quinta-feira, 6 de junho de 2024

Com humor e sem tabu, influenciador mostra dia a dia como coveiro, FSP

 Jonas Santana

SÃO PAULO

O coveiro César Junior, 36, mais conhecido como Junior Covas, é natural de Goiânia (GO) e há seis anos trabalha em cemitérios na França. Com humor, ele compartilha sua rotina entre túmulos nas redes sociais e já conquistou mais de 2 milhões de seguidores. O sucesso reflete um movimento atual de "quebra de tabu" sobre temas póstumos na internet.

Covas se considera um dos maiores influenciadores digitais que abordam assuntos mórbidos. Ao todo, ele soma 1,4 milhão de seguidores no TikTok, 840 mil no Instagram, 180 mil no YouTube e 115 mil no Kwai.

Junior Covas, brasileiro que trabalha como coveiro na França e faz sucesso na internet
Junior Covas, brasileiro que trabalha como coveiro na França e faz sucesso na internet - Reprodução

"Posso falar que eu sou o pioneiro mundial, porque eu procurei em outras línguas para ver se eu achava algum coveiro que já fazia conteúdo, justamente para ter uma referência e não encontrei", afirma em entrevista ao #Hashtag.

Antes de cruzar o oceano de forma definitiva, Covas foi assistente administrativo na Assembleia Legislativa de Goiás e cursou a faculdade de publicidade e propaganda, que não concluiu.

O primeiro contato com a França ocorreu em 2012, quando participava de uma missão religiosa. A decisão de retornar à Europa veio anos depois, quando conseguiu uma oportunidade na construção civil. Ele recebeu a proposta para trabalhar como coveiro logo depois.

Com as restrições impostas pela pandemia e a impossibilidade de ter contato com outras pessoas, ele passou a criar vídeos relacionados ao seu ambiente de trabalho. O sucesso é fruto também de uma tendência nas redes sociais, que têm abraçado assuntos relacionados à "cena fúnebre". Segundo Thiago Somavilla, 43, gerente de marketing do Grupo Zelo, um dos maiores do setor funerário no Brasil, a aceitação desse tema está relacionada justamente com a crise de Covid-19.

"A pandemia fez com que as pessoas falassem mais sobre o assunto, porque todo mundo estava muito próximo de ter que lidar com uma situação para a qual muitas pessoas não se preparavam", explica.

Karen Scavacini, psicóloga e CEO do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio, também concorda com essa percepção e afirma que é compreensível o aumento do interesse num momento em que a morte se aproximou de todos: "Até a curiosidade de saber como aqueles agentes funerários estavam conseguindo dar conta de enterrar tanta gente."

Ela reconhece, porém, que antes da crise sanitária global já era possível observar o interesse por esse tipo de assunto, embora mais limitado e com poucas pessoas produzindo conteúdo sobre o tema.

É o caso de Carolina Maluf, 38, que acumula quase 190 mil seguidores no Instagram. Paulista que vive há quase uma década no Rio Grande do Sul, Carolina é tanatopraxista há 16 anos e, como rotina da profissão, troca os fluidos de cadáveres para que fiquem conservados para os velórios, além de realizar o embelezamento dos corpos, o que inclui maquiá-los.

Carolina conta que desde 2013 publica nas redes sociais, especificamente no Facebook, conteúdos sobre seu trabalho, mas no início se limitava a fotos e textos opinativos. "Eu fui muito rechaçada dentro do segmento funerário, porque à época as pessoas não queriam falar sobre morte."

Anos depois, em 2018, Carolina já se identificava com o conceito de "funeral influencer". Para ela, criadores de conteúdo desse nicho têm como objetivo esclarecer o público, compartilhando uma nova perspectiva sobre a morte. "É um tipo de influência para transformar socialmente as pessoas em pensantes sobre a finitude", diz.

A psicóloga Karen Scavacini avalia como positiva e educativa a expansão de conteúdos fúnebres: "É um serviço de utilidade pública", diz.

Passados quatro anos do início do surto de coronavírus, o gerente de marketing Thiago Somavilla avalia que a aceitação a assuntos póstumos na internet se tornou permanente por causa do amadurecimento do público.

Ele também explica que, por se tratar de perda de entes queridos, se os produtores de conteúdo quiserem continuar investindo no ramo, devem manter um equilíbrio entre o que as pessoas querem saber e o respeito.

Essa fórmula é vista nas produções de Junior Covas. O coveiro usa o humor como aliado ao chamar "clientes" os mortos para quem presta serviço e ao se dirigir aos próprios seguidores como "futuros clientes". No entanto, quando compartilha casos dos cemitérios onde trabalha, evita gravar enterros nem expõe nomes e rostos.

Covas revela que há meses em que os ganhos como criador de conteúdo superam o salário de coveiro. Mas não tem planos de deixar a profissão.

Como os exploradores da expedição Discovery de 1901 se mantiveram saudáveis em jornada na Antártida, FSP

 

Edward Armston-Sheret

Pesquisador Pós-Doutorado, Escola de Estudos Avançados, Universidade de Londres

THE CONVERSATION

Antártida é o continente mais inóspito da Terra. É seco, frio e completamente escuro durante meses do ano. Os exploradores do período do Rei Eduardo 7º, no começo do século 20, foram alguns dos primeiros a enfrentar o inverno antártico, desenvolvendo novos conhecimentos que ainda hoje são utilizados pelos cientistas.

A expedição Discovery (1901-1904) desempenhou um papel fundamental na história da exploração polar. Ela foi liderada pelo comandante da Marinha Real Robert Falcon Scott, um explorador polar pioneiro que morreu em 1912 após tentar chegar ao polo sul. O terceiro tenente da expedição foi Ernest Shackleton, que depois liderou três outras viagens ao continente, incluindo a trágica e célebre viagem com o navio Endurance.

Cena do documentário "Antártica por um Ano"
Cena do documentário "Antártica por um Ano" - Divulgação

Não só Shackleton, mas também Falcon se tornaria um nome conhecido. Mas foi a expedição Discovery que lançou suas carreiras. Juntos, eles estabeleceram um recorde em dezembro de 1902, chegando mais perto do polo sul do que qualquer outro até então.

A viagem também moldou a forma como os dois homens pensavam sobre saúde, especialmente como prevenir e tratar o escorbuto. Minha pesquisa examinou como os oficiais, médicos e organizadores da expedição procuraram manter os exploradores saudáveis na Antártida, especialmente durante o inverno polar. Devido a esse trabalho, ninguém da expedição morreu por problemas de saúde (embora dois homens tenham morrido em acidentes).

DIETA

A alimentação era uma questão de vida ou morte para os exploradores polares. Acredita-se que os problemas com alimentos enlatados tenham contribuído para o fim da expedição Franklin, que desapareceu no Ártico no final da década de 1840.

As preocupações com os alimentos também foram motivadas pela ideia de que a carne mal conservada causava escorbuto (embora hoje saibamos que ele é causado pela falta de vitamina C na dieta).

Como os especialistas em saúde de hoje, os exploradores eduardianos se preocupavam tanto com a variedade de alimentos quanto com sua qualidade. "Dê aos homens uma boa alimentação saudável e garanto que vocês não terão doenças", aconselhou o explorador norueguês do Ártico Fridtjof Nansen ao médico da expedição Discovery antes da partida.

Os organizadores da expedição testaram amostras de alimentos para analisar seu conteúdo nutricional. Todos os alimentos enlatados também foram inspecionados antes da expedição para verificar se havia sinais de deterioração. Apesar dessas precauções, os exploradores descobriram que grande parte de seus alimentos enlatados estava podre quando chegaram à Antártica. Isso se deveu à má qualidade dos alimentos enlatados que lhes foram fornecidos.

Para evitar que os homens comessem alimentos contaminados, os médicos da expedição verificaram cada lata antes do consumo. Porém, como os alimentos enlatados não continham muita vitamina C, a expedição ainda sofreu um ataque de escorbuto. Esse ataque só terminou quando eles começaram a comer mais carne fresca de foca.

Scott e Shackleton passaram a ver os alimentos frescos como a melhor maneira de prevenir e tratar o escorbuto, embora nenhum deles entendesse o motivo. Hoje sabemos que isso se deve ao fato de as carnes levemente cozidas conterem vitamina C.

Os exploradores passaram a ver os alimentos processados como mais perigosos do que os alimentos frescos. Essas discussões se parecem muito com os debates recentes sobre os riscos à saúde dos alimentos ultraprocessados. Os exploradores enfatizavam o fato de sempre terem acesso a carne fresca.

AR

Os exploradores também se preocupavam com a qualidade do ar no navio.

Os cientistas agora entendem que a poluição do ar tem efeitos negativos à saúde. Mas na era do rei Eduardo 7º, a má qualidade do ar era entendida de forma diferente.

O ar ruim era visto como uma ameaça devido a teorias médicas mais antigas que argumentavam que a saúde precária era causada por "miasmas" —gases podres produzidos por matéria em decomposição. O frio, as correntes de ar e a umidade também eram considerados perigosos.

Sistemas de ventilação especialmente construídos foram instalados no navio. O sistema empregava dois fogões para ventilar os alojamentos dos exploradores com ar quente. Porém, uma vez na Antártica, o sistema não se mostrou confiável e consumiu muito combustível. O navio também era menos hermético do que o esperado, o que significa que foi ventilado sem a necessidade de usar os sistemas especialmente construídos.

Mas nem todos concordavam com a importância da ventilação. Scott comentou que "a questão do ar fresco e da ventilação era algo que nos proporcionava um campo constante de discussão". Até mesmo os dois médicos da expedição tinham opiniões diferentes.

Um deles achava que era mais importante manter os aposentos ventilados abrindo as janelas todas as manhãs. O outro argumentava que era melhor se manter aquecido, mesmo que o ar não fosse tão fresco.

Eles nunca resolveram essa discordância, mas chegaram a um acordo sobre a frequência com que as janelas deveriam ser abertas.

A imagem captura a beleza imponente de um iceberg, com sua massa branca contrastando com o azul profundo do oceano. A luz do sol ilumina a superfície gelada, revelando nuances de azul e branco, enquanto o horizonte distante mostra a vastidão da paisagem polar.
Voo sobre a Antártida mostra iceberg Chris Larsen - Nasa

EXERCÍCIO

Havia mais consenso entre os exploradores sobre a importância dos exercícios. Mesmo nos anos 1900, o exercício era visto como uma forma importante de se manter saudável, capaz de combater os efeitos negativos percebidos da vida urbana moderna.

No verão antártico, os exploradores passavam a maior parte do tempo andando de trenó. Esse era um trabalho árduo, que levava os exploradores a seus limites físicos.

Mas no inverno, os exploradores ficavam em seus navios ou perto deles. Para se manterem saudáveis, eles faziam caminhadas diárias. Como comentou o segundo em comando da exposição, "Não há dúvida de que as pessoas se sentiam melhor depois de uma caminhada intensa sobre o gelo". Essas caminhadas eram importantes do ponto de vista psicológico, pois proporcionavam breves oportunidades de privacidade e reflexão. Scott observou: "Durante a maior parte do inverno, a maioria dos oficiais preferiu fazer sua caminhada diária sozinhos."

Os exploradores também praticavam esportes coletivos, como futebol e hóquei, e andavam de tobogã. O médico júnior da expedição afirmou que o "ar e o exercício" eram a chave para dormir bem e manter o apetite durante o inverno polar.

Em uma expedição à Antártida, manter-se física e mentalmente saudável era uma questão de sobrevivência, portanto, não é de se admirar que os exploradores passassem tanto tempo pensando nesses detalhes.

Muitas das medidas de saúde empregadas na primeira expedição de Scott e Shackleton são semelhantes às usadas atualmente. A alimentação, a qualidade do ar e os exercícios ainda são considerados importantes para a boa saúde. Mas, em comparação com esses exploradores polares do começo do século 20, agora temos uma compreensão muito melhor do porquê.