terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

OPINIÃO -​ MARCOS DIMENSTEIN Sua marca tem razão?, FSP

valor de mercado das empresas é definido, hoje, cada vez mais por como elas pensam e agem diante de dilemas sociais e ambientais. No século 21, os desafios das marcas são crescentes. Quem não compreender e abraçar essa nova realidade estará fora do jogo e será esquecido, soterrado.

Na medida em que o valor de mercado de uma empresa é ditado cada vez mais por como ela pensa e age diante de uma realidade cada vez mais plural e mutante, vemos as demandas atingirem um novo patamar de complexidade. A "febre" do ESG ("Environmental Social Governance") é a onda surfada pelas corporações mundiais. Tamanha é a ênfase nessa nova mentalidade corporativa que cria na sociedade a expectativa de que agora a mudança desejada por muitos será geral e real.

Mercado de crédito de carbono, transparência, diversidade e inclusão são os principais temas encontrados em artigos sobre tendências de ESG —e com razão. No entanto, para ampliar o debate, é preciso abordar temas até agora relegados a um segundo plano, mas que são tão ou até mais importantes.

Percepção da agenda social como uma questão prioritária no Brasil. Por vezes, ao tratar de ESG, temos a impressão de que a sigla é dominada pela agenda ambiental. Compreensível, considerando-se ser esta a principal pauta no mundo e a existência de uma forte e justa pressão pela compensação das pegadas geradas pelas atividades produtivas.

A reflexão necessária é: não existe sustentabilidade sem justiça social. E, sem avançar na solução de questões básicas acerca da qualidade de vida em países subdesenvolvidos, fracassaremos em nossos objetivos como um todo. Não há como tratar de economia de água se faltam caixas-d’água em moradias precárias. Não há como abordar gestão responsável de resíduos se a população é excluída da esfera do consumo, até mesmo de bens essenciais. Não há como falar de alimentação saudável se as pessoas estão famintas ou mal alimentadas.

Ciência e tecnologia como motor da geração de impactos em escala. Muito além do uso de AI (Inteligência Artificial) e IOT "(Internet of Things", a internet das coisas) na otimização de processos e gestão de dados em tempo real, estamos assistindo a uma verdadeira revolução no campo da nanotecnologia. Vivemos um novo ciclo de evolução que transformará drasticamente a cadeia produtiva de materiais, a geração de energia, a filtragem da água e diversas outras áreas.

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O empreendedorismo periférico como a quarta economia no Brasil. Celso Athayde, fundador da Cufa (Central Única das Favelas), levou esse conceito para o Fórum Econômico de Davos e foi algo que me tocou profundamente. À frente do Catraca Livre, acompanho a cena cultural periférica há tempos. E vejo como essa produção criativa tem ditado tendências na formação cultural do nosso povo. Vejo esse mesmo protagonismo na comunicação, com os "creators" espalhados pelas quebradas do país. Na moda, pipocam movimentos inovadores como o Brasil Core, que inspirou o mundo. Hoje assistimos a um novo campo em ebulição na indústria criativa. Ele é forte, abrangente e veio das periferias para ocupar e transformar. Só não vê quem não quer.

Para avançar de forma estruturada em novas estratégias de ESG, precisamos mergulhar fundo na realidade das pessoas. Temos que saber quem são, quais suas dores, desejos e sonhos. Devemos participar de suas vidas e oferecer soluções efetivas a problemas e angústias. Como se opera esse milagre? Simples: com ações transformadoras, com histórias reais bem contadas e com conteúdos relevantes. Estamos dando passos significativos nessa direção. Seja por consciência ou necessidade de sobrevivência, a mudança já acontece. Se existe um caminho para construir marcas admiradas, é este. E ele começa com cada um de nós fazendo a seguinte pergunta: afinal, qual é minha razão social?

TENDÊNCIAS / DEBATES 

Hélio Schwartsman -Por um Brasil 'low profile', FSP

 

Com a volta de Lula, volta também o projeto de obter para o Brasil uma cadeira permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU, que deu o tom da diplomacia nacional nas gestões petistas.

Tenho uma posição bem singular nessa matéria. Sou contra um assento permanente para o Brasil. Penso que a conquista desse lugar faria bem ao ego de presidentes, ministros e hierarcas do Itamaraty, mas em nada beneficiaria o cidadão. Pelo contrário, uma cadeira no CS obrigaria o país a assumir maior protagonismo mundial, o que significaria empenhar mais recursos, financeiros e humanos, em crises externas. Também nos forçaria a tomar partido numa série de encrencas internacionais, o que quase certamente faria com que nos indispuséssemos com algumas nações.

Reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a situação no Oriente Médio - Yuki Iwamura/AFP

E se o assento no CS já era um sonho de difícil realização uma década atrás, tornou-se muito mais duvidoso agora, após os quatro anos de Jair Bolsonaro, nos quais mostramos ao mundo um chanceler que se orgulhava de transformar o Brasil num pária entre as nações, em que queimamos um bom pedaço da Amazônia afirmando tratar-se de ato de soberania e em que nos inscrevemos em clubes reacionários, como o "Consenso de Genebra", que combate o direito ao aborto. Basicamente, o Brasil deu sinais inequívocos de que não é uma democracia suficientemente estável para integrar o CS. Eu ao menos, como cidadão do mundo, não gostaria de ver a ONU codirigida por uma nação que faz o que o Brasil fez.

Mas os EUA, sob Trump, também fizeram gestos comparáveis e de muito maior alcance, lembrará o leitor participante. Verdade. O problema é que um sistema de governança global sem os EUA, a maior superpotência do planeta, não vale um dólar furado, enquanto a presença do Brasil é no máximo um opcional.

Meu ponto é que não há nada de errado em ser uma nação "low profile", que não busca estar no centro do palco, preferindo atuar menos e com mais discrição.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Pablo Acosta - Como a pandemia de Covid-19 deteriorou o capital humano no Brasil e quais as opções de recuperação, FSP

 A pandemia teve efeitos devastadores entre as crianças e os jovens. Enquanto o pior da pandemia já passou, os seus efeitos ainda perduram. Há soluções, mas implementá-las é urgente. O novo relatório global do Banco Mundial "Colapso e Recuperação: como a pandemia de Covid-19 deteriorou o capital humano e o que fazer a respeito" mede o impacto da pandemia nas crianças e jovens, e aponta soluções para países como o Brasil. A má notícia é que os efeitos são ainda hoje devastadores. Porém, existem estratégias comprovadas para a recuperação dessas perdas.

O relatório enfatiza que a primeira infância é um período crítico para o desenvolvimento do cérebro e estabelece a base para habilidades como alfabetização e matemática. Por causa da pandemia, crianças muito pequenas deixaram de receber vacinas essenciais e pararam de frequentar a pré-escola. Alunos dessa faixa etária na cidade do Rio de Janeiro perderam, em média, quatro meses de aprendizado em 2020, sendo as maiores perdas vivenciadas por crianças em famílias mais desfavorecidas.

Em Sobral (CE), os alunos da pré-escola perderam de seis a sete meses de aprendizado. No Brasil, em geral, as perdas foram muito acentuadas. As matrículas no pré-escolar diminuíram e mantiveram-se em baixa em mais de 13 pontos percentuais no final de 2021, em comparação ao que teria ocorrido na ausência da pandemia. Além disso, os declínios nas matrículas escolares foram maiores entre crianças em famílias de menor nível socioeconômico.

Crianças da escola Itatiaia durante aula ao ar livre - Danilo Verpa - 16.mar.2022/Folhapress

De acordo com o relatório, de 1º de abril de 2020 a 31 de março de 2022, as escolas no Brasil ficaram totalmente fechadas por 44% do tempo. Foram parcial ou totalmente fechadas por 90% do tempo no mesmo período. O fechamento das escolas e ainda a ineficiência no ensino remoto resultaram em baixo aprendizado pelos alunos enquanto não havia aulas presenciais. Em média, em todo o mundo, a cada 30 dias de fechamento das escolas, os alunos perdem 32 dias de aprendizado –apesar dos esforços com o ensino a distância, os alunos não aprenderam durante esse período e alguns ainda esqueceram o que tinham aprendido, daí o período de perda ser maior do que o tempo de fechamento.

Além disso, o abandono escolar aumentou em alguns países. Dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) mostram que, no Brasil, após a reabertura das escolas, houve queda de um ponto percentual nas matrículas em idade escolar. São cerca de 400 mil crianças e jovens dessa faixa que deixaram de ir às aulas.

A juventude é outra fase crucial no ciclo da vida enfatizada pelo relatório. Os jovens estão tomando decisões importantes, tais como continuar a estudar, trabalhar ou constituir família. A Covid-19 levou a uma enorme queda no emprego e a uma pior transição dos jovens para o mercado de trabalho. Na maioria dos países, o emprego nesse segmento caiu drasticamente no início da pandemia. Essas quedas foram particularmente acentuadas no Brasil, com uma redução de seis pontos percentuais.

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As mudanças na taxa de emprego formal foram pequenas e breves, mas o número de horas trabalhadas pelos jovens empregados, uma medida da qualidade do trabalho, caiu seis horas por semana entre o início de 2020 e o final de 2021.

O número de jovens que não estavam empregados nem matriculados em escolas ou em cursos de capacitação aumentou substancialmente. No último trimestre de 2021, apesar da recuperação, 22% dos jovens do Brasil encontravam-se nesta situação. Estar desempregado ou ter um emprego mal remunerado quando se entra no mercado de trabalho pode deixar cicatrizes –estima-se que o impacto pode perdurar por até dez anos. No final de 2021, o emprego jovem recuperou os níveis anteriores à pandemia, mas a tendência de médio e longo prazos deste indicador continua a ser relativamente baixa, analisando-se a progressão desde 2011.

Essas perdas são um chamado à ação. As pessoas que tinham menos de 25 anos no início da pandemia representarão 90% da força de trabalho em idade ativa em 2050. Diante desse verdadeiro colapso do capital humano, o que se pode fazer? A boa notícia é que existem estratégias comprovadas para a recuperação dessas perdas.

Aumentar a cobertura da educação pré-escolar e melhorar seu conteúdo são bons exemplos. Ambos trariam benefícios de curto prazo, ajudando as crianças a se prepararem melhor para o aprendizado. A longo prazo, eles demonstraram aumentar a frequência no ensino superior e os rendimentos.

Para crianças em idade escolar, simplesmente tê-las de volta à escola não será suficiente. Uma criança que parou de ir à escola na segunda série e ficou em casa por um ano não poderá acompanhar o currículo da quarta série ao retornar. Será importante adequar o ensino ao nível de aprendizado desses alunos. Aumentar o tempo de aula e os programas de recuperação –como aulas de compensação– também pode reverter as perdas de aprendizagem.

Os jovens precisam de ajuda para um bom ingresso no mercado de trabalho. Programas de capacitação, de intermediação e de empreendedorismo adaptados para jovens, além de estágios profissionais, são particularmente importantes.

Em todas estas fases do ciclo de vida estudadas pelo relatório, quando são considerados rendimentos individuais mais elevados, maior receita de impostos e uma menor necessidade de assistência social, a maioria dos programas propostos acabam por compensar o investimento, tendo até retornos mais elevados do que programas voltados para os adultos.

Para melhor se preparar para choques futuros, o relatório enfatiza a necessidade de soluções que reúnam programas de saúde, educação e proteção social em um sistema integrado de desenvolvimento humano.

Se os países não agirem agora, as perdas de capital humano documentadas neste relatório se tornarão permanentes e perdurarão por várias gerações. A hora de agir é agora.