quinta-feira, 4 de março de 2021

Fernando Schüler A liberdade de expressão se tornou uma ideia inconveniente?, FSP

Sempre fui fascinado pela ideia do “livre mercado de ideias”. Ela nasceu muito antes, mas foi consagrada por Oliver Holmes. Além de juiz da Suprema Corte americana, Holmes era um pensador cético. O melhor era colocar as ideias para competir, em um ambiente aberto, sabendo que lidamos com um mundo de informação imperfeita.

É dele a definição de que só deveriam ser interditados discursos que representassem perigo “claro e real”. Com o tempo, essas palavras foram sendo melhor compreendidas.

O perigo deveria ser “imediato” e também era preciso separar um risco real de um punhado de bravatas e conversa fiada.

Para que tudo isso? Para que tanta delicadeza? Em vez de proteger, não seria melhor “higienizar” o mundo de tanta porcaria informacional que circula por aí?

Vem daí a longa e difícil tradição moderna da liberdade de expressão. Difícil porque se baseia em uma ideia contraintuitiva: o progresso do conhecimento não depende do erro ou acerto desta ou daquela ideia, mas da preservação de um conjunto de princípios.

Uma das melhores representações que vi disso foi em um filme de Milos Forma“O Povo Contra Larry Flynt”. Acusado de pornografia, Flynt era um tipo difícil de defender. Em um dado momento ele vira o jogo. Reconhece que é o pior dos americanos e que, se a Constituição protegesse “um canalha como eu, então
protegerá todos vocês”.

Há alguns pressupostos nessa tradição. O primeiro deles é que somos falíveis. Julgamos o mundo de dentro do próprio mundo. Não somos isentos. Cada um pode parar e pensar por um instante para saber se isso é verdade.

Outro diz que em algum momento os deuses estilhaçaram a verdade, e agora ela anda espalhada por aí, de modo que mesmo teses muito ruins podem conter uma informação relevante, que ajude a nos aproximar ainda mais um pouco do caminho da verdade.

Esses argumentos são há muito conhecidos. John Stuart Mill foi seu mestre. O acerto se alimenta do erro, dizia ele, e suprimi-lo será sempre uma perda. Sendo certa a opinião, perdemos a chance de trocar o erro pela verdade; sendo errada, “perdemos a percepção mais vívida da verdade, produzida pela sua colisão com o erro”.

Talvez tudo isso seja uma ilusão. A grande tradição moderna do livre pensamento pode ter sido um equívoco e precisa agora ser “ajustada”. Tenho escutado coisas do tipo, e a razão seria a internet. Ela teria dado espaço demais ao fake e ao ódio, e pessoas do lado do bem e da verdade simplesmente não podem
ficar de braços cruzados.

Parece um pouco estranho, mas é o que sugerem, em geral sem muita explicação sobre o que fazer, livros como “The Misinformation Age”, de Cailin O’Connor e James Weatherall. A solução passaria não apenas por penalizar a distribuição intencional de fake news como por produzir uma ainda mais necessária “reengenharia nas instituições básicas da democracia”.

Não me atrevo a pensar o que exatamente caberia nessa “reengenharia” da democracia. Pensei nos banimentos da internet, nos cancelamentos, na volta da censura prévia, e até na ressurreição recente de nossa Lei de Segurança Nacional. Mas achei tudo muito pequeno. Imagino que uma reengenharia da democracia seja algo mais elegante.

O fato inequívoco é que a liberdade de expressão se tornou um tema inconveniente. Há alguns anos promovíamos debates sobre o assunto e o consenso era quase tedioso. “É preciso estar sempre atento”, costumava-se dizer, para que ninguém roube esse “bem precioso que conquistamos a tão duras penas”.

Hoje em dia escreve-se sem cerimônia que é preciso banir a “má informação”. As palavras variam, mas o sentido é sempre o mesmo: nós, que sabemos a verdade “para além da dúvida razoável”, precisamos de meios para calar estes imbecis.

Como se fará isso? Ninguém parece saber direito.

Uma hipótese seria entregar a tarefa às redes sociais, desde que não apareçam novas redes controlados por gente do lado errado. Outra hipótese seria o “controle social”, via algum comitê ou algo ao estilo do inquérito das fake news, mas de caráter permanente, fazendo a curadoria do país.

Há muitas possibilidades. De minha parte, prefiro manter algum ceticismo.

Intuo que nossas democracias tenham sabido, a duras penas, criar as instituições que asseguram a liberdade de pensamento. Ainda que a cultura que lhe dá suporte pareça viver, permanentemente, a sua infância.

Fernando Schüler

Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.

 

Itaú demite 50 funcionários que pediram auxílio-emergencial indevidamente, OESP

 


André Italo Rocha

04 de março de 2021 | 05h10

O Itaú Unibanco emitiu um comunicado interno nesta quarta-feira, no qual informa ter demitido funcionários que, mesmo empregados, pediram o auxílio emergencial criado pelo governo durante a pandemia. Cerca de 50 profissionais foram desligados.

Não pode. O banco alegou desvio de conduta, motivo que entra como justa causa. “Satisfazer interesses particulares em detrimento do bem comum é inaceitável”, afirma o banco, no comunicado. “Não nos restou outra alternativa senão o desligamentos desses colaboradores.”

contato: colunadobroadcast@estadao.com

quarta-feira, 3 de março de 2021

Governo vai empurrando PEC Emergencial com a barriga, FSP

 O ambiente em torno da prorrogação do necessário auxílio emergencial e da reorganização das contas públicas segue confuso. Continuamos sem saber quanto, para quem e por quanto tempo o auxílio será pago. É uma incógnita qual o nível mínimo de comprometimento do Planalto com um plano de ajuste fiscal e o quanto dele o Congresso está disposto a entregar.

Na semana passada foi enfimdivulgado o relatório da PEC Emergencial. Deixou pelo caminho as medidas mais duras, como a possibilidade de redução de jornadas e salários, e, com isso, o maior impacto fiscal de curto prazo. Ficaram os mecanismos que regulamentam as condições para o acionamento dos gatilhos do teto e as vedações a ele associadas: expansão do gasto com pessoal, aumento das remunerações, criação de novas despesas obrigatórias (e seu reajuste acima
da inflação), entre outras.

A PEC também faculta a estados e municípios a adoção das mesmas regras e mecanismos, harmoniza os critérios de despesa com pessoal aos do Tesouro e traz outras medidas de reorganização do arcabouço fiscal brasileiro.

Há pontos polêmicos, como a extinção dos mínimos constitucionais da saúde e da educação. Não é novidade que os gestores reclamam da ineficiência desse engessamento orçamentário para atender as demandas locais, dadas as suas características demográficas heterogêneas. Por outro lado, é legítima a preocupação com a economia política da captura de recursos uma vez extintos os pisos, embora a existência deles nunca tenha sido garantia de resultados minimamente aceitáveis. A vinculação à receita é ruim e introduz flutuações. Há regras melhores, mas nunca houve muito interesse em torna-las mais eficientes, e tudo vai ficando exatamente como está.

Essa baixa disposição em encontrar um denominador comum para tratar dos problemas do Brasil é preocupante e desanimadora, assim como a pressão por mais gastos sem apontar o reequilíbrio fiscal dentro de um horizonte razoável.

Adentramos março sem Orçamento e, portanto, sem nele criar espaço para custear pelo menos parte do auxílio e as necessidades mais prementes. A PEC, cuja essência está no Congresso desde 2019, pegou de surpresa alguns parlamentares, que preferem votar apenas o auxílio e deixar o resto para depois, para aprofundar o debate. Desperdiçamos tempo precioso no 2º semestre de 2020.

A tempestade perfeita já se forma no horizonte, com a elevação dos juros longos aqui e lá fora. Junte-se a isso as ameaças de intervenções pelo presidente nos preços de mercado e nossa vocação de empurrar os ajustes sempre para depois, temos a receita para o desastre.

Antonio Delfim Netto

Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.