O crime organizado está praticamente em todo lugar, apesar de ser muitas vezes invisível. Suas estratégias, táticas e operações estão evoluindo rapidamente, o que infelizmente não está sendo seguido pelas instituições governamentais. É um tema que nos diz respeito a todos, mas muitas vezes é demasiado sensível para ser discutido.
O foco dos governos no enfrentamento das organizações criminosas geralmente está nos perpetradores e menos nos mercados que elas controlam e contaminam. No entanto, hoje, o crime organizado abrange um ecossistema criminal global complexo e interliga economias legais, informais e ilegais. Sua forma de operação responde pela morte violenta de centenas de milhares de pessoas todos os anos e afeta literalmente bilhões de outras.
Certamente, a escala, sofisticação e intensidade do crime organizado variam de lugar para lugar. Apesar dessas variações, o tráfico de drogas, de armas e de pessoas, o contrabando de migrantes, o crime ambiental, o comércio de produtos falsificados e o cibercrime parecem estar acelerando em todos os lugares, ao mesmo tempo.
Embora difícil de quantificar, estima-se que a corrupção, a lavagem de dinheiro e as economias ilícitas, real sustento e coração pulsante do crime organizado, sejam o maior negócio do mundo —avaliado conservadoramente em trilhões de dólares.
Milhões de pessoas dependem dessas economias informais e ilícitas ligadas a mercados criminais, seja para prover formas não democráticas de segurança, seja para garantir meios de subsistência (pense em produtores de coca ou garimpeiros artesanais). E, claro, políticos e elites empresariais corruptas obtêm capital político e econômico preservando esse status quo.
Particularmente preocupante, grupos criminosos organizados estão se infiltrando em instituições públicas nacionais e subnacionais, subvertendo-as. Uma combinação de cartéis, máfias, gangues, milícias e outros estão em conluio com, e em alguns casos capturando, governos. Não são apenas as instituições militares, policiais, judiciais, penais e aduaneiras que estão sendo alvo, mas também a entrega básica de serviços, compras públicas e agências financeiras.
Grupos criminosos estão saindo das sombras e endossando candidatos a cargos públicos, financiando campanhas e influenciando resultados eleitorais com implicações corrosivas para a democracia. A degradação das instituições estatais também pode reforçar o apoio a políticas populistas e autoritárias e justificar medidas repressivas que muitas vezes excedem a lei e alimentam um ciclo vicioso que empodera o crime organizado.
Isso significa que as estratégias anticrime precisam ir além de medidas repressivas de força bruta e oferecer uma gama mais ampla e inteligente de abordagens de prevenção para desmantelar mercados criminais, moldar normas e fornecer alternativas reais.
Precisamos de estratégias que avancem tanto em medidas "duras" (aplicação técnica da lei, combate ao crime financeiro, descapitalização das organizações criminosas e outras estratégias penais) quanto em medidas "suaves", focadas na construção de normas sociais e de incentivo a comportamentos positivos e no desenvolvimento de alternativas econômicas aos mercados criminais.
No Brasil, priorizar o enfrentamento ao crime organizado e seus tentáculos é mais urgente do que nunca.
Além de ser o fator determinante para a consolidação democrática, esse enfrentamento é fundamental para destravar o investimento privado e o desenvolvimento econômico do país. Isso demanda traçar linhas claras de integridade e aplicação da lei e fechar espaço de conivência e convivência que abalam normas não só legais, mas culturais.
Por mais difícil que seja, é preciso começar pelo "mercado" da segurança. Estamos dispostos a cortar na carne para virar o jogo?
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