São 1,8 mil quilômetros e uma galáxia política que separam Havana de Washington, mas, nos últimos meses, os dois vizinhos distantes das Américas acharam um bom atalho: o combate ao Ebola. Para estancar o vírus insurgente antes que ele se torne uma pandemia, profissionais dos dois países estão trabalhando em parceria na África Ocidental. Isso é um marco. Há poucas décadas, o mesmo continente era um palco de conflito e concorrência ideológica entre os dois rivais da Guerra Fria.
Cuba enviara tropas e conselheiros aos companheiros africanos para espalhar a revolução socialista e sanar o continente da suposta espoliação americana. Agora, médicos e enfermeiros cubanos trabalham ao lado de soldados e técnicos americanos para que não se espalhe outro contágio. A doença já matou 4,4 mil e ameaça se tornar uma emergência global.
Dizem que catástrofes são oportunidades. Quem sabe esse não poderia ser o primeiro passo para que os dois países sepultem seu estranhamento diplomático que se alastra há meio século, muito além de seu prazo de validade. Ninguém imagina que uma comitiva de médicos possa compensar os estragos e feridas da ditadura mais longeva da história da América Latina. No entanto, se há caminho de retorno à civilidade democrática da ilha pária das Américas, bem que poderia passar pela ponte da diplomacia de jaleco cubano.
Desde 1960, a ilha já enviou 135 mil profissionais de saúde para atender emergências em 66 países. Sim, servem de agentes baratos do marketing castrista, ansioso para amaciar a mão de ferro com luvas humanitárias. No entanto, o médico itinerante cubano já se tornou uma marca global, muito maior do que a revolução enferma que o pariu. À convocação das Nações Unidos para responder ao vírus letal, Cuba se destacou. Enquanto os países ricos dedicaram dinheiro e soldados "de compaixão" aos países aflitos, Cuba despachou médicos.
Já são mais de 265 cubanos no oeste africano, entre médicos, enfermeiros e infectologistas, e Havana garante que esse número deve dobrar. A missão cubana mereceu aplausos internacionais da ONU, da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de ONGs, como a Médicos Sem Fronteiras. Também arrancou elogios de autoridades dos Estados Unidos, inimigo visceral de Cuba desde 1961.
O Secretário de Estado americano, John Kerry, destacou a "impressionante" iniciativa de Cuba, "um país de apenas 11 milhões de habitantes", enquanto a embaixadora dos EUA na ONU, Samantha Power, disse que está "muito agradecida" pela parceria.
Cuba devolveu a gentileza com um artigo do próprio Fidel Castro, A Hora do Dever, publicado na imprensa da ilha, que ganhou asas pela internet. "Com prazer cooperaremos com os americanos nessa tarefa, senão pela paz entre os dois Estados, adversários há muitos anos, senão pela paz mundial", escreveu o ex-ditador, afastado do poder há oito anos e cujo filho preferido, Antonio, médico de profissão, também está de malas prontas para África.
Frente a tamanhos galanteios, seria fácil imaginar que o cinquentenário embargo americano à ilha, o último ato do desgastado roteiro da Guerra Fria, já estivesse caduco. Não está, como lembrou a deputada republicana Ileana Ros-Lehtinen, porta-voz da agressiva bancada anticastrista do Congresso dos EUA.
Ela classificou a diplomacia sanitária de Fidel de "propaganda dissimulada" e advertiu que a pareceria ainda poderia expor os EUA ao risco do contágio, via Flórida. Nos manuais da medicina, Ebola é um vírus emergente, altamente contagioso, que provoca febres severas e hemorragias fatais. Pelo jeito, também atropela o raciocínio e provoca súbita surdez na classe política - temporária ou não, ainda não se sabe.
*Mac Margolis é colaborador da 'Bloomberg View e colunista do 'Estado'
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