terça-feira, 9 de setembro de 2014

Crise de confiança - PAULO GUEDES


O GLOBO - 08/09

O escândalo da Petrobras revela o desvirtuamento das empresas estatais e aumenta a indignação com a velha política
A confissão da roubalheira na Petrobras é mais uma contundente evidência da vergonhosa degeneração de nossas práticas políticas. A delação de importantes lideranças políticas, grandes empreiteiros e partidos da base de sustentação do governo que estariam envolvidos em bilionário esquema de corrupção é uma bomba eleitoral a atingir a candidatura de Dilma Rousseff. "É um novo Mensalão. Estamos disputando estas eleições contra um grupo que usa o dinheiro sujo da corrupção e assalta nossas empresas públicas para se manter no poder", acusa o candidato Aécio Neves.
Há uma enorme crise de confiança no establishment. Essa crise se desdobra em duas dimensões. A primeira é a dimensão política, a perda de confiança e a indignação com as práticas de governabilidade que alimentam uma interminável sucessão de escândalos. O Supremo tribunal Federal, sob a presidência de Lewandovski, afirmará nesta crise da Petrobras a independência do Judiciário exercida por Joaquim Barbosa no episódio do Mensalão? A indignação dos eleitores com a velha política derrubará um establishment que perdeu a decência no trato da coisa pública, buscando a regeneração pelas urnas? 
A segunda dimensão desta enorme crise de confiança já se instalou há tempos na economia. A ponto de o candidato tucano ter indicado antecipadamente Armínio Fraga como seu futuro superministro da área econômica. O que levou Dilma a garantir a não permanência de Guido Mantega. Marina Silva, ainda surfando na onda de desconfiança na velha política, não precisou se comprometer com nomes específicos, mas teve de assegurar a estabilidade monetária, a responsabilidade fiscal e a flutuação cambial.

Em meados do ano passado, em meio à inflação elevada e ao baixo crescimento, examinei um corolário da insatisfação dos eleitores de uma sociedade aberta com a perspectiva de anos de estagflação: "Ou a equipe econômica muda sua política, ou a presidente muda a equipe, ou o país vai mudar de presidente." O escândalo da Petrobras agudiza a crise de confiança na velha política. Agrava também a crise de confiança na economia ao revelar o desvirtuamento da atuação das empresas estatais. Malfeitos nas dimensões da ética e da economia podem derrubar as intenções de voto em Dilma nesta reta final.

A delação e seu preço, por Jânio de Freitas



Delação premiada é um importante recurso investigatório. É também um deplorável retrocesso judicial.
Já em sua criação, e com reafirmações a cada um dos seus usos, a delação premiada diz mal da polícia e do Ministério Público. Sua premissa é a da insuficiência desses setores, seja de que ordem for, para chegar por seus próprios meios aos resultados deles esperados em certos casos criminais. Leva, como saída para o problema, a uma associação do Estado ao suspeito ou acusado, em vez de partes opostas.
Assim como pode levar a identificações e punições antes improváveis, a delação premiada é uma compra de informações, paga com doses convincentes de liberdade, que conduz à valorização da impunidade. Assegurada antes mesmo do julgamento. Não deixa de ser uma negação do princípio institucional de justiça.
O autor da delação premiada é alguém que se sabe comprometido o suficiente para receber uma punição com provável dureza. Trata-se de alguém que está jogando com elementos essenciais de sua vida, em busca de salvá-los. Não pode ser, em tal circunstância, portador de credibilidade absoluta. Em princípio, nem mesmo parcial. Mais do que ser verdadeiro, interessa-lhe satisfazer as expectativas dos detentores de sua liberdade.
O que dá ou nega veracidade à delação premiada são as investigações subsequentes, no intuito de comprová-la, e, se houver, o exame de material dado pelo depoente. Até que essa etapa seja concluída, a delação premiada é um conjunto de palavras e nomes desprovido do lastro de seriedade.
Paulo Roberto Costa tem tanto dinheiro para gozar o futuro quanto não tem futuro para gozar o dinheiro. Neste momento, tudo em sua vida é inversamente proporcional, até o sentido mesmo de delação premiada. Está jogando tudo, então. O quanto é veraz ou falseia, não se sabe. Ainda, talvez.
Mas é assim que o mais importante na campanha para presidente da República passa a ser o que Paulo Roberto Costa disse, sem que se saiba quanto vale o que disse.
Ou melhor, alguns sabem. É o caso do candidato Aécio Neves, de quem se ouviu que "Dilma não pode mais dizer que não sabia". Se sabia e não evitou, o que Aécio Neves diz é que Dilma foi cúmplice do que Paulo Roberto Costa denuncia em outros, seja o que for. Por ter sido ministra e presidente do Conselho de Administração da Petrobras e ser presidente. Dizer que fez vista grossa é, também, meia maneira de dizer que Dilma sabia, logo, é cúmplice.
A corrupção no governo de São Paulo, envolvendo negócios de metrô e trens, aconteceu nas salas mais próximas do gabinete de mais de um governador. Entre eles, para dar um exemplo, Mário Covas. E daí? Nunca ouvi alguém ao menos admitir que Mário Covas soubesse daquela demorada corrupção por ser o governador quando, no ambiente do seu gabinete, pessoas da sua confiança a traíam, em negociatas. E se alguém insinuar algo semelhante de Mário Covas, sem dúvida é um tipo abjeto. Não sei se também aos olhos de Aécio Neves.
Vários dos citados na imprensa como acusados, na pretendida delação premiada de Paulo Roberto Costa, não deram resposta imediata. Um, não poderia dá-la. Nisso estava motivo bastante para que Eduardo Campos não fosse posto publicamente como acusado de corrupção, em negócios com a Petrobras, sem a apresentação sequer de um indício.
Paulo Roberto Costa tem muito a dizer. E, para que diga publicamente, dispensam-se fundamentações. 
janio de freitas
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos, terças e quintas-feiras.

Vista grossa - VALDO CRUZ


FOLHA DE SP - 08/09


BRASÍLIA - De como funcionava o esquema, pelo visto, ela não sabia. De detalhes, também não. Mas ela sabia que a pedra preciosa de seu governo estava sendo dilapidada por grupos nada republicanos.

Sua margem de manobra, contudo, era estreita no início de seu mandato. Tanto que, a princípio, deixou tudo como havia herdado de seu antecessor e criador. Aos poucos, porém, fez uma limpeza na área.

Não por outro motivo virou alvo da ira de petistas e peemedebistas, acostumados com as benesses milionárias da Petrobras, símbolo da política de Estado forte na economia da presidente Dilma Rousseff.

Daí que ninguém no Palácio do Planalto pode se dizer surpreendido com as revelações da delação premiada do ex-diretor da estatal Paulo Roberto da Costa. Talvez com sua magnitude e nomes envolvidos.

Por que, então, o governo Dilma não mandou fazer uma auditoria geral na empresa? Um amigo responde: a ela nunca chegou denúncia de um esquema concreto, mas a presidente fez o que estava a seu alcance. Mudou toda diretoria.

Um empresário diz que ela fez mais. Contratos suspeitos foram revistos e tiveram valores reduzidos. Por que não foram investigados? Aí a resposta talvez esteja nos compromissos entre criador e criatura.

Pessoalmente, o risco de envolvimento da presidente Dilma com o esquema é inexistente. Sua conduta foi no sentido contrário. Fica a dúvida se a petista não fez vista grossa diante de negócios bem suspeitos.

Tal questão será explorada na eleição. Potencial para causar estragos na candidatura petista ela tem. Dilma mandava na Petrobras --como ministra da Casa Civil e, depois, como presidente da República.

Enfim, as negociatas na Petrobras eram um escândalo à espera de um delator. Seus sócios confiavam que nenhum louco estouraria esquema tão rentável, mas surgiu um preso sem vocação para virar um novo Marcos Valério no país.