quinta-feira, 2 de maio de 2024

Ruy Castro - Faltou dizer que, FSP

 Uma constante na doce relação entre os colunistas e seus leitores é que, na exigente opinião destes, todo colunista é um amnésico crônico —ao tratar de qualquer assunto, sempre deixa de citar alguém ou alguma coisa. Eles têm razão. Vide os comentários que começam por "Só se esqueceu de..." ou "Faltou dizer que...". E, para vergonha do colunista, seguem-se os exemplos do que faltou ou foi esquecido.


Meu consolo é que nem sempre é por esquecimento. As colunas têm limite de tamanho —a que você está lendo não pode passar de 1.880 caracteres— e não permitem que se esgote o assunto. Às vezes, o colunista se vê diante de duas citações e só tem espaço para uma.

Daí tento aproveitar o espaço ao máximo, concentrando as ideias em poucas palavras, usando palavras mais curtas e apagando aquelas que se revelam redundantes. Qualquer advérbio de modo, por exemplo, é totalmente inútil. Se não acredita, corte o "totalmente" desta frase e veja se ela perde em sentido. Radicalizando a cirurgia, corte também o "por exemplo", e verá que o sentido continua intacto. Com a extração dessas palavras ganham-se 20 caracteres, que podem ser necessários no caso de se ter de escrever "otorrinolaringologia".

Em coluna recente (26), falei de como o Brasil tem mais faculdades de direito do que a soma de todas no mundo, assim como somos imbatíveis em farmácias, agências de banco, supermercados, shoppings e lojas de colchões. Citei também o enxame de bundas e peitos inflados. Os leitores concordaram, mas disseram que faltou muita coisa.

E citaram: influencers, igrejas evangélicas, sites de apostas, botequins, motoqueiros, bocas de botox, academias de ginástica, gente tatuada, de mochila às costas, de boné ao contrário, de celular ao nariz. É verdade, faltou tudo isso. Mas, como não existe memória absoluta, desconfio que continua faltando alguém ou alguma coisa.

Botox (imagem ilustrativa)
Botox - Gustavo Fring from Pexels

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Priorizar o combate ao crime organizado é um imperativo, Ilona Szabó de Carvalho, FSP

 O crime organizado está praticamente em todo lugar, apesar de ser muitas vezes invisível. Suas estratégias, táticas e operações estão evoluindo rapidamente, o que infelizmente não está sendo seguido pelas instituições governamentais. É um tema que nos diz respeito a todos, mas muitas vezes é demasiado sensível para ser discutido.

O foco dos governos no enfrentamento das organizações criminosas geralmente está nos perpetradores e menos nos mercados que elas controlam e contaminam. No entanto, hoje, o crime organizado abrange um ecossistema criminal global complexo e interliga economias legais, informais e ilegais. Sua forma de operação responde pela morte violenta de centenas de milhares de pessoas todos os anos e afeta literalmente bilhões de outras.

Detidos chegam a delegacia de polícia em Guarujá após serem flagrados com um tablete de maconha - Danilo Verpa/Folhapress

Certamente, a escala, sofisticação e intensidade do crime organizado variam de lugar para lugar. Apesar dessas variações, o tráfico de drogas, de armas e de pessoas, o contrabando de migrantes, o crime ambiental, o comércio de produtos falsificados e o cibercrime parecem estar acelerando em todos os lugares, ao mesmo tempo.

Embora difícil de quantificar, estima-se que a corrupção, a lavagem de dinheiro e as economias ilícitas, real sustento e coração pulsante do crime organizado, sejam o maior negócio do mundo —avaliado conservadoramente em trilhões de dólares.

Milhões de pessoas dependem dessas economias informais e ilícitas ligadas a mercados criminais, seja para prover formas não democráticas de segurança, seja para garantir meios de subsistência (pense em produtores de coca ou garimpeiros artesanais). E, claro, políticos e elites empresariais corruptas obtêm capital político e econômico preservando esse status quo.

Particularmente preocupante, grupos criminosos organizados estão se infiltrando em instituições públicas nacionais e subnacionais, subvertendo-as. Uma combinação de cartéis, máfias, gangues, milícias e outros estão em conluio com, e em alguns casos capturando, governos. Não são apenas as instituições militares, policiais, judiciais, penais e aduaneiras que estão sendo alvo, mas também a entrega básica de serviços, compras públicas e agências financeiras.

Grupos criminosos estão saindo das sombras e endossando candidatos a cargos públicos, financiando campanhas e influenciando resultados eleitorais com implicações corrosivas para a democracia. A degradação das instituições estatais também pode reforçar o apoio a políticas populistas e autoritárias e justificar medidas repressivas que muitas vezes excedem a lei e alimentam um ciclo vicioso que empodera o crime organizado.

Isso significa que as estratégias anticrime precisam ir além de medidas repressivas de força bruta e oferecer uma gama mais ampla e inteligente de abordagens de prevenção para desmantelar mercados criminais, moldar normas e fornecer alternativas reais.

Precisamos de estratégias que avancem tanto em medidas "duras" (aplicação técnica da lei, combate ao crime financeiro, descapitalização das organizações criminosas e outras estratégias penais) quanto em medidas "suaves", focadas na construção de normas sociais e de incentivo a comportamentos positivos e no desenvolvimento de alternativas econômicas aos mercados criminais.

No Brasil, priorizar o enfrentamento ao crime organizado e seus tentáculos é mais urgente do que nunca.

Além de ser o fator determinante para a consolidação democrática, esse enfrentamento é fundamental para destravar o investimento privado e o desenvolvimento econômico do país. Isso demanda traçar linhas claras de integridade e aplicação da lei e fechar espaço de conivência e convivência que abalam normas não só legais, mas culturais.

Por mais difícil que seja, é preciso começar pelo "mercado" da segurança. Estamos dispostos a cortar na carne para virar o jogo?

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O Estado e os problemas sociais, Deirdre Nansen McCloskey, FSP

 Percebi que as "soluções" para o problema social da pobreza propostas por nossos amigos que estão à esquerda do centro —de igualdade de resultados ou de igualdade de oportunidades— são ambas impossíveis. A igualdade de permissão, pelo contrário, pode ser alcançada amanhã.

Mas a esquerda, nos últimos dois séculos, continuou vendo novos problemas sociais, grandes e pequenos, que, segundo ela, o mercado não consegue resolver. Favelas. Educação ruim. Monopólio. Assim como suas soluções impossíveis para a desigualdade, muitas de suas ideias são não soluções para não problemas.

E mesmo para um problema real, os amigos da esquerda supõem, sem pensar muito, que o Estado pode fazer melhor. Quando pensam que a inovação está demasiadamente lenta, por exemplo, recorrem imediatamente à "política industrial". Quando pensam que o ciclo econômico é um problema, criam um banco central.

Seria ótimo se qualquer resultado social de que não gostássemos pudesse ser resolvido pela elaboração de uma nova lei e a designação de burocratas. Mas apenas alguns dos problemas reais que enfrentamos têm uma solução tão simples e real. Se o Canadá invadir os Estados Unidos, ou se o Paraguai invadir o Brasil, claro, mande um exército. Problema resolvido.

Prisioneiros de guerra e famílias paraguaias no acampamento de San Fernando, no "Álbum da Guerra do Paraguai" - Acervo Biblioteca Nacional del Paraguay

No entanto, nossos amigos da esquerda, e muitos dos nossos amigos da direita, também acreditam que todo "problema social" requer intervenção estatal. É por isso que os Estados modernos continuam crescendo. As pessoas passaram a acreditar que, se algo que consideram ruim acontece, alguém deve ser o culpado, e a solução óbvia é fazer com que o Papai-Estado contenha as pessoas más.

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Problema resolvido. Comida suja? Crie um departamento estatal para inspecionar os alimentos. Fácil.
Ainda não. A intervenção estatal muitas vezes não funciona bem, agravando o problema. O controle dos aluguéis, por exemplo, e o salário mínimo prejudicam os pobres que deveriam ajudar. As "externalidades" estão por toda parte na sociedade humana e, portanto, não oferecem um simples sinal de que a intervenção estatal seja uma boa ideia. Com frequência a pressão do mercado é a solução.

Se déssemos aos moradores das favelas direitos de propriedade sobre os terrenos que ocupam, as favelas desapareceriam. Quando o óleo de baleia usado para iluminação ficou caro, o óleo extraído do solo tornou-se querosene. Quando o esterco de cavalo começou a obstruir as cidades, os novos automóveis por acaso resolveram o problema.

Seja adulto. Não corra para o Papai-Estado todas as vezes.