Nas últimas temporadas, o etanol tem ficado em segundo plano para as usinas de cana-de-açúcar, porém, não há sinais de que o produto esteja em falta para o mercado consumidor.
Conforme o diretor comercial de bioenergia da Novozymes, Fabricio Rocha, no período em que a cana foi direcionada ao açúcar, o etanol de milho garantiu o suprimento do combustível para o país.
“Se não fosse o milho, talvez poderíamos ter falta de etanol. O que pode ocorrer no futuro, caso as usinas de cana voltem o mix para o etanol, é ter uma sobre oferta. No entanto, entendemos que o renovável como um todo é um caminho sem volta e vai continuar crescendo”, considera.
Para Rocha, as políticas públicas, os créditos de descarbonização do programa RenovaBio, o potencial de exportação e o combustível de aviação sustentável (SAF) demonstram a relevância do biocombustível.
“Os novos investidores não temem muito esse retorno da cana para o etanol. Além disso, o açúcar deve continuar sendo valorizado nos próximos ciclos, especialmente porque a Índia retirou muito adoçante do mercado quando começou a colocar etanol na mistura da gasolina”, visualiza.
O diretor comercial de bioenergia ainda vê que novos investimentos do setor devem ser quase integralmente direcionados para o milho. Já no caso da cana, os aportes devem ir para a produção de açúcar.
O gerente de desenvolvimento de negócios da Novozymes, Rafael Piacenza, ainda aponta outra vantagem deste mercado: na indústria do etanol de milho, os coprodutos remuneram até metade do preço do milho e estão associados aos mesmos mercados onde o grão está aplicado. “Normalmente, temos um hedge do negócio que o próprio grão acaba segurando. A produção da planta de etanol é amortecida pelos coprodutos”, diz.
“A indústria de etanol de milho consegue trabalhar com alto nível de eficiência, rendimento e rentabilidade, o que absorve a volatilidade [do mercado]”, Rafael Piacenza (Novozymes)
Além disso, conforme Piacenza, o custo de produção do etanol de milho é muito baixo comparado com o de cana. “De 2020 para cá, o mundo mudou, mas as plantas eficientes seguiram rentáveis. A resposta está nisso: se a empresa for eficiente, de alta tecnologia, aplicar biotecnologia de ponta e ter processos e práticas de gestão de ponta, não irá sofrer. Tivemos essa lição e prova na prática”, considera.
As visões foram apresentadas em entrevistas exclusivas ao NovaCana, durante o Teco Latin America 2023.
Caminhos para o SAF
Em relação a um tema que vem ganhando espaço no setor de etanol – a produção de Combustível Sustentável de Aviação (SAF) –, o diretor comercial da FS, Paulo Trucco, relata que a companhia tem participado de debates.
“Estamos bastante envolvidos neste sentido. Passa pela questão da certificação e o reconhecimento do etanol de milho dentro do programa. É nesse momento em que estamos agora. Temos estudado vários projetos para atender os mercados que estão construindo essas plantas de SAF”, explica.
O presidente executivo na União Nacional do Etanol de Milho (Unem), Guilherme Nolasco, também visualiza expectativas de crescimento do setor. Para ele, os investimentos devem continuar em SAF, analisando com responsabilidade o mercado de futuro.
“Nessa estratégia, existem mandatos na Europa nos EUA e até no Brasil, como o projeto de lei do Combustível do Futuro. O etanol terá uma participação muito estratégica na produção de SAF”, afirma.
Nolasco completa que, no caso do uso do óleo de milho, apesar de ter um valor agregado maior, a produção de SAF ocorre em menor escala.
“O SAF é uma grande estratégia para o etanol, pois vamos crescer 12 vezes a produção de etanol para a demanda de 2032 de SAF, hidrogênio e outras aplicações. Temos um grande investimento programado para esse setor com olhos neste biocombustível”, projeta.
Biotecnologia traz eficiência
Segundo Trucco, a biotecnologia é muito valorizada pela FS. Assim, ele aponta que a área de leveduras é uma aliada no crescimento e o aumento de rendimento nos últimos anos é um exemplo disso.
“No início, quando a FS veio para o Brasil, o setor tinha como referência que uma tonelada de milho produzia em torno de 380 litros de etanol. Hoje, com as novas tecnologias, já houve um aumento de mais de 10%, falamos em 420 a 430 e até 440 litros por tonelada de milho”, explica.
Além disso, ele considera que novas tecnologias e enzimas podem gerar um impacto significativo nos negócios, já que o objetivo é ter o máximo de produtividade com a mesma matéria-prima.
O gerente de desenvolvimento de negócios da Novozymes diz que as empresas mais eficientes dão a devida importância para investimentos em biotecnologia. “Quem está na ponta da produção, com altíssimo rendimento, entende isso muito bem, ainda que haja alguns pontos que precisamos fazer aculturamento”, relata Piacenza.
Segundo ele, a Novozymes teve uma experiência positiva recente com leveduras. O gerente explica que elas tiveram um salto tecnológico nos últimos dois anos, com destaque para a presença em empresas menores.
“Achávamos que essas leveduras geneticamente modificadas e avançadas só eram aproveitadas em todo o seu potencial de conversão e de rendimento em plantas de alta tecnologia. Mas tivemos uma experiência de converter boa parte do mercado de plantas menores, com tecnologias mais limitadas, usando o nosso produto de alto rendimento”, comenta.
Biomassa previsível
Conforme o diretor comercial de bioenergia da Novozymes, a biomassa é outro fator importante para as produtoras, principalmente em novos projetos de etanol de milho. É preciso ter garantia de fornecimento da biomassa, do contrário, há até o risco de a licença do projeto não sair.
“Ao mesmo tempo em que ela é um desafio, é uma oportunidade. O etanol de milho brasileiro tem uma das menores intensidades de carbono do mundo. É graças ao uso da biomassa, que também sequestra carbono, que isso pode ser uma boa oportunidade para o Brasil ao exportarmos o etanol de baixa intensidade de carbono”, explica Rocha.
Ele completa que é preciso que a usina ou o investidor garantam previsibilidade para o produtor da biomassa de forma que ele possa investir no eucalipto. “O eucalipto tem um ciclo de vida de seis anos; é um projeto de médio a longo prazo”, esclarece.
Além disso, a indústria busca alternativas para utilização nas caldeiras. A FS tem um projeto de biomassa a partir do bambu, iniciado em 2019, com a matéria-prima sendo colhida e queimada neste ano.
Trucco explica que o bambu tem se mostrado uma boa fonte alternativa de biomassa renovável. “São cerca de 12 mil hectares de fomento de plantio e, agora, estamos no primeiro ano de uso dessa biomassa no processo”, completa.
Planos das usinas
O diretor comercia da FS relembra que a terceira planta do grupo entrou em operação neste ano, levando a capacidade de produção para 2,2 bilhões de litros. Além disso, os planos da FS incluem a construção de outras três plantas em Mato Grosso: em Querência, Nova Mutum e Campo Novo dos Parecis.
“Temos espaço para aumentar a capacidade de produção das nossas plantas atuais. Ainda não temos nenhum horizonte definido para os novos projetos; por enquanto, não há perspectiva de iniciar essas construções”, explica Trucco, que completa: “Avaliamos o que faz mais sentido para o grupo em termos de sinergia, seja em aumentar a produtividade das atuais ou ir para uma próxima [usina]”.
Já segundo o diretor comercial da Inpasa, Flavio Gonçalves, o etanol seguirá sendo o norteador da empresa. A companhia tem considerado não apenas o milho, mas outras fontes de amido, como o sorgo. “Vamos estudar e fomentar outras fontes, mas o etanol de cereais é e seguirá sendo o nosso mote”, disse o diretor comercial.
Apesar do alvo nunca ter sido ter a usina com maior capacidade produtiva de etanol, Gonçalves explica que a escala traz mais segurança ao negócio em relação ao controle de custos. “Os números são escalados de acordo com as oportunidades do momento de mercado”, explica.
Além disso, a companhia também vem buscando a verticalização dos seus negócios. “Focamos muito, no início, em ter excelência no processo de produção dos três básicos – etanol, DDGS e óleo – e estamos em processo de verticalização, especialmente com o refino de óleo, tanto no Paraguai quanto no Brasil”, explica o diretor comercial.
Ele ainda revela que a Inpasa tem projetos em construção e estudos sobre etanol e DDGS, o que abre diversas frentes para outros nichos de mercado. “Queremos ter boas matérias-primas para outros produtos, então, verticalizar é o caminho”, completa.
Outra vontade da empresa é de expandir os seus negócios. “O Brasil e a América do Sul têm excelentes oportunidades. Os projetos que tínhamos mais latentes já foram postos à mesa e lançados – em Sidrolândia (MS), já está ocorrendo o investimento, e em Balsas (MA), com o lançamento da pedra fundamental. A vontade é crescer”, destaca Gonçalves.
Matéria-prima crescente
Para que a indústria de etanol de milho se mantenha firme é preciso matéria-prima. Para os agentes do setor, entretanto, essa não parece ser uma preocupação.
O diretor comercial da FS visualiza que há espaço para ampliar o cultivo brasileiro de milho, seja a partir de segunda safra em locais que realizam apenas a primeira, ou por meio de um aumento de produtividade. “Em Mato Grosso, acreditamos em crescimento”, completa.
Nolasco relembra que a indústria de etanol de milho e de outros cereais se instalou no Centro-Oeste brasileiro atraída pela grande oferta do grão e pela pouca demanda interna, principalmente no milho de segunda safra, que garante o suprimento dessa indústria.
“Independentemente do valor de mercado, esse milho é uma estratégia de rotação à cultura da soja, e é plantado independentemente de preço. Aliado com a dificuldade logística e de armazenagem, o grão precisa ser comercializado, o que trouxe uma grande oportunidade para biocombustíveis e alimentos”, complementa o presidente da Unem.
Ele ainda traz que, neste ano, o setor vai demandar 16 milhões de toneladas de milho para etanol e, ainda, exportar 55 milhões de toneladas. Conforme Nolasco, o biocombustível de milho trouxe ao produtor do grão mais previsibilidade de demanda com contratos e pagamentos antecipados, levando a um aumento de 50% na área de segunda safra em seis anos.
“Isso trouxe a oportunidade para o produtor investir, comprar plantadeiras, pulverizadores e colheitadeiras, pois a janela de cultivo é muito pequena e ele precisa estar estruturado”, considera Nolasco. Além disso, ele aponta que o mercado vem crescendo sem avançar sobre novas áreas de exploração e com equilíbrio de preço.
“Havia uma diferença de preço muito grande do milho do Centro-Oeste para o resto do país e isso se equilibrou com a indústria do etanol de milho, pela viabilização da logística do arco Norte. Vemos esse setor se expandindo para a região do Matopiba [Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia], Paraná e Rio Grande do Sul”, considera.
Para completar, o presidente da Unem também aponta que há outros tipos de matéria-prima ganhando corpo na produção, como o sorgo, o trigo e o triticale.
Protagonismo do DDGS
Analisando a estrutura das usinas que produzem etanol de milho, Nolasco relembra que tanto o óleo de milho quanto o farelo do grão são extremamente estratégicos dentro da cesta de receitas. Ele ainda aponta que o farelo e o óleo acompanham a cotação do milho e trazem certo equilíbrio para operações determinadas pela volatidade da commodity.
O presidente executivo da Unem também aponta a participação da indústria de etanol de milho na agenda de intensificação pecuária. Ele explica que há um encurtamento do ciclo do boi por meio do confinamento e semiconfinamento, com o DDGS tendo um “papel fundamental” neste ciclo. Com isso, áreas de pastagem de baixa produtividade podem ser até mesmo direcionadas para o cultivo de grãos.
“O DDGS possibilita tanto o aumento da oferta de alimento quanto o incremento de área cultivada de grão para manutenção de crescimento do setor”, Guilherme Nolasco (Unem)
Assim, ele visualiza o mercado interno como o principal foco das companhias, mas também cita um convênio junto com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) para posicionar o Brasil no mercado internacional e, segundo ele, “forçar padrões de qualidade e precificar o mercado interno”.
A Apex é uma agência criada em 2003 pelo governo federal para ajudar empresários na exportação de produtos para outros países.
“A agenda traz ao setor a obrigação de se profissionalizar e se inserir no mercado internacional, de adotar padrões de qualidade e acaba precificando o mercado interno em momentos difíceis como agora, em que a pecuária passa por um momento difícil de preço e isso reflete nos coprodutos”, considera Nolasco.
Gabrielle Rumor Koster – NovaCana
Conteúdo patrocinado pela Novozymes