segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Em NY, fomos de porta em porta falar de ciclovias

ENTREVISTA - JANETTE SADIK-KHAN


EX-SECRETÁRIA DE TRANSPORTES DE NOVA YORK CONSTRUIU 587 KM DE ROTAS PARA BIKES EM SEUS SETE ANOS NO CARGO
FABIO BRISOLLADO RIOEm sete anos como secretária de Transportes da cidade de Nova York, Janette Sadik-Khan, 54, construiu 587 km de novas ciclovias.
Assim como o prefeito Fernando Haddad (PT) em São Paulo, a americana encontrou forte resistência de moradores e comerciantes a várias das intervenções propostas para as ruas da cidade.
Comparado ao projeto em curso nas vias paulistanas, o modelo de Nova York tem uma grande diferença na maneira de lidar com as críticas.
Nas contas de Janette, ela organizou 2.000 encontros por ano, em média, para discutir com moradores as rotas das ciclovias e outros projetos. Entre 2007 e 2013, período em que trabalhou no governo do ex-prefeito Michael Bloomberg, manteve a média de 80 km por ano em novas rotas para bicicletas.
"Organizamos reuniões nas casas das pessoas ou mesmo nas calçadas. Fomos de porta em porta falar sobre projetos como as novas ciclovias", disse Janette, que esteve no Rio para participar de encontro do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil).
Por causa das conversas com as comunidades, ela diz que, antes de iniciar as intervenções, fez alterações no programa de ciclovias.
Janette criou ainda faixas expressas para ônibus e interditou trechos em 60 ruas para criar áreas de convivência (uma delas na Times Square).
"Com as ciclovias, você torna a cidade mais segura não apenas para os ciclistas, mas para todos os que estão na rua", acrescentou ela, que hoje é consultora em transportes da Bloomberg Associates, empresa do ex-prefeito.
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Folha - Que tipo de oposição a sra. enfrentou ao iniciar a expansão das ciclovias?
Janette Sadik-Khan - Quando você cogita eliminar uma vaga pública, há sempre o cidadão que reage como se estivesse perdendo um filho. Nosso plano foi conectar uma rede de ciclovias por toda a cidade e isso exigiu mudanças no formato das ruas. Projetamos algumas rotas principais, incluindo nesse trajeto as pontes e tendo a preocupação de criar conexões com áreas comerciais. Não se tratava apenas de construir novas ciclovias. Com as ciclovias, você torna a cidade mais segura não apenas para os ciclistas, mas para todos os que estão na rua.
Qual foi a participação da população nesse processo?
Nos empenhamos em dialogar com comerciantes, moradores e outras partes interessadas. O objetivo era entender a preocupação de cada um. Se o problema era estacionamento, procurávamos alternativas para vagas. Para os caminhões de entrega, pensamos em horários alternativos de embarque e desembarque. Foi um longo caminho para encontrar as soluções adequadas para cada caso. Mesmo assim, sempre existe uma parcela da população contrária a qualquer tipo mudança, que rejeita esse tipo de intervenção do poder público.
Quantas audiências públicas foram feitas antes de executar cada novo trecho de ciclovia?
Foram 2.000 encontros por ano, em média, para ouvir as pessoas a respeito de ciclovias e sobre outros projetos associados ao trânsito.
Mudamos esse conceito de participação popular. Organizamos reuniões nas casas das pessoas ou mesmo nas calçadas. Fomos de porta em porta para falar sobre projetos como as novas ciclovias.
A sra. se surpreendeu com algum tipo de reclamação?
Encontrei oposição às ciclovias no bairro de Williamsburg (no Brooklyn), onde existe uma grande comunidade judaica ortodoxa. Havia entre eles a preocupação de que a ciclovia atraísse meninas, usando saias curtas ao pedalar. Era, portanto, uma questão cultural. Dentro do possível, nós tentamos adequar nossos planos às necessidades das comunidades.
Qual sua sugestão para melhorar o tráfego em São Paulo?
Não conheço São Paulo o suficiente para dizer o que deve ser feito. De uma maneira geral, o principal desafio para qualquer grande cidade é melhorar a qualidade de vida de seus cidadãos, e isso exige investimentos no aumento da rede de metrô, na eficiência do sistema de ônibus urbanos e em soluções como as ciclovias. E, claro, é essencial integrar todo esse conjunto.

    A revolução de jaleco


    Mac Margolis
    São 1,8 mil quilômetros e uma galáxia política que separam Havana de Washington, mas, nos últimos meses, os dois vizinhos distantes das Américas acharam um bom atalho: o combate ao Ebola. Para estancar o vírus insurgente antes que ele se torne uma pandemia, profissionais dos dois países estão trabalhando em parceria na África Ocidental. Isso é um marco. Há poucas décadas, o mesmo continente era um palco de conflito e concorrência ideológica entre os dois rivais da Guerra Fria.
    Cuba enviara tropas e conselheiros aos companheiros africanos para espalhar a revolução socialista e sanar o continente da suposta espoliação americana. Agora, médicos e enfermeiros cubanos trabalham ao lado de soldados e técnicos americanos para que não se espalhe outro contágio. A doença já matou 4,4 mil e ameaça se tornar uma emergência global.
    Dizem que catástrofes são oportunidades. Quem sabe esse não poderia ser o primeiro passo para que os dois países sepultem seu estranhamento diplomático que se alastra há meio século, muito além de seu prazo de validade. Ninguém imagina que uma comitiva de médicos possa compensar os estragos e feridas da ditadura mais longeva da história da América Latina. No entanto, se há caminho de retorno à civilidade democrática da ilha pária das Américas, bem que poderia passar pela ponte da diplomacia de jaleco cubano.
    Desde 1960, a ilha já enviou 135 mil profissionais de saúde para atender emergências em 66 países. Sim, servem de agentes baratos do marketing castrista, ansioso para amaciar a mão de ferro com luvas humanitárias. No entanto, o médico itinerante cubano já se tornou uma marca global, muito maior do que a revolução enferma que o pariu. À convocação das Nações Unidos para responder ao vírus letal, Cuba se destacou. Enquanto os países ricos dedicaram dinheiro e soldados "de compaixão" aos países aflitos, Cuba despachou médicos.
    Já são mais de 265 cubanos no oeste africano, entre médicos, enfermeiros e infectologistas, e Havana garante que esse número deve dobrar. A missão cubana mereceu aplausos internacionais da ONU, da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de ONGs, como a Médicos Sem Fronteiras. Também arrancou elogios de autoridades dos Estados Unidos, inimigo visceral de Cuba desde 1961.
    O Secretário de Estado americano, John Kerry, destacou a "impressionante" iniciativa de Cuba, "um país de apenas 11 milhões de habitantes", enquanto a embaixadora dos EUA na ONU, Samantha Power, disse que está "muito agradecida" pela parceria.
    Cuba devolveu a gentileza com um artigo do próprio Fidel Castro, A Hora do Dever, publicado na imprensa da ilha, que ganhou asas pela internet. "Com prazer cooperaremos com os americanos nessa tarefa, senão pela paz entre os dois Estados, adversários há muitos anos, senão pela paz mundial", escreveu o ex-ditador, afastado do poder há oito anos e cujo filho preferido, Antonio, médico de profissão, também está de malas prontas para África.
    Frente a tamanhos galanteios, seria fácil imaginar que o cinquentenário embargo americano à ilha, o último ato do desgastado roteiro da Guerra Fria, já estivesse caduco. Não está, como lembrou a deputada republicana Ileana Ros-Lehtinen, porta-voz da agressiva bancada anticastrista do Congresso dos EUA.
    Ela classificou a diplomacia sanitária de Fidel de "propaganda dissimulada" e advertiu que a pareceria ainda poderia expor os EUA ao risco do contágio, via Flórida. Nos manuais da medicina, Ebola é um vírus emergente, altamente contagioso, que provoca febres severas e hemorragias fatais. Pelo jeito, também atropela o raciocínio e provoca súbita surdez na classe política - temporária ou não, ainda não se sabe.
    *Mac Margolis é colaborador da 'Bloomberg View e colunista do 'Estado' 

    Mais sol para todos, por Celso Ming


    CELSO MING
    08 Novembro 2014 | 16:00

    O Brasil é uma terra ensolarada, mas essa energia de graça é subaproveitada; A fonte solar contribui com apenas 0,01% da matriz de energia elétrica do País

    O Brasil é uma terra ensolarada, mas essa energia de graça é subaproveitada. A fonte solar contribui com apenas 0,01% da matriz de energia elétrica do País (veja o gráfico abaixo).
    Não é difícil de entender por que isso acontece. Os equipamentos por meio dos quais essa energia é captada, as tais placas fotovoltaicas, são caros. São equipamentos importados e, por isso, sujeitos à variação cambial.
    Isso já configura um jogo viciado. A energia solar é de alto custo porque não tem escala de produção e não tem escala porque é de alto custo. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) se propôs a quebrar essa escrita, por meio da fixação de um preço mais alto a ser pago ao produtor de energia solar. No último leilão, realizado no dia 31 de outubro, garantiu a compra do megawatt/hora (MWh) a R$ 262, substancialmente mais alto do que os R$ 144 pagos pelo MWh produzido por fonte eólica. O leilão foi um sucesso. Os futuros fornecedores se comprometeram a entregar o MWh por R$ 215,12 (deságio de 17,9%). Falta saber se a iniciativa estimulará os produtores mundiais a se instalarem no Brasil e, assim, a produzir placas fotovoltaicas a preços mais baixos.
    EnergiaOrigem6nov
    Mas esse segmento atacadista talvez não seja o de maior potencial. Quem olha a cidade de São Paulo de cima enxerga uma imensidão de telhados de indústrias, supermercados, shopping centers e, obviamente, também de casas e edifícios. Se nesses espaços fossem instaladas placas fotovoltaicas, a economia de energia elétrica poderia ser enorme e a escala de produção desses equipamentos ainda maior.
    Mas, outra vez, entra o problema do custo. Uma instalação de 15 m², suficiente para abastecer de energia elétrica uma casa de quatro pessoas, não sai por menos de R$ 12 mil. Só com o abatimento na conta de luz, o valor pode ser amortizado em cerca de sete anos, de acordo com os cálculos do coordenador do Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina, Ricardo Ruther.
    É um custo inicial alto quando comparado com o de apenas pedir a ligação externa da concessionária local. Por isso, o professor de engenharia elétrica da Universidade de Brasília (UnB) Rafael Shayani sugere que o governo arme um projeto que dê estímulos a esses microgeradores, ou seja, às pessoas ou empresas que optarem pela energia solar. Pode ser boa opção que dispensaria novas termoelétricas e muitos quilômetros mais de linhas de transmissão, num quadro de crescente incerteza que envolve o setor de energia elétrica no Brasil.
    Para isso, não é preciso começar do zero. Desde 2012, a Resolução 482 da Aneel obriga as distribuidoras de energia a integrar à sua própria rede aqueles que instalarem painéis de energia solar. O sistema é de compensação. Relógios especiais medem a energia gerada (e repassada à rede) e a consumida (tomada da distribuidora) para calcular a conta de luz destas residências. Hoje, dos 259 geradores de energia solar no País, 234 são microgeradores e operam nessas condições.
    Esse mecanismo, no entanto, contém uma aberração: na maioria dos Estados o microgerador paga ICMS até mesmo sobre a energia elétrica gerada.
    CONFIRA:
    Em Campo Grande, o militar aposentado João Eudes da Silva, de 51 anos, usa energia solar há dois anos e, com isso, tem uma economia mensal na conta de luz de R$ 400. “A instalação custou R$ 18 mil, mas em cinco anos e meio já terei o retorno do investimento”. Ele pretende dobrar sua capacidade de geração de energia solar.
    Valeu
    Em uma cobertura em Niterói, no Rio de Janeiro, Pedro Peres Filho, de 86 anos, decidiu instalar um teto solar. Pela segunda vez seguida, a conta de luz que vinha acima dos R$ 400, veio em torno dos R$ 90. O investimento foi de quase R$ 30 mil. Peres acha que valeu a pena.
    Confuso
    A ginecologista Leila Maria Fróes, de 55 anos, instalou um teto solar na sua casa, onde funciona também seu consultório, em Ribeirão Preto. Em média, consegue economia de 50% na conta de luz: “Foi também uma opção ambiental. Mas fico confusa sobre as contas. Esse mês, por exemplo, paguei R$ 100 de imposto”, diz a médica que fez um investimento de R$25 mil. / COLABOROU LAURA MAIA