Reportagem na Folha, no último domingo, jogou nova luz sobre o papel do WhatsApp nas eleições de outubro. As informações reveladas são tão dispersas e fragmentadas que vale a pena um esforço de síntese sobre o que já se sabe.
Aparentemente, as campanhas usaram o aplicativo de três maneiras diferentes: por meio do envio de mensagens diretas em massa; por meio de propaganda em grupos formados compulsoriamente com usuários demograficamente segmentados; finalmente, por meio de propaganda distribuída em grupos de família e amigos.
O uso mais controverso foi o primeiro, o envio de mensagens diretas. Sua relevância se deve menos a seu impacto nas eleições do que às questões envolvendo a sua legalidade.
Ao que tudo indica, as campanhas compraram ilegalmente bases de dados de empresas financeiras ou de telecomunicações contendo números de celulares e informações demográficas de milhões de usuários (sexo, idade, residência etc.).
O uso de bases de dados de terceiros é expressamente proibido pela lei e é um dos pontos mais importantes nas investigações da Justiça Eleitoral.
Embora estivesse despreparada para enfrentar a crise —em parte porque a centralidade do uso do aplicativo em eleições era inédita, em parte porque o aplicativo estava com um quadro diretor recém-contratado—, a empresa conseguiu bloquear “centenas de milhares de contas” utilizando estratégias antispam que já estavam em curso.
Isso significa que as operações de disparo em massa foram de grande envergadura. Reportagem anterior da Folha indica que uma parte dos números utilizados para fazer os disparos foi comprada no exterior, para contornar a exigência de registro de CPF, requerido no Brasil. Com a reportagem de domingo, descobrimos que também foram utilizados números do país, registrados em CPFs de idosos, à sua revelia.
Nos dois casos, a utilização de milhares de números exige uma logística gigantesca de aquisição, registro e operação —descartando e recomeçando com outro número após o bloqueio. Isso talvez explique o alto valor dos disparos, vendidos no mercado por cerca de R$ 0,10 cada um (R$ 100 mil para um milhão de eleitores).
Chama a atenção o custo da operação em relação à utilidade. Mensagens de spam têm baixa eficácia e não parecem justificar o investimento.
Pode ser que os disparos tenham sido espalhados em campanhas segmentadas menores, a um custo mais baixo; pode ser também que não fossem para fazer propaganda positiva, mas para semear desinformação; pode ser ainda que fossem apenas uma ação complementar a outras estratégias.
Há ainda muito a esclarecer.
Pablo Ortellado
Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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