Resende falhou ao tentar conter a inflação; agora, talvez seja bem-sucedido em criar híper
Todos os dias tropeço em receituário contraprodutivo para políticas econômicas na mídia. Já não me surpreendo que especialistas proponham mais disparates que leigos.
É costumeiro o pensamento de primeira ordem, que desconsidera custos de oportunidade e efeitos de segunda ou terceira ordem. O curto prazo domina, o consumo imediato é enaltecido, a poupança, desacreditada, o empreendedor, espezinhado, o governo, idealizado. A falta de responsabilização dos idealizadores de políticas incentiva o descuido com o futuro, que se materializa em “consequências não previstas”.
Parte do problema deriva das dificuldades inerentes à ciência econômica, que, em contraposição às ciências naturais, não se ajusta facilmente a experimentos controlados, com variáveis isoladas e a possibilidade de reproduções e repetições.
O ser humano teima em ser uma “constante” rebelde, temperamental, que muda de opinião e desrespeita relações de transitividade. Inexiste o Homo economicus com racionalidade perfeita, como demonstrou Daniel Kahneman em seu livro “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar”.
O artigo de André Lara Resende na Ilustríssima de domingo passado (17) é uma dessas tentativas de retrocesso científico. Propõe eliminar a separação entre política monetária, a cargo do Banco Central, e política fiscal, determinada pelo Congresso e pelo Executivo e tocada pelo Tesouro.
Resende propõe entregar aos políticos as chaves da máquina que cria dinheiro. É como voltar às origens do Banco Central, quando um banco privado com cotistas nobres topava financiar o rei em troca do lucrativo monopólio da moeda fiduciária nacional, um pacto mefistofélico que invariavelmente gerou inflação e desesperança.
A proposta populista de Resende não difere substancialmente do expediente que vigorava no Brasil na década de 1980, quando a conta movimento do Banco do Brasil promovia a mistura espúria entre a moeda nacional e o Tesouro, gerando superinflação crônica.
Simplificadamente, há três tipos de sistema: em um polo, a separação total entre nosso dinheiro e o Estado, um sistema com dinheiro privado. No outro, o sistema com dinheiro emitido por conta e ordem dos políticos para efetuar gastos imediatos virtualmente ilimitados, a ideia de Resende.
Entre esses polos, está o sistema atual, no qual o BC está impedido de emprestar diretamente ao governo (ou de monetizar seus déficits), mas cria dinheiro novo para os bancos, que, por sua, vez decidem se e quando disponibilizam esse dinheiro para o público por meio de empréstimos.
Nem o público e muito menos os políticos têm acesso ao dinheiro criado pelo Banco Central para os bancos. Não é o sistema ideal, mas é superior ao hiperinflacionário sistema de dinheiro criado por políticos.
Deixa a desejar a refutação de Resende sobre a natureza monetária da inflação. Sua evidência é que as volumosas reservas criadas pelo Fed durante a crise de 2008 não criaram inflação.
De fato, a base monetária americana subiu de US$ 850 bilhões para US$ 2 trilhões ao fim de 2010. No entanto, importa o dinheiro em circulação, por exemplo, o M2, que cresceu de US$ 8 trilhões a US$ 8,8 trilhões, nesse período de maior demanda por dinheiro (como agora, “cash is king”). A teoria monetária continua intacta.
Sempre heterodoxo, Resende tem suas impressões digitais nos dois mais fracassados planos econômicos de nossa história: o Plano Cruzado, de congelamento de preços, e o Plano Collor, de confisco da poupança dos brasileiros. Falhou ao tentar conter a inflação. Agora, talvez seja bem-sucedido em criar hiperinflação.
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