Mark Zuckerberg fez mal em largar Harvard ainda no segundo ano do “college”. Acho que ele acabou saindo sem ler John Stuart Mill (1806-1873). Se o tivesse feito, provavelmente teria dito menos disparates na entrevista em que defendeu a criação de uma espécie de suprema corte do Facebook, que atuaria como um tribunal recursal definindo o que pode e o que não pode ser publicado na rede.
Em “On Liberty”, pequena obra-prima de 1859, Mill disse quase tudo o que é preciso saber sobre a liberdade de expressão. O filósofo lembra que o Estado não é a única fonte de opressão sobre o indivíduo. A sociedade, por meio das “opiniões e sentimentos prevalecentes”, pode exercer uma força ainda mais perversa, convertendo-se na “tirania da maioria”.
Só isso já deveria bastar para fazer Zuckerberg pensar duas vezes antes de defender que “a comunidade, refletindo as normas sociais e valores de pessoas de todo o mundo” seja o árbitro final do discurso aceitável.
Embora o termo “comunidade” esteja na moda e goze do estatuto de coisa benigna, ele designa justamente a entidade que, deixada sem freios, tende a massacrar as opiniões minoritárias. Para Mill, a única forma de contrapor-se a isso é assegurar que todas as ideias possam circular livremente, em especial aquelas que parecem odiosas à maioria.
Para o autor, precisamos tolerar discursos preconceituosos, racistas, imorais etc. O único limite é evitar danos a terceiros. Mas não podemos interpretar “danos” muito abertamente. Mill tinha em mente perigos físicos concretos e não simples desconfortos subjetivos, hipótese em que toda palavra poderia ser vetada.
Zuckerberg tem de decidir se o Facebook será um grande mural, onde cada um posta o que quer, sem limitação, ou se atuará como um órgão de imprensa, zelando pela correção factual do que é publicado. Transferir poderes censórios à comunidade é a solução que não faz sentido.
Hélio Schwartsman
É bacharel em filosofia e jornalista. Na Folha, ocupou diferentes funções. É articulista e colunista.