segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Um conselho a Tancredo - RUBENS RICUPERO


FOLHA DE SP - 10/11

Dilma parece não ver a importância de uma boa gestão econômica e deve repetir erros do passado


"Escolha um bom ministro da Economia e 80% de seus problemas estarão resolvidos."

Foi com esse conselho que o então primeiro-ministro Felipe González respondeu à pergunta de Tancredo Neves sobre o segredo do êxito do governo espanhol. Na viagem de janeiro de 1985, antes da posse que nunca haveria, o presidente eleito fizera uma escala não prevista em Madri. Aécio Neves estava com ele e deve ter ouvido o conselho.

Se a presidente Dilma recebeu conselho igual, não parece ter pressa de segui-lo. Ou pensa que não tem a menor importância.

Afinal, seja qual for o nome escolhido, é provável que o verdadeiro ministro continue a se chamar Dilma Rousseff. Quem leu as longas entrevistas publicadas na sexta (7) só pode tirar uma conclusão: são entrevistas de ministro da Fazenda.

O que sobra para o ansiado ministro, rearranjar os móveis no tombadilho do Titanic? Não há nada nas declarações à imprensa nem nas vivas reações sarcásticas às interpelações críticas dos jornalistas que indique mudança de temperamento, atitude ou orientação.

Engana-se ou ilude-se quem quiser ou enquanto puder.

Com efeito, a única surpresa nas entrevistas fica por conta da indefinição quanto aos cortes de gastos: "Vamos [...] ver o que dá para reduzir". Ou sobre a meta de superavit primário: "Ainda estamos fazendo estudos (para saber) o que vai ser".

Seria de imaginar que quatro anos no governo é tempo mais que suficiente para saber onde cortar ou qual é o superavit possível.

O resto dá a impressão de que a campanha não terminou. Nada há de errado com a economia, não existe queda de confiança dos empresários, a criação de emprego não está caindo, reduzir o número de ministérios é "lorota", da mesma forma que mudar a meta de inflação.

Nossos problemas vêm ou da deflação lá fora ou da seca aqui dentro. Não há tarifas represadas nem dificuldades no setor elétrico. Tampouco é verdade que alguns países latino-americanos crescem mais que nós.

Trata-se de demonstração de obstinada negação da realidade. É perfeita a continuidade com o que temos visto ao longo dos quatro anos ou na propaganda de campanha. Nesse sentido, as entrevistas são de uma coerência admirável. Ou talvez se devesse dizer assustadora.

O que não se consegue vislumbrar é onde está a mudança.

Cada vez parece mais claro que o governo não venceu, apenas repetiu de ano. Ou melhor, passou com nota raspando. Passou com um cacho interminável de dependências. Sua nota não deu para passar em inúmeras disciplinas: crescimento, inflação, superávit primário do Orçamento, dívida pública e líquida, saldo comercial, deficit em conta corrente, crise da indústria, taxa de investimento, taxa de poupança etc.

Na eleição de Lula em 2002 houve pânico pelo desconhecido. Seria o caso hoje de passar a ter medo do demasiado conhecido?

Ou existe alguma razão escondida para crer que o governo-aluno repetente, que não fez a lição de casa, que colou na prova de superavit primário com truques contábeis, agora que os professores são mais severos e as matérias mais difíceis, vai se tornar o primeiro da classe?

Cheiro de enxofre - LUÍS EDUARDO ASSIS


O ESTADO DE S.PAULO - 10/11


Pode ser um local físico ou meramente um estado de infinita desolação espiritual, mas todas as religiões têm um inferno para chamar de seu. Pela necessidade de separá-lo completamente do céu e provavelmente pela conveniência no fornecimento energético, várias culturas localizaram o inferno nas entranhas da Terra. Mas o fogo do inferno não consome o que queima, para que a dor seja interminável. Na tradição cristã, o inferno implica sofrimento atroz e eterno, o que não ocorre nas crenças que admitem a reencarnação. No inferno hindu, por exemplo, os apenados poderão retornar à vida depois de milhões de anos de suprema danação, mas na forma de insetos ou répteis, o que é pouco animador. No inferno, não há boas notícias.

Por aqui também não. A conta que chega neste final de ano é alta. O déficit em transações correntes alcançou US$ 83,6 bilhões no acumulado de 12 meses até setembro, o valor mais alto da História. O saldo devedor da balança comercial de outubro foi o mais alto para esse mês desde 1998. As contas públicas, por sua vez, registraram um déficit primário recorde de R$ 25,5 bilhões em setembro. Nos primeiros nove meses do ano, o saldo negativo foi de R$ 15,3 bilhões. Foi a primeira vez que isso aconteceu. O déficit nominal bateu em R$ 69,4 bilhões, o triplo do mesmo mês do ano passado, 4,92% do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos 12 meses, o maior rombo desde dezembro de 2003. A produção industrial em setembro recuou novamente e ficou 1,7% abaixo do volume de setembro de 2008. A produção de carros em 2014 caiu 16%. No mercado de trabalho formal, o saldo acumulado nos últimos 12 meses, até setembro, foi de 423 mil contratações líquidas, apenas 40% da média dos últimos três anos. Como as admissões apresentam tendência de queda e as demissões continuam crescendo, não demorará para esse saldo ficar negativo. Um modelo de amortecimento exponencial duplo indica que já em abril de 2015 o total acumulado de demissões superará o número de contratações, derrubando o último bastião da atual política econômica.

Mas talvez esse cenário sombrio possa ser compensado pelas condições internacionais mais favoráveis - quem sabe a recuperação da economia internacional possa aspergir algumas gotas de orvalho que aliviem as chamas onde são imolados os erros do passado recente? Não, ao contrário. O que vem de fora é uma aragem que só vai atiçar ainda mais as labaredas.

Trabalho recente de economistas da PUC-RJ (A Década Perdida: 2003-2012, V. Carrasco, J. M. Mello e I. Duarte) busca demonstrar que, mesmo quando o quadro internacional foi extremamente favorável para nós, o Brasil cresceu menos, teve mais inflação, investiu menos e avançou menos na escolaridade, quando comparado com outros países emergentes que formam seu grupo de referência.

Quando era mais fácil, tiramos pouco proveito da situação. Mas agora será mais difícil. Os juros internacionais devem aumentar, a economia chinesa desacelera e apresenta o menor crescimento desde 2009 e as cotações das commodities caíram mais de 7% nos últimos 12 meses, até setembro, e retornaram aos níveis de julho de 2007. A zona do euro, por sua vez, flerta com a deflação e está prestes a entrar na sua terceira recessão em seis anos.

Mais fogo. Se o cenário internacional não refresca o calor do inferno - pensariam os otimistas compulsivos -, o alívio, então, poderia vir de uma conjuntura política interna que pudesse apoiar o governo em reformas importantes, criando condições para a aceleração do crescimento. Aqui, no entanto, o risco é de jogarem gasolina nas labaredas. A presidente Dilma Rousseff assume seu segundo mandato no momento em que se engendra uma crise política histórica no País. A coincidência entre a investigação do escândalo da Petrobrás, o fortalecimento da oposição, a formação do embrião de um partido de extrema direita e o enfraquecimento da base parlamentar que apoia o governo promete elevar a temperatura.

Atravessar esses rios de lava não será fácil. Vai ser preciso liberar preços represados, porém isso pressiona a inflação, o que ainda pode piorar com a tendência de desvalorização cambial no rastro do déficit em transações correntes. Inflação mais alta exige juros elevados, o que concentra a renda e pede uma política fiscal austera, mas isso entra em conflito com a base do governo no Congresso Nacional, que quer crescimento, o que não será viável sem investimentos, que ficam inviabilizados pelo crescente déficit público.

O governo poderia aumentar impostos, mas neste caso quem vai chiar é a oposição, que está muito à vontade para exigir tudo de bom, ao mesmo tempo. No meio do caminho, o Congresso pode ainda criar obstáculos para a nova regulação do salário mínimo, acabar com o fator previdenciário, além de já ter cortado os juros de Estados e municípios, o que fragiliza ainda mais as contas do Tesouro Nacional. Escolher um ministro da Fazenda palatável melhora os ânimos, mas não é suficiente para corrigir essas graves distorções.

Durante a campanha deste ano, a presidente Dilma afirmou que se pode fazer "o diabo" quando é hora de eleição. Tudo sugere que, daqui em diante, teremos entre nós a calorosa companhia do tinhoso. A política econômica recente cometeu o pecado de assassinar a lógica, nos termos em que coloca Jamie Whyte (Crimes Against Logic, 2004). Agora pagaremos todos nós, inocentes ou pecadores.

Se tudo der certo, teremos mais quatro anos de crescimento variando entre modesto e medíocre. No segundo mandato o raio de manobra será mais estreito, os riscos serão maiores e as consequências, mais graves. Melhor moderar as expectativas e poupar nosso pessimismo - precisaremos muito dele logo mais. Como disse Dante, voi che qui entrate, lasciate ogni speranza.

Cervejarias investem para economizar água


PAULA FELIX - O ESTADO DE S.PAULO
10 Novembro 2014 | 02h 03

Adoção de programas de reúso tem sido uma das alternativas das fabricantes de cerveja para diminuir o consumo de água até pela metade

A água tem importância capital na elaboração e no processo de produção da cerveja. Mas, em tempos de crise hídrica, as cervejarias, principalmente as artesanais, estão encontrando alternativas para economizar água sem perder a qualidade do produto.
As mudanças na cervejaria Burgman, localizada em Sorocaba, no interior paulista, começaram em janeiro. O primeiro passo foi reaproveitar a água usada para resfriar o mosto, mistura de malte com outros componentes e água quente. "Para fazer o resfriamento, usamos três a quatro litros de água para cada litro de mosto. A gente já sofria com uma crise d'água em termos de produção", explica o mestre-cervejeiro Alexandre Sigolo.
Segundo ele, embora tenha poço artesiano, a empresa não estava com água suficiente para dar conta do ritmo de produção da cervejaria na época. Mas havia outro ponto de desperdício que precisava ser solucionado. "O processo de envase consome muita água. No envase de 4 mil garrafas, gastamos de 300 a 400 ml de água por garrafa. Há dois ou três meses, começamos a reaproveitar essa água também."
Com a instalação de uma tubulação para transportar a água do resfriamento do mosto e do envase para reservatórios dentro da empresa, por meio de um investimento de R$ 25 mil, a Burgman conseguiu economizar 380 mil dos 700 mil litros de água que usa durante o mês. A produção mensal é de 100 mil litros de cerveja.
A Cervejaria Nacional, localizada em Pinheiros, na zona oeste da capital, apostou no reaproveitamento da água do resfriamento do mosto e do enxágue dos tanques.
"Conseguimos até desconto na tarifa pela diminuição no consumo. O consumo mensal para produção dos chopes é de 40 mil litros. Com a implantação desse sistema, a economia é de cerca de 20 mil litros", diz o mestre-cervejeiro Guilherme Hoffmann.
Consciência. Mesmo sem sentir os efeitos da crise, a cervejaria Invicta, de Ribeirão Preto, também no interior paulista, adotou medidas de economia. "Temos reaproveitamento de água em todos as etapas do processo. Tomamos todo o cuidado com nosso principal insumo, afinal, 94% da cerveja pronta é água. Sabemos da importância e o quanto a falta dela seria fatal para nossa sobrevivência", conta o mestre-cervejeiro Rodrigo Silveira. A economia de água é de 20% a 30%.
Também localizada em Ribeirão Preto, a Cervejaria Colorado já está pensando no futuro e vai implementar o conceito de economia em sua futura fábrica, que está em construção. Seguindo a estratégia das demais cervejarias, a reutilização de água está focada nas etapas de resfriamento do mosto e de lavagem dos tanques.
"Para a construção do galpão da nossa nova fábrica, que está em andamento, já instalamos um tanque para captação de água da chuva, que será reutilizada para limpeza e irrigação de plantas", explica a mestre-cervejeira e gerente industrial Bianca Franzini .
Bianca destaca a importância da água para a produção de uma cerveja de qualidade. "A água é primordial no processo produtivo de cervejas de qualidade. Ela vai garantir a base da elaboração da receita, a melhor extração dos componentes das matérias-primas e não deve ter interferência de sabor ou aroma no produto final."