Como ferramenta pedagógica, dissertação depende de feedback do professor para o aluno
Alguns leitores escreveram para criticar minha proposta de eliminar a redação do Enem a fim de criar espaço para postergar em mais uns dois meses a prova deste ano. Para os missivistas, fazê-lo equivaleria a decretar a morte da escrita.
Calma, pessoal. Defendi a supressão apenas no teste de 2020 —embora ache mesmo que a dissertação é sempre contraproducente em megaexames como o Enem. Até por extrair meu ganha-pão da escrita, sou um entusiasta de seu cultivo. No plano pessoal, a proposta que fiz vai contra meus interesses, já que tenho dois filhos adolescentes que farão o Enem neste ano e a redação é uma prova na qual eles tendem a sair-se bem.
A questão central é que tirar a dissertação de um teste não significa eliminá-la do sistema de ensino, que oferece inúmeras oportunidades de avaliação nas quais ela cai muito bem. Basicamente, mesmo que um aluno conseguisse entrar na faculdade sem saber escrever, jamais deveria sair dela, isto é, graduar-se, se não for capaz de transmitir ideias mais ou menos complexas de forma razoavelmente compreensível. A rigor, nem deveria ter-se formado no ensino médio sem essa competência.
Na verdade, a redação só atinge todo o seu potencial como ferramenta pedagógica quando há a oportunidade de intercâmbios, isto é, quando o estudante recebe do professor um feedback sobre seus escritos e orientações de como melhorá-los. No Enem, nada disso acontece. A dissertação acaba se transformando numa ocasião em que o candidato tenta exibir-se para os corretores, não raro amontoando chavões e citações de filósofos da moda que ele acha que pegarão bem.
Se a prova ainda agregasse aos testes objetivos informações relevantes sobre o candidato, precisaríamos mantê-la. Não sendo este o caso —a correlação entre os dois é bem elevada—, ela se torna apenas uma fonte de atrasos, aleatoriedades e custos.
Viva a redação, mas fora do Enem.
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