sábado, 13 de maio de 2017

Uma amizade feita de correspondências beijos e abraços, Por Florestan Fernandes Jr.


Um sopro levou a alma mais linda e delicada que conheci. Antonio Candido foi durante toda a vida o melhor amigo de meu pai, o último de uma geração de intelectuais que interpretaram o Brasil, seu povo e sua cultura de uma maneira original. Apesar de estudarem na mesma faculdade, a de Filosofia, Ciências e Letras da USP, os dois se conheceram através das cartas. Dois anos mais velho, Candido já era um veterano e recebeu certo dia uma carta de Florestan comentando um artigo que havia publicado em um grande jornal. Foi o suficiente para eles começarem uma intensa correspondência que durou a vida inteira, mesmo depois de terem se conhecido pessoalmente. Candido me contou que eram cartas enormes, discutindo os mais variados temas. "O primeiro encontro que tive com Florestan foi no intervalo das aulas, no prédio da Filosofia. Ele estava encostado na parede, lendo a biografia do Buda." A amizade dos dois ia muito além das afinidades intelectuais, e se transformou numa relação fraternal e de companheirismo e cumplicidade.
Na época de estudante, Florestan se queixava com Candido do fato de ser discriminado em sala de aula por ter uma origem pobre. Certo dia Candido encerrou essa discussão dizendo: "Florestan, eu tenho uma filha com idade próxima da do seu filho. Se por acaso um dia os dois vierem a ter uma relação, eu terei muito orgulho disso".
No início dos anos 40, Candido e Florestan colaboravam nos dois principais jornais de São Paulo. Em um deles, meu pai escrevia sobre Literatura. Numa festa de escritores, Florestan pediu ao amigo que o apresentasse a Mário de Andrade: "Os dois ficaram muito tempo conversando. Quando me aproximei, Florestan já estava sozinho, e com um olhar surpreso me disse 'Candido, o Mário leu todos os meus artigos e discutiu um por um!'".
Vinte anos depois, em 1964, Florestan seria preso por desacato a um oficial do Exército que ordenou a ocupação do prédio da Filosofia. Após três dias de prisão, ele foi solto e surpreendido com uma homenagem feita pelos estudantes, professores e funcionários da Faculdade. Ao final da solenidade, emocionados, Florestan e Candido se abraçam e trocam beijos. Um repórter pergunta a Candido se os dois são parentes por conta do beijo que trocaram no rosto. A resposta foi desconcertante: "O senhor deveria estar preocupado, pois só faz essa pergunta quem não tem um amigo para beijar".
Nos anos 70, meu pai sofria a solidão de viver no exílio, dando aulas em universidades da América do Norte. Em uma das correspondências trocadas por eles, Florestan fala da alegria de ter reencontrado o casal amigo, Gilda e Antonio Candido, em um aeroporto nos Estados Unidos. Florestan chegando e Candido partindo, surpresos por se encontrarem separados por um vidro que dividia as alas de embarque e desembarque: "Foi muito bom poder ver vocês tão de perto. Me deu um ânimo para continuar enfrentando este difícil momento das nossas vidas, mesmo não podendo trocar um longo abraço", escreveu meu pai.
No final dos anos 90, encontro com o professor Antonio Candido numa solenidade em homenagem a meu pai, feita pelo ex-presidente Fernando Henrique. Ao me ver, Candido me abraça e me beija no rosto, dizendo: "A partir de agora, você passa a ter este direito".
Hoje não perdi apenas o beijo de Antonio Candido. Perdi a mais bela referência humana da existência de meu pai.

Bilhete premiado, OESP

O Estado de S.Paulo
13 Maio 2017 | 03h11
No final de agosto de 2008, diante de uma plateia de empresários reunidos no Palácio do Planalto para ouvir as projeções de investimentos do governo federal para os quatro anos seguintes, o então presidente Lula da Silva – notório por seus exageros verbais – recomendava parcimônia, por mais estranho que isso pudesse soar àquela entusiasmada plateia: “Não é porque tiramos o bilhete premiado que vamos sair por aí gastando o que não temos ainda. O pré-sal é um passaporte para o futuro”.
A declaração de Lula foi dada pouco tempo depois do retumbante anúncio, pela Petrobrás e pelo governo, da descoberta de campos de petróleo de boa qualidade na camada pré-sal, uma sequência de rochas sedimentares que se estende por 800 km da costa brasileira, entre Espírito Santo e Santa Catarina. Uma mina intocada que levaria o País à autossuficiência e representaria as condições materiais para fomentar investimentos, gerar empregos, crescer e reverter décadas de atraso, irrigando “o deserto da estagnação econômica, que, durante 25 anos, exauriu nossas melhores energias e frustrou os sonhos de toda uma geração”, pregava o ex-presidente.
O devastador depoimento prestado por Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobrás, ao juiz Sérgio Moro, na semana passada, não deixa dúvida sobre os verdadeiros contemplados por aquele “bilhete premiado” e o futuro que o ex-presidente procurava resguardar. Segundo Duque, os contratos para a construção das sondas de exploração da camada pré-sal renderam US$ 133 milhões, aproximadamente R$ 415 milhões, em propinas para a “casa” – referência aos próprios diretores da estatal –, para o Partido dos Trabalhadores (PT) e seus dois principais dirigentes, José Dirceu e Lula.
Ao PT e seus próceres couberam dois terços do butim, sendo a parte de Lula da Silva administrada diretamente pelo ex-ministro Antonio Palocci. O terço restante foi destinado aos dedicados servidores da “casa” e da “causa”.
De acordo com o depoimento de Duque à Justiça Federal de Curitiba, os desvios tiveram origem em um contrato bilionário – US$ 6,5 bilhões (R$ 20,3 bilhões) – firmado entre a Petrobrás e a Sete Brasil, empresa criada em dezembro de 2010 especificamente para gerenciar a construção de 29 sondas de exploração de petróleo em águas profundas por estaleiros nacionais, que, segundo o depoente, foram os responsáveis pelo pagamento da propina. Entre os acionistas da Sete Brasil estavam a própria Petrobrás, com 9,75% das ações, os bancos Bradesco, Santander e BTG Pactual, além dos fundos de pensão Petros, Previ e Funcef. A Sete Brasil seria a dona das sondas, alugadas para a Petrobrás.
Lula da Silva faturou politicamente o quanto pôde com o pré-sal. A julgar pelo que foi apurado até agora pela Operação Lava Jato, beneficiou-se de outros faturamentos. Em 2009, dois anos após o anúncio da descoberta do gigantesco Campo de Tupi, na Bacia de Santos, o ex-presidente jactou-se por dar ao Brasil “um novo Dia da Independência” durante a divulgação do marco regulatório para a exploração do pré-sal. À época, Lula prometera a criação de um fundo social constituído de recursos obtidos com a exploração e venda do petróleo com o fim precípuo de investir em educação. “Não basta ensinar a ler e escrever, é preciso muito mais. É um investimento no futuro dos nossos filhos e netos”, disse o ex-presidente, provavelmente já pensando nos seus.
É inegável que a descoberta de petróleo de boa qualidade na camada pré-sal foi um grande triunfo da engenharia brasileira e um momento histórico da Petrobrás. Em janeiro deste ano, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a produção atingiu o volume diário médio de 1,59 milhão de barris de óleo. Foi o melhor resultado desde que as empresas petrolíferas começaram a produzir petróleo extraído da camada pré-sal no Brasil, em 2010. O infortúnio é que este êxito operacional ainda não se reflita na melhoria da qualidade de vida da população brasileira, iludida por mais uma falsa promessa de Lula e sua máquina de propaganda populista.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Reforma vai tirar direitos, afirma ministro do TST, OESP

BRASÍLIA - A reforma trabalhista vai retirar direitos dos empregados “com uma sagacidade sem par”, porque será em um processo gradual. A avaliação é do ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Mauricio Godinho Delgado. Em sessão de debate sobre a reforma no Senado, o ministro fez forte discurso contra a mudança na legislação, chegando a comparar o novo contrato de jornada intermitente à “servidão voluntária”. 
 “Com todo respeito, a reforma retira muitos direitos, mas com uma inteligência, com uma sagacidade sem par”, afirmou. “Os direitos poderão ser retirados no dia a dia da relação de emprego”, completou Delgado.

ctv-leb-godinho-beto-barata
Ministro fez forte discurso contra a mudança na legislaçãoe comparou jornada intermitente à “servidão voluntária” Foto: BETO BARATA/ AE
O ministro do TST dá como exemplo o trecho do projeto que estabelece que benefícios como ajuda de custo, auxílio alimentação, abonos e diárias para viagens não são parte do salário. “Ao fazer isso, tecnicamente, a reforma já está rebaixando o ganho econômico do trabalhador, sem contar que está rebaixando também a arrecadação do Estado”, defendeu.
Servidão. Para o ministro, a reforma rebaixa o patamar civilizatório mínimo alcançado pela legislação brasileira. “A jornada intermitente é um contrato de servidão voluntária. O indivíduo simples fica à disposição, na verdade, o seu tempo inteiro ao aguardo de três dias de convocação”, disse. O contrato de jornada intermitente, previsto na reforma, permitirá que o funcionário só trabalhará e receberá, caso a empresa o convoque com três dias de antecedência.
O ministro explicou também que esse tipo de contrato não possibilitará que o trabalhador possa ter crédito bancário, “porque o salário dele é absolutamente desconhecido, nem o empregador sabe, nem ele saberá”.
Outra crítica de Delgado é a regra que prevê que os custos de um processo trabalhista serão divididos entre empresa e funcionário. Se o empregado ganhar seis de dez temas, por exemplo, terá de arcar com os custos do empregador nos outros quatro. 

“Ingressar com ação trabalhista, se aprovada essa fórmula, torna-se um risco terrível para o pobre. Só falta isto: o pobre ainda correr risco de sair com um passivo trabalhista às avessas”, afirmou.