domingo, 6 de junho de 2021

Contra lobby carvoeiro, São Sepé (RS) decreta emergência climática, FSP

 ​No centro do estado que concentra mais de 90% das reservas de carvão do país, segundo o Serviço Geológico do Brasil, o município de São Sepé, no Rio Grande do Sul, planejava decretar neste sábado (5) o reconhecimento da emergência climática global, em um passo que pretende ir na direção oposta do potencial carvoeiro da região.

“As tempestades e as secas prolongadas devido à mudança climática são um risco iminente às populações que vivem da agropecuária e do campo”, diz o decreto, que prevê a participação pública para “a transição para uma economia livre de combustíveis fósseis e no planejamento e implementação local de políticas públicas para mitigação e adaptação à mudança climática”.

Segundo o prefeito João Luiz Vargas (PDT), o próximo passo após o decreto é executar o plano de desenvolvimento da realidade tradicional do município, feito junto ao setor produtivo e à Universidade Federal de Santa Maria, para fomentar a agropecuária e evitar que as famílias vendam seus terrenos para a mineração.

“Com isso também queremos evitar o êxodo rural e a formação de um cinturão de miséria na cidade”, afirmou Vargas.

Ao sul e ao leste do município estão dois polos ativos de exploração de carvão que concentram os investimentos do setor na região, ambos a cerca de 200 km de São Sepé: são as regiões de Campanha, ao sul, e do Baixo Jacuí, ao leste, onde também há o projeto da Mina Guaíba, que seria a maior mina de carvão do Brasil, mas está com o licenciamento suspenso pela Justiça.

Com 23 mil habitantes e uma economia baseada na agropecuária, São Sepé ainda tem regiões degradadas pela exploração de ouro feita até a década de 80 e hoje busca evitar que a cena se repita com o carvão.

No distrito de São Rafael, um terreno de 200 hectares é alvo de estudos da empresa Mineração Nossa Senhora do Carmo, que busca obter as licenças de exploração.

Em junho do ano passado, ao saber que o empreendimento havia avançado com os estudos de impacto ambiental, moradores do distrito, que vivem da agricultura de base familiar, passaram a se mobilizar para barrar o projeto, através do movimento São Sepé Sustentável.

“A mina ficaria em um ponto logo acima da captação da água do rio São Sepé, a apenas 3km, então tememos a contaminação do solo e da água”, afirmou a advogada Letícia Brum, que participa do movimento São Sepé Sustentável.

Extração de minério em mineradora de carvão, em Criciúma (SC) - Ed Viggiani - 18.dez.20/Folhapress

Durante a campanha eleitoral no último ano, o movimento cobrou dos candidatos a vereador e prefeito posicionamentos sobre o carvão. Vargas foi eleito usando entre seus motes de campanha a frase “carvão aqui, não”.

Na avaliação do prefeito e de membros do movimento, a posição sobre o carvão esteve entre os principais definidores do resultado eleitoral. A prefeitura também busca investimentos para a geração de energia elétrica através de um parque eólico e pretende construir uma pequena central hidrelétrica (PCH) no rio São Sepé.

“A maré é para o outro lado; a tendência mundial é acabar com a exploração de carvão e migrar para outras fontes de energia”, disse Renan Andrade, coordenador de campanhas da ONG 350, que presta apoio técnico para a política climática do município. Para ele, a declaração de emergência climática envia um recado ao restante do estado.

“Vamos buscar os outros municípios para que se unam a nós, porque o projeto de mineração no estado é escandaloso. Espero que nossa iniciativa sirva para alertá-los sobre os riscos”, afirmou Brum.

A Mineração Nossa Senhora do Carmo foi procurada por telefone e email, mas não deu retorno sobre o pedido de manifestação feito pela reportagem.

OBITUÁRIO ISU FANG (1940 - 2021) Mortes: De humor refinado, a inteligência foi seu melhor talento, FSP

SÃO PAULO

“Competência só não basta. Goleiro azarado não joga na seleção.” A frase é uma das leis de Fang, fruto do humor criativo, inteligente e refinado do carioca Isu Fang, para ironizar os processos de gestão.

No ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), onde formou-se engenheiro, em 1963, era muito querido e uma espécie de celebridade.

“O Isu sempre foi muito inteligente e um dos melhores alunos. Logo ocupou uma posição de destaque ao ser eleito o representante da turma. Lia muito, inclusive os pocket books durante as aulas e, ainda assim, tirava as melhores notas nas provas”, conta o professor Isak Kruglianskas, ex-presidente e coordenador do Programa de Gestão Estratégica da Sustentabilidade da FIA (Fundação Instituto de Administração), seu amigo.

Isu Fang (1940-2021)
Isu Fang (1940-2021) - Arquivo pessoal

Ao término da faculdade, foi à Universidade Stanford, nos EUA, cursar mestrado e doutorado.
De volta ao Brasil, lecionou na FEA (Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária) da USP, presidiu a Prodam e a Elebra Informática.

Trabalhou como consultor e pesquisador nas áreas de administração e planejamento estratégico de empresas de alta tecnologia e órgãos de governo no setor de informática e telecomunicações, na implantação de sistemas de gestão e informação de grande porte, na distribuição e comercialização de produtos de informática e telecomunicações e na negociação de contratos de licenciamento de tecnologia e de fabricação com firmas estrangeiras. Isu também foi conselheiro da FIA.

“Exemplo de profissional, soube aliar a competência ao senso de realidade. Emprestou seu conhecimento para a sociedade e o potencial para ajudar as organizações a terem sucesso. Encarava os problemas com bom humor”, afirma Isak.

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Até antes da pandemia almoçava com os amigos da turma de 1963 mensalmente. Dedicou-se à família e aos amigos.

Isu Fang morreu dia 25 de maio, em decorrência de um tumor cerebral. Deixa a esposa Sarita, os filhos Bruno, Débora e Diana, além de netos. 

De volta à origem da Covid no Instituto de Virologia de Wuhan, Marcelo Leite, FSP

 Em 8 de maio, tratou-se aqui da hipótese de escape acidental do vírus da Covid do Instituto de Virologia de Wuhan (IVW). A ideia era readmitir essa possibilidade sem alimentar teorias conspiratórias e antichinesas, mas parte dos leitores entendeu o posto.

Seis dias depois, a revista Science publicou carta de 18 pesquisadores recomendando investigação profunda da origem. Mais duas semanas e o presidente americano, Joe Biden, ordenou que serviços de inteligência testassem a teoria do escape laboratorial.

Um mês atrás parecera convincente o artigo de Nicholas Wade que embasava a coluna, em sua defesa de não se descartar precocemente o cenário acidental. De lá para cá, entretanto, o tema foi sequestrado pela polarização ideológica e descarrilou, por assim dizer.

Admitir que a origem laboratorial é possível não significa afirmar que seja provável, nem que tenha deixado de vigorar como mais aceita a tese do transbordamento zoonótico (quando um vírus salta de alguma espécie animal, ainda não identificada após 18 meses de pandemia, para a humana). Que fique bem claro.

O Instituto de Virologia de Wuhan, na China, é vigiado por seguranças durante visita de missão da OMS - Thomas Peter - 3.fev/Reuters

E é o que transparece em 1h17min de esclarecimentos no podcast TWiV (This Week in Virology, ou “esta semana na virologia”), de Vincent Racaniello. Ele convidou para o programa do dia 27 três especialistas que integraram a visita investigativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) à cidade de Wuhan e ao IVW: Peter Daszak, Thea Kølsen Fischer e Marion Koopmans.

Acompanhar o programa pode ser desafiante, pelo jargão técnico em inglês, mas esclarecedor. Foi ótimo ouvir Daszak, em especial, pois o pesquisador esteve no centro da controvérsia, como suspeito de ter interesse em acobertar um acidente por colaborar com Shi Zengli, especialista em modificação de coronavírus no IVW.

A equipe ficou um mês na cidade chinesa, incluindo duas semanas em quarentena. Os termos de referência da missão da OMS envolviam fazer entrevistas e analisar dados ou relatórios recebidos da parte chinesa, e eles afirmam ter obtido tudo que pediram naquela primeira fase da investigação.

O trio se mostrou agastado com a carta na Science, embora não discorde da proposta de seguir investigando a origem do Sars-CoV-2. Afinal, argumentam, não fizeram e não fazem outra coisa –trabalham no momento para deslanchar a segunda fase do inquérito. E reclamam que a ideia de acidente voltou à tona apoiada só em argumentos, não evidências novas.

A afirmação de que funcionários do IVW ficaram doentes semanas antes do surto de Covid em Wuhan, por exemplo, não encontra apoio em registros hospitalares, mas num capcioso memorando do então secretário de Estado (chanceler) americano Mike Pompeo, divulgado cinco dias antes de Trump deixar o poder. Biden só lhe faz eco.

Daszak diz ter solicitado ao governo dos EUA evidências das infecções, para incluir na investigação. Nunca as obteve. Admite que o acesso a registros chineses tampouco foi perfeito, mas também deu por coerentes e aceitáveis as justificativas para o que não esteve disponível.

O programa de Racaniello reservou as críticas mais ácidas ao trabalho jornalístico de Wade, que teria destacado um suposto indício biomolecular de construção artificial (o famigerado “sítio de clivagem com furina”), quando a suspeita já teria sido descartada meses antes de seu artigo.

Daszak, Fischer e Koopmans concordam que se investigue mais a fundo a origem da Covid, mas defendem que a prioridade recaia sobre a hipótese mais provável. A politização atual, acusam, só dificulta a colaboração da China com a fase 2 da investigação da OMS. Sem ouvir o outro lado não se chegará à verdade sobre o corona.