pessoas.
No Ceará, na década de 30, milhares de pessoas morreram em campos de concentração. Migrantes que rumavam para Fortaleza eram direcionados a esses locais após promessa de trabalho e alimento, mas muitos morreram de fome e de doenças como cólera. Hoje em dia acontece a Caminhada das Almas todo mês de novembro em memória dessas pessoas.
“Um fenômeno pandêmico traz a urgência e a necessidade de esforços conjuntos de diversas áreas de atuação médica e sanitária. Isso exige mudanças que devem afetar certos protocolos e exige monitoramento constante. Há que se ter as informações sobre esse andamento de cada área hospitalar e de saúde. Não acredito que seja um abandono das outras doenças, até porque seria um equívoco. É a gravidade da situação que impera no momento. É uma preocupação importante, mas que exige raciocínio clínico e sanitário complexo”, afirma Mota.
Airton Stein, professor de saúde pública da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre), explica que a pandemia tem efeitos intrincados na saúde da população. Pessoas com estágios iniciais de AVC podem deixar de procurar atendimento, e os hipertensos, que somam cerca de 30% da população brasileira, deixam de descobrir a doença e tem o risco de morte —inclusive por Covid-19— aumentado.
O mesmo raciocínio pode valer para outras condições crônicas, como diabetes. A telemedicina até o momento não supriu as carências do sistema de saúde, que, em sua avaliação, sofre com a falta de financiamento. Integram e sobrecarregam esse panorama o sedentarismo, a dieta inadequada e o déficit na saúde mental, com aumento de ansiedade e depressão.
“Para lidar com a pandemia, além de higiene e etiqueta respiratória, é preciso de um serviço de atenção primária à saúde efetivo, além do trabalho de médicos intensivistas. A Covid-19 é identificada como respiratória, mas tem impacto em vários sistemas, como o gastrintestinal. Sua história natural ainda está sendo conhecida”, diz Stein.
Para o professor, há o risco de a situação de doenças negligenciadas e epidemiologicamente relevantes, como malária, doença de Chagas e tuberculose, se agravar neste período. “São doenças que requerem monitoramento e um manejo específico, e adesão ao tratamento.”
Colaborou Phillippe Watanabe
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