O coveiro César Junior, 36, mais conhecido como Junior Covas, é natural de Goiânia (GO) e há seis anos trabalha em cemitérios na França. Com humor, ele compartilha sua rotina entre túmulos nas redes sociais e já conquistou mais de 2 milhões de seguidores. O sucesso reflete um movimento atual de "quebra de tabu" sobre temas póstumos na internet.
Covas se considera um dos maiores influenciadores digitais que abordam assuntos mórbidos. Ao todo, ele soma 1,4 milhão de seguidores no TikTok, 840 mil no Instagram, 180 mil no YouTube e 115 mil no Kwai.
"Posso falar que eu sou o pioneiro mundial, porque eu procurei em outras línguas para ver se eu achava algum coveiro que já fazia conteúdo, justamente para ter uma referência e não encontrei", afirma em entrevista ao #Hashtag.
Antes de cruzar o oceano de forma definitiva, Covas foi assistente administrativo na Assembleia Legislativa de Goiás e cursou a faculdade de publicidade e propaganda, que não concluiu.
O primeiro contato com a França ocorreu em 2012, quando participava de uma missão religiosa. A decisão de retornar à Europa veio anos depois, quando conseguiu uma oportunidade na construção civil. Ele recebeu a proposta para trabalhar como coveiro logo depois.
Com as restrições impostas pela pandemia e a impossibilidade de ter contato com outras pessoas, ele passou a criar vídeos relacionados ao seu ambiente de trabalho. O sucesso é fruto também de uma tendência nas redes sociais, que têm abraçado assuntos relacionados à "cena fúnebre". Segundo Thiago Somavilla, 43, gerente de marketing do Grupo Zelo, um dos maiores do setor funerário no Brasil, a aceitação desse tema está relacionada justamente com a crise de Covid-19.
"A pandemia fez com que as pessoas falassem mais sobre o assunto, porque todo mundo estava muito próximo de ter que lidar com uma situação para a qual muitas pessoas não se preparavam", explica.
Karen Scavacini, psicóloga e CEO do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio, também concorda com essa percepção e afirma que é compreensível o aumento do interesse num momento em que a morte se aproximou de todos: "Até a curiosidade de saber como aqueles agentes funerários estavam conseguindo dar conta de enterrar tanta gente."
Ela reconhece, porém, que antes da crise sanitária global já era possível observar o interesse por esse tipo de assunto, embora mais limitado e com poucas pessoas produzindo conteúdo sobre o tema.
É o caso de Carolina Maluf, 38, que acumula quase 190 mil seguidores no Instagram. Paulista que vive há quase uma década no Rio Grande do Sul, Carolina é tanatopraxista há 16 anos e, como rotina da profissão, troca os fluidos de cadáveres para que fiquem conservados para os velórios, além de realizar o embelezamento dos corpos, o que inclui maquiá-los.
Carolina conta que desde 2013 publica nas redes sociais, especificamente no Facebook, conteúdos sobre seu trabalho, mas no início se limitava a fotos e textos opinativos. "Eu fui muito rechaçada dentro do segmento funerário, porque à época as pessoas não queriam falar sobre morte."
Anos depois, em 2018, Carolina já se identificava com o conceito de "funeral influencer". Para ela, criadores de conteúdo desse nicho têm como objetivo esclarecer o público, compartilhando uma nova perspectiva sobre a morte. "É um tipo de influência para transformar socialmente as pessoas em pensantes sobre a finitude", diz.
A psicóloga Karen Scavacini avalia como positiva e educativa a expansão de conteúdos fúnebres: "É um serviço de utilidade pública", diz.
Passados quatro anos do início do surto de coronavírus, o gerente de marketing Thiago Somavilla avalia que a aceitação a assuntos póstumos na internet se tornou permanente por causa do amadurecimento do público.
Ele também explica que, por se tratar de perda de entes queridos, se os produtores de conteúdo quiserem continuar investindo no ramo, devem manter um equilíbrio entre o que as pessoas querem saber e o respeito.
Essa fórmula é vista nas produções de Junior Covas. O coveiro usa o humor como aliado ao chamar "clientes" os mortos para quem presta serviço e ao se dirigir aos próprios seguidores como "futuros clientes". No entanto, quando compartilha casos dos cemitérios onde trabalha, evita gravar enterros nem expõe nomes e rostos.
Covas revela que há meses em que os ganhos como criador de conteúdo superam o salário de coveiro. Mas não tem planos de deixar a profissão.