No centro do estado que concentra mais de 90% das reservas de carvão do país, segundo o Serviço Geológico do Brasil, o município de São Sepé, no Rio Grande do Sul, planejava decretar neste sábado (5) o reconhecimento da emergência climática global, em um passo que pretende ir na direção oposta do potencial carvoeiro da região.
“As tempestades e as secas prolongadas devido à mudança climática são um risco iminente às populações que vivem da agropecuária e do campo”, diz o decreto, que prevê a participação pública para “a transição para uma economia livre de combustíveis fósseis e no planejamento e implementação local de políticas públicas para mitigação e adaptação à mudança climática”.
Segundo o prefeito João Luiz Vargas (PDT), o próximo passo após o decreto é executar o plano de desenvolvimento da realidade tradicional do município, feito junto ao setor produtivo e à Universidade Federal de Santa Maria, para fomentar a agropecuária e evitar que as famílias vendam seus terrenos para a mineração.
“Com isso também queremos evitar o êxodo rural e a formação de um cinturão de miséria na cidade”, afirmou Vargas.
Ao sul e ao leste do município estão dois polos ativos de exploração de carvão que concentram os investimentos do setor na região, ambos a cerca de 200 km de São Sepé: são as regiões de Campanha, ao sul, e do Baixo Jacuí, ao leste, onde também há o projeto da Mina Guaíba, que seria a maior mina de carvão do Brasil, mas está com o licenciamento suspenso pela Justiça.
Com 23 mil habitantes e uma economia baseada na agropecuária, São Sepé ainda tem regiões degradadas pela exploração de ouro feita até a década de 80 e hoje busca evitar que a cena se repita com o carvão.
No distrito de São Rafael, um terreno de 200 hectares é alvo de estudos da empresa Mineração Nossa Senhora do Carmo, que busca obter as licenças de exploração.
Em junho do ano passado, ao saber que o empreendimento havia avançado com os estudos de impacto ambiental, moradores do distrito, que vivem da agricultura de base familiar, passaram a se mobilizar para barrar o projeto, através do movimento São Sepé Sustentável.
“A mina ficaria em um ponto logo acima da captação da água do rio São Sepé, a apenas 3km, então tememos a contaminação do solo e da água”, afirmou a advogada Letícia Brum, que participa do movimento São Sepé Sustentável.
Durante a campanha eleitoral no último ano, o movimento cobrou dos candidatos a vereador e prefeito posicionamentos sobre o carvão. Vargas foi eleito usando entre seus motes de campanha a frase “carvão aqui, não”.
Na avaliação do prefeito e de membros do movimento, a posição sobre o carvão esteve entre os principais definidores do resultado eleitoral. A prefeitura também busca investimentos para a geração de energia elétrica através de um parque eólico e pretende construir uma pequena central hidrelétrica (PCH) no rio São Sepé.
“A maré é para o outro lado; a tendência mundial é acabar com a exploração de carvão e migrar para outras fontes de energia”, disse Renan Andrade, coordenador de campanhas da ONG 350, que presta apoio técnico para a política climática do município. Para ele, a declaração de emergência climática envia um recado ao restante do estado.
“Vamos buscar os outros municípios para que se unam a nós, porque o projeto de mineração no estado é escandaloso. Espero que nossa iniciativa sirva para alertá-los sobre os riscos”, afirmou Brum.
A Mineração Nossa Senhora do Carmo foi procurada por telefone e email, mas não deu retorno sobre o pedido de manifestação feito pela reportagem.