segunda-feira, 25 de maio de 2020

No setor de cana, crise afeta mais usina que só produz etanol, FSP

RIBEIRÃO PRETO
A pandemia do novo coronavírus fez a venda de etanol despencar nas usinas do centro-sul, e muitas passaram a produzir mais açúcar, em vez do combustível derivado da cana, numa safra que começa muito afetada pela Covid-19.
No setor, que é altamente mecanizado, o protocolo sanitário devido à doença envolve cuidados desde o transporte até o refeitório, passando por esterilização de equipamentos, desinfecção de máquinas em trocas de turnos e de ambientes e redução na capacidade de passageiros nos ônibus.
Só que, se medidas de saúde foram tomadas, faltam medidas econômicas, segundo o setor. Das 213 unidades que entraram em operação até a primeira quinzena do mês, conforme a consultoria Datagro, cerca de 80 são apenas destilarias, ou seja, produzem só etanol e estão vendendo a preços inferiores ao de custo. O cenário geral fez a Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar) procurar ajuda federal.
Sem a pandemia, o ano seria de bons preços para açúcar e previsão de demanda recorde para o etanol, segundo o presidente da Unica, Evandro Gussi. E agora? “Impossível saber. Quem disser que sabe está mentindo”, afirmou.
Os preços do etanol despencaram desde março. O litro do hidratado —vendido diretamente nas bombas— ao produtor estava cotado a R$ 2,16, sem impostos, e chegou a cair para R$ 1,28 no intervalo de 30 dias. Na semana passada, estava em R$ 1,43.
O etanol é o produto que gera capital de giro para as usinas iniciarem a safra, período em que mais têm gastos.
“Como elas não têm a flexibilidade para fazer açúcar, ficam expostas a esse choque duplo que é queda de preço e de consumo. Aí, quando olha o setor agropecuário como um todo, talvez seja o único afetado. Porque a soja, embora o preço em dólares tenha caído, por causa da desvalorização do real estamos vendo preços perto de R$ 110 a saca. O milho, em Campinas, está em R$ 47, excelente também. A arroba do boi gordo, que já chegou a R$ 220, está se mantendo em R$ 200”, disse Plinio Nastari, presidente da Datagro.
Gussi disse que o cenário é assustador. “No ano em que a gente esperava uma safra entre as maiores, vemos uma retração da demanda, acompanhada de redução tão drástica do preço da gasolina. Isso é muito preocupante”, disse. Segundo ele, além da pandemia, a disputa entre árabes e russos em razão da produção de petróleo fez a gasolina despencar, prejudicando o etanol.
O setor pediu um programa para financiamento de estoques, além de reequilíbrio na Cide (Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico), incidente na gasolina. Mas o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou que não iria aumentá-la, o que gerou frustração.
“É cada dia mais preocupante o que acontece nas usinas. É matemático: estão vendendo etanol abaixo do custo de produção e muito menos do que se esperava vender.”
Já o açúcar, apesar da queda em dólares em sua cotação, foi beneficiado pela desvalorização do real. Do total de cana processada nas usinas em abril, 45,76% viraram açúcar. Em 2019, no mesmo período, o índice era de 30,87%.
“Fabricar álcool significa deixar no tanque a produção e imobilizar capital de giro, no momento que tem maior demanda de capital de giro no setor. Para evitar isso, o produtor pode e está fazendo açúcar, já que o preço se mantém, devido ao dólar”, disse Nastari.
Um alento para o setor é que, com a alta recente nos preços do petróleo, a Petrobras passou a reajustar a gasolina. Em três semanas, o preço acumula alta de 38% nas refinarias. Com isso, o etanol recupera parte da competitividade perdida.

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