terça-feira, 1 de setembro de 2020

Gigantes do petróleo enfrentam o desafio da adaptação à economia verde, OESP (retomada verde)

 Fernanda Nunes e Denise Luna, O Estado de S. Paulo

01 de setembro de 2020 | 05h00

RIO - A adequação da matriz energética a uma economia de baixa emissão de carbono está na lista de prioridades das grandes petrolíferas do mundo todo. Mas empresas do setor adotam diferentes estratégias para fazer frente às mudanças climáticas. Algumas têm direcionado seus investimentos para a produção de fontes renováveis, enquanto outras para o desenvolvimento de tecnologias que minimizem os efeitos colaterais do petróleo e de seus derivados no meio ambiente.

Energia solar
Brasil é bom ‘palco’ para investimento em fontes renováveis, pois vem crescendo em energia solar e eólica. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Com a segunda matriz energética mais limpa do mundo, atrás apenas da Noruega, o Brasil é uma potência ambiental em fontes renováveis, já que extrai boa parte de sua energia dos rios, do vento e do sol, além da agricultura. No entanto, apesar de o País já ser referência, há espaço para melhora: as fontes fósseis ainda respondem por 55% do consumo interno.

Entre as petrolíferas globais, que há um século dominam o mercado global de energia, o prazo de adequação a uma agenda de redução de emissão de gás carbônico é longa, variando de 2030 a 2050. E o gasto na geração de energia por fontes de renováveis é baixo – menos de 5% do orçamento das empresas em 2019, segundo estudo do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo e Gás Natural (Ineep).

Caminhos

Há um grupo de petrolíferas que está ampliando o investimento em fontes renováveis, como a britânica BP. Em 2017, a multinacional comprou 43% do capital da Lightsource, líder em indústria solar na Europa. Por aqui, a empresa possui 2 gigawatts (GW) de painéis solares, além de ser sócia da BP Bunge Bioenergia, vice-líder do setor sucroenergético no País.

A norueguesa Equinor trilhou caminho semelhante ao assumir cerca de 10% do capital acionário da Scatec Solar ASA, em 2018. “Até 2035, aumentaremos nossa capacidade instalada de energia renovável em 30 vezes em relação a hoje”, disse a a assessoria de imprensa da empresa. No Brasil, por meio da Statec Solar ASA, a empresa desenvolve o complexo de energia solar Apodi, no Ceará.

Petrobrás, porém, se alinhou a companhias norte-americanas e tem preferido focar em projetos de redução de emissão de carbono (leia mais ao lado). A estatal tem só uma usina solar, em Campos dos Goytacazes (RJ).

“Há diferentes padrões de estratégias nacionais e empresariais nessa agenda. Como os fundos de investimento verde e bancos têm aumentado o apetite por ativos de fontes renováveis, o que tem movido as companhias petrolíferas são, acima de tudo, as dimensões financeira e tecnológica do novo cenário, mais do que as preocupações estritamente ambientais”, avalia o coordenador técnico do Ineep, William Nozaki.

Clarissa Lins, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), vê no Brasil uma vocação especial para atrair projetos de compensação de emissões, com soluções baseadas em recursos naturais. Neste caso, o foco não é a substituição dos combustíveis fósseis, mas a adoção de contrapartidas limpas para cada tonelada de gases de efeito estufa emitida.

Uma forte defensora desse modelo é a anglo-holandesa Shell, que aposta em projetos de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas. “A Shell tem um objetivo muito claro:é ter esse crédito de carbono em mãos nesse mundo que vai passar para uma fase pós-Acordo de Paris e se tornar operacional”, disse Monique Gonçalves, gerente de estratégia e planejamento da petrolífera.

PIB tem queda histórica de 9,7% no 2º trimestre e confirma recessão, OESP

 RIO - As expectativas em relação ao desempenho da economia brasileira em 2020 até melhoraram, após a divulgação de dados mais recentes, de junho e julho, mas a pandemia de covid-19 levou a um tombo histórico no Produto Interno Bruto (PIB, o valor de tudo o que é produzido na economia) do segundo trimestre, assim como ocorreu em praticamente todos os países, confirmou nesta terça-feira, 1.º, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A retração de 9,7% em relação aos três primeiros meses do ano é a maior da atual série histórica do IBGE, iniciada em 1996, mas, segundo cálculos de pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV), não há registro de um trimestre com desempenho pior desde 1980.

Foi também o segundo trimestre de retração - a queda do primeiro trimestre em relação ao quarto trimestre de 2019 foi revisada para 2,5%, ante o 1,5% inicialmente informado -, primeira vez que isso ocorre desde 2016. As duas retrações seguidas caracterizam uma “recessão técnica”, classificação comumente usada no mercado financeiro, embora o comitê independente da FGV dedicado a analisar os ciclos econômicos já tivesse marcado o início da recessão no primeiro trimestre.

A queda do PIB no segundo trimestre foi tão pior do que em outras crises porque “nunca antes se propôs uma política que fosse desligar a economia”, diz Eduardo Zilbermann, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, numa referência às regras de restrição ao contato entre as pessoas, como forma de estancar o avanço da covid-19. Em outras crises econômicas - causadas por inflação, desequilíbrios nas contas externas ou bolhas financeiras, etc. -, as empresas entram em dificuldade, suspendem investimentos e demitem funcionários, ou a renda das famílias é corroída, e elas consomem menos.

Assim, nas outras crises, as lojas vendem menos do que o normal, amargam receitas menores, mas seguem vendendo. Indústrias veem a demanda caindo, o estoque começa a encalhar nas fábricas e reduzem a produção, mas seguem produzindo. Só que o “desligamento” provocado pela pandemia fechou lojas, que não podiam receber clientes, e fábricas, que não podiam aglomerar trabalhadores. Vendas e produção foram para perto de zero.

Como explica Zilbermann, o PIB é uma medida de fluxo, de quanto se produz continuamente ao longo do tempo. Assim, mesmo que a parada para valer tenha ocorrido em abril, o fundo do poço da economia, a reabertura gradual a partir de maio e junho foi insuficiente para salvar o PIB do segundo trimestre, formado por essa produção contínua em cada um dos meses.

Reabertura do comércio em São Paulo
Funcionário de loja no centro de São Paulo mede a temperatura dos clientes no dia da reabertura do comércio, em junho. Foto: Werther Santana/Estadão - 10/6/2020

O quadro catastrófico só não foi pior por causa das medidas adotadas pelo governo para mitigar a crise, com destaque para o auxílio emergencial de R$ 600 ao mês pago aos mais pobres e aos trabalhadores informais. Desde junho, estudos têm apontado que os pagamentos de emergência chegaram a elevar a renda dos mais pobres, reduzindo, temporariamente, a pobreza. Ainda assim, esse impulso não impediu o tombo de 12,5% no consumo das famílias ante o primeiro trimestre. 

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, que, em maio, chegou a estimar uma retração de 17,3% no PIB do segundo trimestre, já havia revisado sua projeção, na semana passada, para uma queda de 9,7%. Além do impulso do auxílio emergencial no consumo, contribuíram para a melhora do quadro, na visão de Vale, a baixa adesão dos brasileiros à quarentena, que manteve alguns comércios funcionando, e o crescimento do agronegócio. O PIB da agropecuária teve o melhor desempenho entre os componentes da oferta, com alta de 0,4% ante o primeiro trimestre.

“Há commodities que não são agrícolas, mas também se beneficiaram do aumento da demanda chinesa e do câmbio, como minério de ferro e também petróleo, num grau menor. Se você junta esses segmentos todos, estamos falando de 35% a 40% do PIB com retorno positivo no primeiro semestre”, afirma Vale.

Ainda pelo lado da oferta, os serviços, que respondem por cerca de 70% do PIB, encolheram 9,7% em relação ao primeiro trimestre, e a indústria tombou 12,3%. Com as empresas adiando compra de maquinário e obras suspensas, a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida dos investimentos no PIB) despencou 15,4% em relação aos três primeiros meses do ano.

Auxílio emergencial
Fila para saque do auxílio emergencial de R$ 600 em agência da Caixa em São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão - 30/4/2020

Os rumos a crise

No cenário de Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultores, a dinâmica global da recessão poderá ditar os rumos da crise. O fato de todas as economias do mundo terem sido atingidas, de forma semelhante e mais ou menos ao mesmo tempo - apenas a China, onde a covid-19 surgiu, foi atingida um pouco antes -, é uma das características inéditas da crise. Para ele, a recuperação poderá acabar sendo ditada pela dinâmica internacional, que, por sua vez, é marcada pelas medidas de mitigação adotadas pelos principais países.

Por isso, na visão de Borges, o desempenho da economia no Brasil poderá ser melhor do que o dos vizinhos da América Latina, porque os brasileiros não respeitaram a quarentena e pela falta de coordenação na ação dos governos federal e locais - ao custo de mais mortes pela covid-19 - e por causa do tamanho das medidas emergenciais. Nas contas do Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV, as políticas do governo federal somam 11,5% do PIB - 8,27% do PIB em ações com gastos fiscais e 3,21% do PIB em medidas de “crédito fiscal”, voltadas para empréstimos. O pacote está praticamente no mesmo nível do dos Estados Unidos, que soma 11,6% do PIB.

“O pacote de suporte fiscal no Brasil foi muito elevado. Até mais elevado do que se poderia imaginar, dada a situação fiscal”, afirma Borges.

Para Zilbermann, da PUC-Rio, a economia brasileira está numa “encruzilhada”. Por um lado, no momento mais imediato, as medidas emergenciais impulsionam a economia e podem ajudar na recuperação nos próximos meses. Por outro lado, os gastos públicos associados às medidas ameaçam o equilíbrio fiscal nos próximos anos. Desequilíbrios poderão elevar o risco país e a cotação do dólar e afastar investidores, o que tiraria ímpeto da recuperação da economia. A saída, segundo o professor, seria o governo sinalizar claramente que a elevação de gastos é temporária, tem data para terminar, e que o equilíbrio das contas voltará no médio prazo. / COLABORARAM CÍCERO COTRIM e GREGORY PRUDENCIANO

Gilmar vai ao passado para anular sentenças de Moro no futuro, FSP

 Frederico Vasconcelos

O ministro Gilmar Mendes aparentemente alterou a cena de um julgamento de 2013 para justificar, na semana passada, a anulação de uma sentença de Sergio Moro no caso Banestado.

Moro condenara o doleiro Paulo Roberto Krug a onze anos de prisão por lavagem de dinheiro e depósitos no exterior, entre 1996 e 2002, em contas de laranjas. No último dia 24 de agosto, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal anulou a condenação de Krug.

Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski entenderam que houve “violação à imparcialidade do julgador” [Moro]. Foram vencidos os ministros Edson Fachin (relator) e Cármen Lúcia. Os advogados de Krug sustentaram que Moro colheu depoimento da delação premiada do doleiro Alberto Youssef e juntou documentos ao processo depois das alegações finais da defesa.

Em 2013, a 2ª Turma rejeitou habeas corpus impetrado em 2008 por Rubens Catenacci, outro doleiro do Banestado, condenado por Moro a nove anos de prisão por remeter ilegalmente meio bilhão de reais ao exterior. Catenacci também alegara parcialidade do juiz da Lava Jato, acusando-o de monitoramento de advogados. Teori Zavascki reconheceu que o monitoramento de advogados não foi para obter provas, mas “para tornar exequível uma ordem de prisão”.

Em voto-vista, Gilmar Mendes acompanhou o relator Eros Grau (aposentado), que rejeitara as alegações de nulidade. Mas disse ter ficado “impressionado” com os vários incidentes, e “repetidos decretos de prisão”, mesmo admitindo que “todos os decretos de prisão estão fundamentados”. [grifo nosso]

Conforme registrou o STF, “embora tenha reconhecido que as decisões do juiz no curso do processo tenham sido bem fundamentadas , o ministro Gilmar considerou que o magistrado teve condutas ‘censuráveis e até mesmo desastradas’, mas afirmou que não se pode confundir excessos com parcialidade”. [grifos nossos]

Ou seja, em seu voto, Gilmar não vislumbrou “causa de impedimento ou suspeição”.

Em todos os decretos de prisão, houve fundamentação das razões de convencimento da necessidade da medida. Ainda que com ela não se concorde, o sistema processual funcionou em sua plenitude, permitindo a ampla defesa, tanto é que todas as decisões foram desafiadas por writ, uns exitosos; outros não.” [grifo nosso]

Ainda Gilmar Mendes:

“Evidentemente não estou a defender que a motivação do ato judicial, aliás pressuposto de sua validade, autorize qualquer absurdo, abuso ou autoritarismo. Não. Apenas constato que, no caso concreto, as decisões questionadas encontram-se fundamentadas e, portanto, passíveis de controle pela superior instância, como efetivamente ocorreu.” [grifo nosso]

Eis como o ministro justificou, na semana passada, os motivos de seu novo entendimento para anular a sentença contra Krug:

“Naquele momento afirmei: ‘não é possível confundir excessos com parcialidade’. Contudo, agora, depois de o tempo demonstrar cada vez mais traços da realidade que antes não se evidenciava, os excessos eram marcantes na atuação do magistrado de primeiro grau exatamente em razão de suas condutas tendencialmente parciais.”

Em 2008, quando Catenacci impetrou o HC, não estava em vigor a Lei 12.850/13 –que define o crime de formação de organização criminosa e prevê como será o acordo de colaboração.

Antes que se alegue que Gilmar Mendes quis dar efeitos retroativos à lei, o ministro procurou  justificar esse fato em seu voto para anular a sentença contra Krug:

“Ainda que o acordo aqui analisado e a sua homologação judicial tenham ocorrido em momento anterior à promulgação da Lei 12.850/13, me parece claro que a necessidade de imparcialidade judicial está consolidada na Constituição e em tratados internacionais de direitos humanos há muito mais tempo. Isso não pode ser ignorado! E a proteção da imparcialidade deve ser dar por meios efetivos para tanto.”

O ministro não especificou qual dispositivo da lei –que ainda não vigorava– foi descumprido pelo juiz.

De volta para o futuro

Em comentário na newsletter FolhaJus, afirmei nesta terça-feira (1º):

“A tentativa de desestabilizar Moro não funcionou no início da Lava Jato. Agora, o STF pode estar criando ‘precedentes’ para anular outras sentenças do ex-juiz e inviabilizar seus projetos políticos. Inaceitável.”

Várias análises sugerem que o caso Banestado foi ressuscitado para permitir a anulação de outras sentenças de Moro. A decisão abriria precedente que pode afetar julgamentos da Lava Jato, incluindo condenações de Lula.

“Ele [Gilmar Mendes] mudou a decisão do Banestado para anular a do Lula”, diz a procuradora regional da República aposentada Ana Lúcia Amaral, de São Paulo.

Em junho de 2019, quando foram divulgadas pelo The Intercept Brasil as conversas de Moro com Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, ela disse, em entrevista à Folha: “Houve sempre uma narrativa de que o ex-presidente Lula foi condenado sem provas. Como não deu para apagar as provas, ‘vamos arranjar uma nulidade'”.

“Os tribunais superiores são pródigos em admitir as nulidades, a salvação de quem é criminoso”, disse a procuradora.

Ainda Ana Lúcia: “Quando a Lava Jato parecia apenas pegar o PT, o ministro [Gilmar Mendes] tinha uma atitude diferente.”

Sobre a anulação da condenação de Paulo Roberto Krug, Ana Lúcia observa que os processos eram todos de Moro. “A conexão é para isto mesmo: o juiz que tem o conhecimento do conjunto tem mais chances de fazer a análise e decisão mais coerente”.

“Por que o juiz interroga primeiro o réu? Porque a prova é para o convencimento dele. Por que o juiz defere cautelares como prisão preventiva? Porque já vê elementos de responsabilidade penal. O juiz não se convence da culpabilidade no momento da redação da sentença”, diz a procuradora.

Ao opinar pelo não provimento do recurso de Krug, o subprocurador-geral da República Edson Oliveira de Almeida sustentou, em 2017, o seguinte:

“Caso o juiz, conhecedor de tais documentos que poderiam sanar dúvidas sobre fatos constantes do procedimento criminal e colaborar para a busca da verdade, permanecesse inerte, aí sim poder-se-ia falar em quebra da imparcialidade, pois conhecedor de que sua inércia poderia beneficiar a parte contrária àquela a quem competia o ônus probatório”.

Valores em jogo

É, no mínimo, curioso que o juiz Sergio Moro, acusado de ter cometido tantas impropriedades em julgamentos e condenações de empresários e políticos influentes, seja atropelado –agora– pela condenação de dois doleiros por crimes cometidos há mais de vinte anos.

Os doleiros foram denunciados pelo Ministério Público Federal em 2003.

A defesa juntou aos autos parecer de Geraldo Prado, professor de Direito Processual Penal da UFRJ, mestre e Doutor em Direito. O parecerista diz que “a política processual não está parada no tempo”. “Daí que é razoável exigir dos tribunais que atuem por princípios no exame dos casos de alegada violação da imparcialidade dos juízes”, opina.

“Neste momento da história constitucional brasileira, não se trata, pois, de assegurar somente ‘as regras do jogo’ e sim garantir ‘os valores em jogo’”, afirmou.

Mesmo diante de um julgamento tão distante, o professor sustenta “a hipótese de comprometimento psicológico do magistrado com a tese condenatória, internalizada por ocasião da audiência administrativa de delação premiada”.

Convém relembrar fatos relevantes no julgamento de maio de 2013 –dez anos depois das denúncias, e que serviu de parâmetro para a anulação de outra sentença em agosto de 2020.

Nos dois casos, o ministro Gilmar Mendes trouxe voto-vista. Em tese, essa condição permite ao julgador definir o melhor momento para divergir.

Krug foi beneficiado por empate, com a ausência justificada de Celso de Mello, em licença médica. Mas o resultado poderia ter sido mais desfavorável a Moro se o decano tivesse votado.

Em 2013, a acusação de parcialidade do juiz da Lava Jato não prevaleceu, mas Celso de Mello votou, solitário e vencido, pela anulação do processo. Ele entendeu que a sucessão de atos praticados por Moro não foi compatível com o princípio constitucional do devido processo legal.

Para o ministro, a conduta do juiz gerou sua inabilitação para atuar na causa, atraindo a nulidade dos atos por ele praticados. Além de monitorar o deslocamento dos advogados do doleiro, a defesa alegou que o juiz retardou o cumprimento de uma ordem do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) porque estava redigindo uma nova ordem de prisão.

O decano afirmou que a conduta do magistrado fugiu “à ortodoxia dos meios que o ordenamento positivo coloca a seu dispor”, transformando-o em investigador.

O Ministério Público Federal opinou pela rejeição do HC e afirmou que as alegações da defesa do doleiro revelam apenas “sua insatisfação com a condução rigorosa do processo pelo magistrado, o que não se confunde com a propalada arbitrariedade do juiz”.

Aparentemente, incomodava mais os ministros a alegação de que Moro usurpara atribuições do STF, do que a eventual quebra da imparcialidade.

Constou da ementa:

“São inaceitáveis os comportamentos em que se vislumbra resistência ou inconformismo do magistrado, quando contrariado por decisão de instância superior. Atua com inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito o juiz que se irroga de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional”.

No ano seguinte,  Zavascki mandou soltar 12 presos da Lava Jato. Achou que Moro tinha feito, ele mesmo, o desmembramento do processo, remetendo apenas parte ao Supremo. Moro escreveu uma resposta sobre sua decisão, e relatou ao ministro o risco de fuga dos doleiros Alberto Yousseff e Nelma Kodama.

Teori manteve a prisão de outros acusados, deixando solto apenas Paulo Roberto Costa. A Lava Jato não morreu naquele dia. Zavascki morreria em 2017.

Nada de novo

Os fatos sugerem que, em 2013, era preciso enquadrar o juiz desobediente.

A Turma acompanhou a recomendação de Gilmar Mendes, que inovou. Determinou que o Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região apurassem se Moro havia cometido falta disciplinar.

No dia 1º de dezembro de 2014, o desembargador Celso Kipper, então vice-corregedor regional da Justiça Federal da 4ª Região, arquivou o procedimento preliminar.

Kipper registrou que os mesmos fatos já haviam sido examinados em 2007 pela corregedoria do TRF-4, que determinara o arquivamento, decisão mantida pelo CNJ.

“Os fatos são rigorosamente os mesmos”, afirmou Kipper em sua decisão. O corregedor considerou “absolutamente relevante” registrar que nem mesmo o julgamento do habeas corpus junto ao STF, “com toda a série de considerações vertida nos debates, trouxe qualquer elemento novo”.

“Quer-me parecer que o Pretório Excelso partiu do pressuposto de que tais acontecimentos não haviam sido analisados no âmbito desta Corregedoria Regional, o que não corresponde à realidade”, afirmou.

Kipper deferiu pedido formulado pelo editor deste Blog e determinou o fornecimento de cópia da decisão de arquivamento, até então sob sigilo.

“Não há, na decisão em questão, qualquer referência que possa, ainda que em tese, atentar contra a intimidade do juiz federal Sergio Fernando Moro. Ao revés: é o segredo, o mistério a respeito dos motivos do arquivamento que poderão dar azo, eventualmente, a toda sorte de ilações, podendo prejudicar, aí sim, a imagem do magistrado”, registrou o corregedor.

Consultado pelo Blog, na época, Moro não quis se manifestar.

Em nota distribuída no último dia 24 de agosto, o juiz afirmou:

“Em toda minha trajetória como Juiz Federal, sempre agi com imparcialidade, equilíbrio, discrição e ética, como pressupõe a atuação de qualquer magistrado. No caso específico, apenas utilizei o poder de instrução probatória complementar previsto nos artigos 156, II, e 404 do Código de Processo Penal, mandando juntar aos autos documentos necessários ao julgamento da causa.”

“Foi uma atuação regular, reconhecida e confirmada pelo TRF-4 e pelo Superior Tribunal de Justiça e agora recebeu um julgamento dividido no STF que favoreceu o condenado”.