domingo, 1 de maio de 2016

Esquerda nostálgica - CRISTOVAM BUARQUE


O GLOBO - 30/04

‘Esquerda perplexa’ tenta sair dos escombros provocados pela queda do Muro de Berlim


Durante o regime militar havia uma “esquerda de luta” e uma “esquerda festiva”. A primeira fez parte dos movimentos que levaram à conquista da democracia; a última foi decisiva na realização das revoluções estética e comportamental, que ocorreram naqueles anos. Hoje, estão atuantes uma “esquerda nostálgica”, enquanto uma “esquerda perplexa” tenta sair dos escombros provocados pela queda do Muro de Berlim, pela amplitude da globalização, a profundidade da revolução científica, o poder e a universalização dos novos instrumentos de tecnologia da informação; além de tentar se recuperar do constrangimento com a degradação ética e a incompetência dos últimos governos.

Diferente da “esquerda festiva”, que fez revoluções na estética e nos costumes, a “esquerda nostálgica” não contribui para a transformação estrutural da sociedade e da economia; louva o passado, se agarra ao presente e comemora pequenas conquistas assistenciais. Prisioneira de seus dogmas, com preguiça para pensar o novo, com medo do patrulhamento entre seus membros, viciada em recursos financeiros e empregos públicos, a “esquerda nostálgica” parece não perceber o que acontece ao redor. Independentemente das transformações no mundo, no país, nos bairros, continua orientada aos mesmos propósitos elaborados nos séculos XIX e XX, mantém a mesma fidelidade, reverência e idolatria aos líderes do passado, especialmente aqueles que têm o mérito do heroísmo da luta durante o regime militar, mesmo quando não foram capazes de perceber as mudanças no mundo, nem os novos sonhos utópicos para o futuro.

Com nostalgia do passado, reage contra o “espírito do tempo” que exige agir dentro da economia global e romper com a visão de que a estatização é sinônimo de interesse público; não reconhece que a inflação é uma forma de desapropriação do trabalhador; que o progresso material tem limites ecológicos e é construído pela capacidade nacional para criar ciência e tecnologia; que os movimentos sociais e os partidos devem ser independentes, sem financiamentos estatais; ignora que a revolução não está mais na expropriação do capital, está na garantia de escola com a mesma qualidade para o filho do trabalhador e o filho do seu patrão; que a igualdade deve ser assegurada no acesso à saúde e à educação, sem prometer igualdade plena, elusiva, injusta e antilibertária ao não diferenciar as individualidades dos talentos; não assume que a democracia e a liberdade de expressão são valores fundamentais e inegociáveis da sociedade, tanto quanto o compromisso com a verdade e a repulsa à corrupção.

Para sair da perplexidade, uma nova esquerda precisa fugir da nostalgia por siglas partidárias que tiveram a oportunidade de assumir o poder e construir seus projetos, mas traíram a população, os eleitores e a história, tanto na falta de ética, quanto na ausência das transformações sociais prometidas

Três caras que só pensam naquilo - DEMÉTRIO MAGNOLI


FOLHA DE SP - 30/04

"(...) vivem em constante rivalidade, e na situação e atitude dos gladiadores, com as armas assestadas, cada um de olhos fixos no outro; isto é, seus fortes, guarnições e canhões guardando as fronteiras de seus reinos e constantemente com espiões no território de seus vizinhos, o que constitui uma atitude de guerra." A célebre sentença de Hobbes refere-se aos Estados, mas serviria para definir os chefes políticos tucanos. O PSDB renunciou à condição de partido, reduzindo-se a um teatro de guerra permanente entre três caras que só pensam naquilo. Na inauguração do governo Temer, o impasse tucano já não deve ser visto como um problema intestino, mas como aspecto crucial da crise nacional.

A guerra, fria ou declarada, entre Aécio, Serra e Alckmin atravessou a era do lulopetismo, corroendo o tecido do principal partido de oposição. Hoje, quando o reinado lulo-dilmista chega ao fim em meio a incêndios econômicos, políticos e éticos, o conflito trava o PSDB, sabotando uma decisão nítida sobre o engajamento no governo transitório. Sem os tucanos a bordo, a nau de Temer se inclinaria na direção do PMDB de Jucá, Renan, Cunha et caterva, associado a um "centrão" composto por partidos ultrafisiológicos. No lugar de um governo de "união nacional", surgiria um gabinete de salvação das máfias políticas que saltaram de um comboio descarrilhado.

Aécio devastou o capital político acumulado na campanha eleitoral cortejando uma bancada parlamentar irresponsável, que chegou a votar contra o fator previdenciário e estabeleceu um desmoralizante pacto tático com Cunha. Há pouco, declarou-se "desconfortável" com a participação orgânica do PSDB no novo governo. Serra, o incorrigível, preferiu negociar pessoalmente um lugar destacado na Esplanada dos Ministérios. Sonhando delinear um caminho próprio até o Planalto, se preciso pelo atalho do PMDB, ameaça virar as costas a seu partido, entregando-o à confusão. Alckmin, por sua vez, acalenta um projeto presidencial improvável acercando-se do PSB e tricotando com a camarilha político-sindical do Paulinho da Força. Nesse passo, implodiu a campanha tucana à Prefeitura de São Paulo. Hoje, a guerra particular que travam os três gladiadores tem o potencial para complicar a já difícil transição rumo a 2018.

A sorte do governo Temer será jogada no interregno entre a posse provisória e o julgamento final do impeachment no Senado. Uma coleção de notícias econômicas positivas, quase contratadas de antemão, não será suficiente para consolidá-lo. A carência de legitimidade eleitoral precisa ser compensada por iniciativas políticas coladas aos anseios da maioria que repudiou o lulo-dilmismo.

Se fosse um partido, não uma arena de gladiadores, o PSDB trocaria o engajamento integral no governo por um ousado compromisso com a Lava Jato. Exigiria do novo presidente a mobilização imediata da maioria parlamentar para cassar o mandato de Cunha. Conclamaria o governo a encampar o projeto de lei das dez medidas contra a corrupção formulado pelo Ministério Público. Em trilho paralelo, forçaria uma minirreforma política destinada a fechar o rentável negócio da criação de partidos de aluguel. Mas, imerso no seu pântano interno, o PSDB ensaiou fazer o exato oposto disso. No auge de seus exercícios ilusionistas, os tucanos prometeram a Temer um "profundo e corajoso" apoio parlamentar em troca da adesão a uma flácida agenda política. O intercâmbio equivaleria à cessão de um cheque em branco a um governo no qual não se deposita confiança.

Dias atrás, Aécio reuniu-se com Temer e sinalizou uma mudança de rota. "Tínhamos duas opções: lavar as mãos ou ajudar o país a sair da crise", constatou, antes de concluir com um enigmático "vamos dar nossa contribuição". Será, enfim, um indício de que o PSDB avalia a hipótese de fingir que é um partido?

Cinco soluções para o Brasil, por Antonio Prata na FSP


1. Democratizar a corrupção. O maior problema do Brasil não é que se rouba muito, é que se rouba pouco. Ou melhor: enquanto o 0,1% no Land Rover desvia bilhões, os 99,9% que tomam banho de poça no ponto de ônibus se contentam com as migalhas que conseguem surrupiar.
Outro dia a válvula da descarga estava vazando. Ari, o zelador, deu uma olhada, foi ao depósito da esquina, comprou uma borrachinha e me trouxe a nota de R$ 7,50. No dia seguinte fui comprar pregos no mesmo depósito: a borrachinha custava R$ 3,50. Não senti raiva do Ari, senti uma profunda compaixão. Eu vou aos EUA e trago dois iPads na mala, moqueados entre a roupa suja: pilho assim uns R$ 1.500 da Receita Federal. Eduardo Cunha, num único "frila", recebe R$ 4 milhões de Fernando Baiano. Enquanto ao Ari, ao injustiçado Ari, só são dadas condições de desviar R$ 4 da borrachinha do meu lavabo. (A Brahma no Bar e Lanches Sandoval tá R$ 7.)
Democratizar a bandalheira é a forma mais rápida e orgânica de dividirmos renda. O melhor é que não precisa nem ensinar a ninguém as quatro operações ou as regras de acentuação dos ditongos: o brasileiro pobre já sabe roubar como o rico, ele só precisa de igualdade de condições.
2. Há uma década se fala em trazer um técnico estrangeiro para a seleção. E por que não trazer políticos estrangeiros para a nação? Barack Obama está se aposentando. Angela Merkel certamente gostaria de passar uns tempos nos trópicos. Mujica é nosso vizinho. O PSDB quer o parlamentarismo? Ótimo, que compremos logo um parlamento inteiro. Do Reino Unido. Da Noruega. E se nem isso funcionar, só vai ter um jeito: Guardiola para presidente. (Quem duvida que seis meses de tiki-taka na economia –com Iniesta na Fazenda– reanimariam a nossa combalida indústria e criariam uma saraivada de empregos?)
3. Vamos consultar um numerólogo. Assim como Jorge Ben estourou repetindo o começo do nome no fim e virando Jorge Benjor, quem sabe não encontremos nosso caminho ao nos rebatizarmos Brasilbra? Ia atrapalhar um pouco a métrica de "Aquarela do Brasilbra": "Brasilbra, meu Brasilbra Brasilbreiro", mas o que são uns versos tortos ao lado da felicidade de 200 milhões de patrícios?
4. Fuga pro Uruguai. Eles têm uma esquerda que funciona, direitos civis que funcionam, um vinho que funciona, uma carne que funciona, uma maconha que funciona e uma linda capital –que funciona– praticamente vazia a nos esperar.
5. Caso nenhuma das soluções anteriores dê certo, apresento aqui a saída derradeira, saída que serve não só para países em crise política e econômica como para pessoas em crise existencial, emocional, profissional etc e tal: vamos encher a cara. Vamos pegar o que nos resta das reservas nacionais e promover um churrascão contínuo com caipirinha, cerveja, Catuaba e Cynar. Mamemos nas tetas do Estado até que o deficit hepático seja maior do que o deficit orçamentário. Neste dia, já conformados com o fato de que isso tudo não passou de um sonho intenso, de um raio vívido de amor e esperança ao som do mar e à luz do céu profundo, nos deitaremos eternamente em berço esplêndido; as margens fétidas do Ipiranga já não ouvirão mais brado algum e o florão da América, em sempiterno silêncio, será iluminado pelo sol do novo mundo. Pátria amada, hic!, Brasil!