“Tempo. Tempo. O que é o tempo? Os suíços o fabricam. Os franceses o acumulam. Os italianos o desperdiçam. Os americanos dizem que é dinheiro. Os hindus dizem que não existe. Sabe o que eu digo? Eu digo que o tempo é um vigarista”.
Não lembro em que programa de TV vi a cena do filme O diabo riu por último, de 1953, na qual um personagem dá essa bela definição. Tenho certeza que foi num programa, porque o filme mesmo nunca vi, mas de qualquer forma ela me marcou por sua esperteza. Diante da dificuldade que qualquer um, cientista, leigo ou filósofo, encontra para definir o que é tempo, a frase foge de elucubrações muito intricadas enquanto deixa claro existirem muitas formas de enquadrar esse conceito fugidio, que no final das contas leva embora tudo e todos.
De fato nós podemos passar a vida inteira sem refletir sobre o tempo, mas quando paramos para pensar nele começamos a distinguir várias de suas facetas. O escritor Alan Burdick resolveu fazer esse exercício – que se tornou “algo entre passatempo e obsessão”, em suas palavras – resultando no monumental livro Por que o tempo voa – Uma investigação principalmente científica (Todavia, 2020). Com sua verve jornalística somada ao interesse científico, Burdick não se contentou em apenas descrever pesquisas, mas entrevistou cientistas e, em muitos casos, submeteu-se ele mesmo como cobaia de experimentos. Seu interesse declarado é menos na passagem do tempo em si e mais na forma com que esse fenômeno é registrado biologicamente, e como isso passa de moléculas para neurônios, e desses para nossa consciência e psiquê.
Ficou famoso entre os especialistas, por exemplo, um teste para verificar se realmente o tempo passa mais devagar quando estamos numa situação muito tensa. Sabe aquela sensação que temos diante de uma ocorrência inesperada e ameaçadora, como um acidente, de que vemos tudo em câmera lenta? O neurocientistas David Eagleman colocou-a a prova num teste em que voluntários despencavam de costas de uma altura de 45 metros – uns 15 andares, mais ou menos. Durante a queda eles deveriam olhar num relógio em cujo mostrador havia um número piscando só um pouco mais rápido do que os olhos eram capazes de registrar. Embora a sensação das pessoas fosse de que o tempo passava mais devagar – eles superestimavam a duração da queda em 36% – nenhum deles conseguia distinguir o número no mostrador. Nem Burdick, que fez questão de experimentar a queda livre. O que acontece é que diante de uma ameaça o cérebro registra mais informações por segundo; isso dá a impressão que o tempo passou mais devagar, pois no mesmo intervalo parece que ocorreram mais coisas do que o habitual.
O contrário acontece quando o tempo parece voar. Temos a impressão de que o calendário passa cada vez mais rápido, mas pesquisas feitas com voluntários de diferentes idades mostra que essa percepção não muda com a idade, e sim com a “pressão do tempo”. Quando mais ocupadas estão as pessoas, mais o tempo se acelera, porque ocorre o inverso da queda livre: entramos em modo automático, não prestamos atenção e registramos menos informações, dando a impressão de que tudo está ocorrendo rapidamente já que temos poucas memórias do período.
Numa época em que praticamente todos nós sentimo-nos sobrecarregados e sem tempo, quando as práticas contemplativas e de atenção plena vicejam como reação a isso, o conhecimento científico – sobretudo quando verificado em primeira mão – é mais uma bem vinda ferramenta para tentarmos reverter essa realidade e aproveitar melhor nosso tão precioso tempo.
Por que o tempo voa – Uma investigação principalmente científica, de Alan Burdick.
Editora: Todavia, 2020.