domingo, 8 de abril de 2018

A tirania do Facebook, hélio schwartsman, FSP

Mark Zuckerberg fez mal em largar Harvard ainda no segundo ano do “college”. Acho que ele acabou saindo sem ler John Stuart Mill (1806-1873). Se o tivesse feito, provavelmente teria dito menos disparates na entrevista em que defendeu a criação de uma espécie de suprema corte do Facebook, que atuaria como um tribunal recursal definindo o que pode e o que não pode ser publicado na rede.
Em “On Liberty”, pequena obra-prima de 1859, Mill disse quase tudo o que é preciso saber sobre a liberdade de expressão. O filósofo lembra que o Estado não é a única fonte de opressão sobre o indivíduo. A sociedade, por meio das “opiniões e sentimentos prevalecentes”, pode exercer uma força ainda mais perversa, convertendo-se na “tirania da maioria”.
Só isso já deveria bastar para fazer Zuckerberg pensar duas vezes antes de defender que “a comunidade, refletindo as normas sociais e valores de pessoas de todo o mundo” seja o árbitro final do discurso aceitável.
Embora o termo “comunidade” esteja na moda e goze do estatuto de coisa benigna, ele designa justamente a entidade que, deixada sem freios, tende a massacrar as opiniões minoritárias. Para Mill, a única forma de contrapor-se a isso é assegurar que todas as ideias possam circular livremente, em especial aquelas que parecem odiosas à maioria.
Para o autor, precisamos tolerar discursos preconceituosos, racistas, imorais etc. O único limite é evitar danos a terceiros. Mas não podemos interpretar “danos” muito abertamente. Mill tinha em mente perigos físicos concretos e não simples desconfortos subjetivos, hipótese em que toda palavra poderia ser vetada.
 
Zuckerberg tem de decidir se o Facebook será um grande mural, onde cada um posta o que quer, sem limitação, ou se atuará como um órgão de imprensa, zelando pela correção factual do que é publicado. Transferir poderes censórios à comunidade é a solução que não faz sentido.
Hélio Schwartsman
É bacharel em filosofia e jornalista. Na Folha, ocupou diferentes funções. É articulista e colunista.

    sábado, 7 de abril de 2018

    É preciso privatizar a Eletrobras? NÃO

    Joaquim Francisco de Carvalho
    Canadá, Noruega, Suécia, Brasil e Venezuela são os únicos países em que a energia hidráulica é a principal fonte primária para a geração de energia elétrica. Em todos, as hidrelétricas são estatais. Exceto a Venezuela, nenhum é socialista.

    A China é a maior produtora de hidroeletricidade do mundo, os EUA estão em quarto lugar. Em ambos, as principais fontes primárias são o carvão e o gás natural, mas, nos dois, as hidrelétricas também são estatais. Se a Eletrobras for privatizada, o Brasil será o único país a vender suas hidrelétricas.

    Para formar uma opinião responsável sobre a importância da Eletrobras —em vez de ouvir os ex-agentes públicos responsáveis pelas privatizações já realizadas—, basta constatar o que aconteceu com a qualidade dos serviços de eletricidade e com as tarifas.

    As privatizações começaram em 1995. No segmento de geração, cuja capacidade total é de 145 GW, apenas 29% ficaram com o Estado, representado pela Eletrobras, com as subsidiárias Furnas, Chesf, Eletronorte e pela metade de Itaipu.

    No segmento de transmissão, o grupo Eletrobras controla 57 mil quilômetros de linhas, enquanto 584.000 quilômetros estão sob controle privado.

    No segmento de distribuição, as principais empresas também foram privatizadas. No tocante à qualidade dos serviços, os consumidores têm enfrentado brutais aumentos na frequência e na duração dos cortes de energia.

    Entre 1995 e 2017, as tarifas subiram mais de 130% acima da inflação. Antes de 1995, eram das mais baratas do mundo. Hoje, estão entre as mais caras. Por isso, inúmeras indústrias eletrointensivas estão saindo do Brasil e lançando ao desemprego milhares de operários e técnicos qualificados.

    Pode-se mesmo dizer que a privatização do sistema elétrico agrava o processo de desindustrialização do Brasil, que volta a ser um simples exportador de commodities, como era antes dos anos 1950.

    Aqui vale lembrar a diferença entre os conceitos de espaço público e privado, tema que os políticos brasileiros parecem ignorar.

    O espaço privado é ocupado por empresas industriais, estabelecimentos comerciais, instituições financeiras e outras, que têm entre os seus objetivos o de gerar lucros.

    No espaço público ficam atividades não lucrativas, como diplomacia, a segurança nacional, o policiamento, o ensino básico, o saneamento, a saúde pública, etc., além de certas "utilities", vitais para as demais atividades e que são monopolizáveis. Ora, a energia elétrica é um monopólio natural, do qual dependem a produção industrial, as comunicações, a saúde pública, a conservação dos alimentos, ou seja, praticamente tudo.

    Portanto, tarifas elétricas não devem ser formadas no espaço privado, pois influenciam todos os custos da economia e constituem um privilegiado instrumento de arrecadação de parte da renda dos demais setores, função que cabe ao erário.

    No caso do Brasil, deve-se ainda ter em conta que a energia hidráulica é a principal fonte primária para a geração elétrica.

    Ocorre que esta é apenas uma das utilidades dos reservatórios hidrelétricos, ao lado de outras, importantes, como o abastecimento de água, a irrigação, o controle de enchentes, etc.

    Tudo isso implica pesadas despesas permanentes em preservação ambiental. A experiência mostra que investidores privados não fazem tais despesas.

    O grupo Eletrobras está em crise. Privatizá-lo não resolve o problema. Mais inteligente seria despolitizá-lo e submetê-lo a administradores profissionais, supervisionados por um conselho eleito por confederações da indústria e do comércio, os maiores interessados na qualidade dos serviços e na modicidade tarifária.

    Se isso for feito de forma competente e honesta, calcula-se que os lucros da Eletrobras (com Itaipu) poderão superar, em apenas um ano, o valor que o governo espera arrecadar com a venda desse tão estratégico ativo.
    Joaquim Francisco de Carvalho
    Professor aposentado, é mestre em engenharia nuclear e doutor em energia pela USP; foi engenheiro da Companhia Energética de São Paulo, chefe do setor industrial do Ministério do Planejamento e diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear)

    É preciso privatizar a Eletrobras? SIM

    É preciso privatizar a Eletrobras? SIM

    Consertando os erros do passado

    O presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Junior, concede entrevista coletiva em Brasília, em 27 de março
    O presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Junior, concede entrevista coletiva em Brasília, em 27 de março - Ueslei Marcelino 27.mar.18/Reuters
    Wilson Ferreira Junior
    O projeto de lei que trata da desestatização da Eletrobras foi enviado à Câmara dos Deputados em 22 de janeiro e começa a ser debatido pelos deputados. O texto do Executivo abre uma nova perspectiva para a holding, que responde por um terço da geração de energia elétrica no país e quase metade das linhas de transmissão.

    A proposta é recuperar a capacidade de investimento da Eletrobras e criar uma grande corporação do setor elétrico, capaz de contribuir com os desafios associados às novas tecnologias e operar em igualdade de condições com as maiores empresas de energia do mundo.

    É preciso ter soluções inovadoras, respeitando o meio ambiente e com responsabilidade social. Ao mesmo tempo em que lança esse desafio, a proposta enfrenta, de maneira firme, alguns erros do passado.

    Nos últimos anos, várias decisões governamentais conspiraram contra a solidez do setor elétrico. Uma delas, a mais relevante, foi a MP 579, de 2012 (que deu origem à lei 12.783, de 2013). Para renovar antecipadamente concessões que venceriam no período de 2013 a 2015, empresas geradoras foram obrigadas a aceitar redução nas tarifas, na época da ordem de R$ 100 o megawatt/hora para R$ 30 o megawatt/hora, cobrindo apenas os custos de operação e manutenção.

    A justificativa era que o investimento nessas usinas já estaria amortizado e seria possível, com essa medida, beneficiar o consumidor. O valor da conta de luz caiu, de fato, 20% no primeiro momento.

    A almejada queda, no entanto, durou pouco. Isso porque, em contrapartida a uma tarifa tão baixa, sobrou para o consumidor o custo do chamado risco hidrológico. Isto é, aquele associado à energia produzida por usinas térmicas, acionadas quando há estiagem prolongada. Essa energia é muito mais cara do que a gerada pelas hidrelétricas. 

    Porém, já em 2013, o consumidor deveria pagar pelo risco hidrológico mais do que a tarifa vigente antes da MP 579, cerca de 100 R$/MWh. Em 2014, no pior mês, o consumidor deveria ser onerado em cerca de R$ 130/MWh. Para manter artificialmente baixas as tarifas, o governo contratou, junto à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e um pool de 13 bancos, um empréstimo de R$ 22 bilhões, que todos os consumidores pagarão até 2020.

    Nesse período, o governo injetou no setor elétrico, por causa do risco hidrológico, mais R$ 4 bilhões, que poderiam ter sido investidos em educação, saúde e segurança.

    A medida resultou em perdas a empresas que aderiram à MP. No caso de Furnas e Chesf, subsidiárias da Eletrobras, as perdas foram de R$ 10 bilhões, só no primeiro ano, ou 30% da receita perdida.

    O processo de desestatização da Eletrobras prevê que novos contratos de concessão sejam assinados com a União, eliminando os erros da MP 579 e liberando as usinas para operarem no regime de produção independente, com tarifas mais competitivas.

    O consumidor também será beneficiado, porque deixará de arcar com o risco hidrológico, que deve voltar a ser administrado pelos geradores. Terá ainda menos encargos na conta de luz, já que um terço dos recursos da desestatização será usado para abater a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que compõe a tarifa.

    O projeto de lei, portanto, procura corrigir distorções que oneraram o consumidor nos últimos anos, ao mesmo tempo em que estabelece bases para o futuro do setor e devolve à Eletrobras seu protagonismo e a capacidade de contribuir para a expansão do setor elétrico por meio da criação de uma corporação efetivamente brasileira, unindo competitividade, valorização da empresa e desoneração dos contribuintes.
    Wilson Ferreira Junior
    Formado em engenharia elétrica, foi diretor da Companhia Energética de São Paulo (1995-1998, governo Covas) e presidente da CPFL (2000-2002, governos Covas e Alckmin); é presidente da Eletrobras desde 2016