27 de maio de 2020 | 10h00
A cidade de Breves, na Ilha de Marajó, é proporcionalmente a cidade com mais casos do novo coronavírus no mundo. Incríveis 25% dos 100.000 habitantes já foram infectados. É isso que indica o resultado do primeiro inquérito sorológico feito em todo o País. E se Breves pode chegar a 25% de contaminados, nada impede que centenas de outras cidades, grandes ou pequenas, cheguem a esse nível de contágio. Em São Paulo, aproximadamente 3% da população já foi infectada, chegando a 5% em algumas regiões da cidade. Imagine o que vai custar ao Brasil como um todo o aumento dos atuais 1,3% (calculados pelo mesmo estudo) para 25%. São praticamente 20 vezes mais casos e mais mortes do que ocorreu até agora.
Estamos caminhando nessa direção em passos largos. Hoje, somos o país em que a pandemia cresce mais rápido no planeta. Temos o maior número de novos casos e mortes, com uma epidemia fora de controle. Nossa taxa de propagação (o famoso R) deve estar entre 1,1 e 1,3, o que implica em um aumento de um 10 a 30% nos casos a cada semana. Nas últimas semanas, superamos todos os países e já somos o segundo com mais casos (por volta de 390.000 casos oficiais), só atrás dos Estados Unidos.
Nossas 24.000 mortes só são superadas por países que já controlaram a pandemia, como a Itália, a Inglaterra e a França. Mesmo os EUA têm tido menos mortes por dia que o Brasil. E grande parte da culpa é de um deputado do baixo clero que chegou à presidência eleito pelo povo. Enquanto a maioria das autoridades estaduais e municipais tentam tomar medidas para conter o avanço do vírus, nosso presidente parece desejar sua propagação: combate o isolamento social, força ministros a seguir seus palpites no que toca o tratamento da doença e garante a manutenção da confusão na mente da população usando sua visibilidade nos meios de comunicação. Nesse ritmo, o Brasil será uma grande Breves em poucos meses. Sem uma coordenação federal, resta a cada governador e prefeito tentar fazer o que pode.
Nas últimas semanas, esse colunista, um cientista aposentado, sem formação médica, interessado em epidemiologia, tem recebido e-mails de diversos prefeitos de pequenas cidades perguntando o que devem fazer. Normalmente, respondo que devem seguir as orientações dos epidemiologistas, médicos e cientistas de seu estado. Muitos ficam frustrados. Mas, hoje pela manhã, resolvi responder sinceramente a um desses prefeitos que está com seu hospital colapsado pela chegada constante de novos casos. Então, pensei que talvez valha a pena publicar minha resposta. Aliás, não é minha, é a receita usada com pequenas variações pelos países que controlaram suas epidemias e estão abrindo suas economias.
Senhor prefeito, a primeira medida quando o sistema de saúde beira o colapso é decretar um lockdown rigoroso por duas ou três semanas (não essas medidas parciais de distanciamento que não têm um efeito suficiente para aliviar os hospitais, como está acontecendo em São Paulo). Em nenhum lugar do mundo essa medida rigorosa deixou de diminuir o número de casos graves radicalmente em três semanas.
Durante essas três semanas, senhor prefeito, o senhor deve organizar um sistema de testagem com as seguintes características. Todas as pessoas com qualquer tipo de sintoma devem ser identificadas, isoladas em casa e testadas quatro dias após o início dos sintomas (se for usar PCR) ou 10 dias (se for usar testes sorológicos de alta qualidade). Todos os contatos dessas pessoas também devem ser isolados. E esses contatos, se apresentarem sintomas na primeira semana, também devem ser isolados e testados. E assim por diante. Essa metodologia de isolar e testar só é possível de ser implementada se o número de novos casos por dia for pequeno, daí a importância do lockdown rigoroso para diminuir a quantidade de casos numa primeira fase.
Mas como saber se a quantidade de testes está sendo suficiente para detectar uma fração significante dos novos casos? Aí tem uma regrinha simples que independe do tamanho do município.
O senhor tem que testar um número suficiente de pessoas com sintomas iniciais para somente 5% dos testes serem positivos. Se mais de 5% forem positivos, provavelmente o senhor não está conseguindo detectar um número significante das novas infecções e não vai conseguir controlar a reabertura. Daí novamente a importância do lockdown inicial. Se ele não baixar violentamente a quantidade de casos, esquece, não haverá testes suficientes para implantar esse programa. Com esse sistema, sua Prefeitura vai poder estimar a quantidade de novos casos a cada dia, o que é uma maneira simplificada de medir a taxa de espalhamento do vírus. Os números diários devem ser tratados como uma média móvel de 5 dias e acompanhados dia a dia.
Pronto, com isso organizado, o senhor pode começar a abrir sua cidade lentamente, sempre acompanhando essa média móvel e sempre garantindo que não mais de 5% dos testes são positivos (para isso, a quantidade de testes aplicados todos os dias têm que ser ajustada semanalmente dependendo do número de casos detectados na semana anterior). Ao abrir uma atividade, o senhor pode observar que a média móvel está subindo, aí o senhor deve reduzir a abertura ou tentar abrir outra atividade, fechando a primeira. O que abrir ou manter fechado ainda é uma questão de tentativa e erro ditada pelo valor dessa média móvel e da quantidade de leitos livres. Mas, em alguns meses, vamos saber como a abertura de cada setor afeta o aparecimento de novos casos.
Medir a cada um ou dois meses a soroprevalência (usando um método semelhante ao usado no inquérito nacional) também ajuda a saber como caminha a prevalência na sua cidade. Se seu programa for um sucesso, a prevalência deve aumentar muito lentamente a ocupação de leitos deve continuar baixa e a economia será lentamente restabelecida.
O prefeito agradeceu dizendo que não tinha ideia que poderia ser tão simples. Essa receita é fácil de entender e relativamente fácil de aplicar em pequenas cidades. Tem a vantagem de poder ser administrada localmente. Aí, basta administrar esse sistema até a vacina chegar. A outra opção é deixar a população se contaminar livremente, as mortes saírem fora de controle e esperar que a doença se vá quando 60 a 70% da população já tiver contraído o vírus e 0,5 a 1% da população tiver falecido.
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