“A vida é cheia de problemas, e o cara ao morrer se livra deles todos. O insuportável é o sofrimento, a decrepitude. Até a palavra decrepitude é horrível”, me disse Sérgio Sant’Anna, dois anos atrás, em seu apartamento de Laranjeiras.
O escritor morreu no dia 10 de maio, aos 78 anos, sem escapar da aflição: ficou uma semana internado tratando-se da Covid-19. Nos seus últimos dias, sofreu com a doença e a revolta de viver sob um presidente sabotador da saúde. Um presidente que, em meio à pandemia, quer empurrar goela abaixo da população um medicamento —a cloroquina— sem comprovação de eficácia e que pode provocar arritmia e parada cardíaca, levando à morte.
Sérgio criticava o governo com ferocidade no Facebook, mas mantinha a cabeça fria na hora de fazer literatura. Seus livros mais recentes (sobretudo “O Homem-Mulher”, de 2014) estão entre os melhores da extensa obra. Exemplo da produção tardia de alto nível é o relato “Das Memórias de uma Trave de Futebol em 1955”, publicado em abril na Folha. A última frase é de arrepiar: “Para mim, em breve, será só escuridão”.
Ao contrário de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, contistas que encontraram uma maneira de escrever e a cristalizaram, Sérgio Sant’Anna optou pela variedade de temas e de formas, em diálogo com outras artes: o cinema, o teatro, a pintura e —por que não?— o futebol. Como um maestro do drible, buscava o lance que surpreende o leitor.
Sérgio —eu desconfio— gostava mais de futebol que de literatura (de política, desgostava, mas considerava um dever de cidadão manifestar-se publicamente). Torcedor do Fluminense, na novela “Páginas sem Glória” criou um personagem rebelde e provocador que encarna o comportamento dele próprio. Pinçado das areias de Copacabana, o atacante Zé Augusto, o Conde, não tinha medo de cartola e entrava com bola e tudo na meta vazia.
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