ANÁLISE – A estratégia revelada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante a reunião ministerial ocorrida em 22 de abril, mostrou-se, ao longo de um mês, fracassada.
“Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, disse Salles na reunião.
Diferente do que previra ao propor o despacho de medidas ‘em baciada’, Salles teve suas decisões questionadas pela imprensa, pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Justiça durante a pandemia.
Um mês depois da reunião ministerial, no último dia 21 uma decisão da Justiça Federal passou a obrigar órgãos do Ministério do Meio Ambiente a fiscalizar os dez pontos mais críticos da Amazônia – ou seja, a cumprir uma missão institucional.
A decisão de tutela antecipada foi dada pela juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe, da 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas, a pedido da força-tarefa Amazônia do Ministério Público Federal, e impõe pena de multa diária ao governo por descumprimento da obrigação.
Entre os motivos citados pela juíza para a decisão, está o atrelamento da ação de desmatadores à transmissão do coronavírus a comunidades remotas na Amazônia.
Ao citar a pandemia causada pela Covid-19 na reunião ministerial, no entanto, Salles não expressou qualquer preocupação do seu ministério para a contenção da doença. Pelo contrário, enxergou o momento como oportunidade para desregulamentação da proteção ambiental.
Embora a franqueza do ministro possa ter chocado uma grande parte do público-geral, tal esperteza não foi novidade alguma para quem acompanha a condução do Ministério do Meio Ambiente.
O ministro chegou a reconhecer na reunião que sua então recente decisão de “simplificação da lei da mata atlântica” – na prática, a anistia a desmatadores – já estava sendo questionada nos jornais. “Então pra isso nós temos que tá com a artilharia da AGU preparada”, disse.
Embora Salles estivesse respaldado por parecer da AGU, o Ministério Público Federal questionou a decisão, pediu à Justiça a anulação da anistia e recomendou a órgãos estaduais de fiscalização ambiental que não seguisse a orientação do ministério.
Em São Paulo, o governador João Doria disse a ambientalistas reunidos em seu conselho que a decisão de Salles não valeria no estado, que continuaria seguindo a legislação específica para a mata atlântica.
“Agora tem um monte de coisa que é só parecer, caneta, parecer, caneta. Sem parecer também não tem caneta, porque dar uma canetada sem parecer é cana”, havia dito Salles na reunião.
Mesmo sob a emergência de uma pandemia, a realidade democrática mostra que não basta parecer.
Na última semana, um decreto transferiu do Meio Ambiente para a Agricultura a competência de formular estratégias e programas para a gestão de florestas públicas. No dia seguinte, o PSOL propôs ao Congresso sustar os efeitos da medida, cujas brechas dariam margem para a legalização da grilagem.
A tentativa de legalização da grilagem foi, aliás, a maior e mais barulhenta derrota ambiental do governo durante a pandemia.
A proposta rachou a bancada ruralista ao passo em que conseguiu a desaprovação dos mais diversos atores da sociedade, para muito além do ambientalismo.
O texto foi alvo de contestação de senadores, do Ministério Público Federal, de empresas globais, de parlamentares europeus e de artistas como Caetano Veloso, Bruno Gagliasso e até Anitta, que fez lives com deputados e mobilizou suas redes sociais contra o projeto.
A perseguição a servidores também não passou despercebida. Este blog antecipou que o governo poderia exonerar dois coordenadores de fiscalização do Ibama após uma operação exitosa contra garimpo na Amazônia exibida pelo Fantástico.
As exonerações, publicadas no Diário Oficial na semana seguinte, não deixam margem para outra justificativa que não a retaliação, alertada em nota da Associação dos Servidores de Meio Ambiente (Ascema). O MPF, através de inquérito civil, investiga as circunstâncias das exonerações.
“O general Mourão tem feito aí os trabalhos preparatórios para que a gente possa entrar nesse assunto da Amazônia um pouco mais calçado”, havia dito Salles durante a reunião.
Não passou batido, no entanto, o nível superficial do calçamento, que subordinou o Ibama às Forças Armadas e resultou em uma operação ‘para inglês ver’, como a Folha revelou na reportagem “Exército ignora Ibama, mobiliza 97 agentes e faz vistoria sem punição“.
Salles também aproveitou a pandemia para fazer uma reforma administrativa no ICMBio, órgão responsável pela gestão das unidades de conservação no país.
A mudança exonerou gestores especializados e centralizou a administração das unidades de conservação através de cargos ocupados por militares. Como resultado imediato, o órgão obteve uma recomendação do MPF para que anulasse as exonerações. Um inquérito civil público investiga os prejuízos da medida para a conservação do mico-leão-dourado.
“Tudo que a gente faz é pau no Judiciário, no dia seguinte”, havia dito Salles na reunião de 22 de abril. Acertou na leitura. Errou ao esperar ser aliviado pela pandemia.
Talvez Salles tivesse mais sucesso na sua empreitada de desmonte das políticas ambientais se o Brasil ainda não tivesse conhecimento das suas intenções, que lhe renderam apelidos como “antiministro” e “ministro da destruição do meio ambiente” ao longo do ano passado, entre uma sequência de crises ambientais ora desdenhadas, ora mal administradas.
Apesar dos justificáveis pedidos de impeachment de Salles, que de forma flagrante trabalha contra os interesses da pasta que comanda, uma eventual troca do ministro não deve acompanhar mudança no projeto, desenhado ainda durante a campanha eleitoral de Bolsonaro.
Salles é competente na busca de cumprir o projeto do seu chefe. O que o atrapalha é que vivemos em uma democracia.
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