terça-feira, 9 de setembro de 2014

Fim de ciclo, do Blog do Fábio Giambiagi

Quem estuda a História do Brasil percebe claramente a existência de ciclos, que se alternam nas fases de prosperidade e de problemas. Sem retroagir a épocas mais antigas, já que não há espaço aqui para analisar, podemos dividir o desenvolvimento no período do pós-guerra, ou seja, praticamente os últimos 70 anos de nossa vida como nação, nas seguintes etapas, com alguma arbitrariedade tanto na periodização, como na escolha do “título” associado a cada fase:
— 1946/55. “Imediato pós-guerra”. São os anos nos quais o país procura a sua inserção depois da Segunda Guerra Mundial e que foram caracterizados por bons níveis de crescimento, inflação crescente e muita turbulência política, tendo como marco o suicídio de Getúlio.
— 1956/60. “Euforia de JK”. É o período em que o Brasil se descobre “vocacionado para o crescimento”, quando de certa forma se cria o que se poderia denominar de “mística do desenvolvimento”, com grande dose de otimismo quanto ao futuro, mas um grande acúmulo de problemas fiscais, monetários e de Balanço de Pagamentos.
—1961/63. “Anos de crise”. É um período em que nada dá certo para o país, com sucessivas crises políticas, alta instabilidade, inflação explosiva etc.
— 1964/67. “Ajustamento do Paeg”. É quando o regime militar lança o Plano de Ação Econômica do Governo e promove reformas que acabaram gerando um forte crescimento posterior.
— 1968/73. “Milagre”. É o período de boom do governo militar, com fortíssimo crescimento da economia.
— 1974/80. “Anos do II PND”. Período do II Plano Nacional de Desenvolvimento — que, a rigor, vai até 1979, mas cuja periodização aqui esticamos mais um ano — com substituição de importações e grande acúmulo de dívida externa.
— 1981/1994. “Anos de crise” (novamente). É um período muito conturbado, que abrange a “década perdida” dos 80, uma hiperinflação reprimida, cinco planos fracassados de estabilização e o esgotamento do modelo de desenvolvimento posterior à crise de 1930.
— 1995/2003. “Estabilização com baixo crescimento.” São os primeiros anos da estabilização, com esforço de ajuste fiscal, forte controle monetário e reformas estruturais, mas no contexto de várias crises mundiais e baixo crescimento econômico.
Depois de 2003, inicia-se no Brasil um novo ciclo, caracterizado pela combinação de quatro circunstâncias excepcionais, nem todas presentes desde o começo, mas que foram se acentuando na segunda metade da década passada: a) elevados preços das commodities; b) taxa de juros internacionais excepcionalmente baixas; c) existência de um grande contingente inicial de trabalhadores desempregados; e d) apreciação cambial. Diante disso, foi possível ao país crescer, mas sem pressionar muito as suas contas externas — uma vez que o maior crescimento das importações era mitigado pela evolução dos termos de troca — ao mesmo tempo que havia financiamento externo abundante e barato, ampla disponibilidade de trabalhadores para crescer mesmo sendo nossa produtividade baixa e tudo isso sem alimentar a inflação, pela ajuda de um câmbio favorável.
Brasil viveu alguns ‘anos dourados’, exceção feita ao curto intervalo da crise do fim de 2008, com efeitos no resultado anual de 2009 e rapidamente revertidos
Nesse contexto, o Brasil viveu alguns “anos dourados”, exceção feita ao curto intervalo da crise do fim de 2008, com efeitos no resultado anual de 2009 e rapidamente revertidos. O governo Dilma Rousseff correspondeu ao fim desse ciclo, uma vez que as circunstâncias foram sendo modificadas, a saber: a) o preço das commodities, tudo indica, bateu no teto; b) a elevação dos juros internacionais nesta década já começou a entrar no radar; c) o desemprego caiu até o piso; e d) a queda da cotação R$/US$ pertence claramente ao passado.
Diante disso, o software adotado para fazer a economia crescer depois de 2003 — baseado em injeções de demanda — e passando por cima de diferenças importantes entre a condução da economia antes e depois de 2005 com a troca de guarda no Ministério da Fazenda, claramente não serve mais. A “etapa fácil” do crescimento se esgotou. O Brasil vive um fim de ciclo, similar de certa forma ao do fim dos anos 70, no sentido de que o que serviu durante anos não serve mais. Chegou o momento do investimento em infraestrutura, da educação de qualidade e dos aumentos de produtividade. Sem isso, no mundo de hoje, o país estará fora do jogo. O desafio é enorme.
Fonte: O Globo, 11/08/2014

A vida e nosso tempo - FABIO GIAMBIAGI (definitivo)


O GLOBO - 08/09


Vivemos em um país onde o Executivo não executa, o Legislativo não legisla e a Justiça não julga. O Brasil clama por reformas. Não podemos continuar a perder tempo


Nasci em 1962 e tenho 52 anos. Creio que o espírito do que vou expressar é representativo de uma parte da geração que vai dos 40 aos 70 anos e que acompanha de perto os problemas do país. Por que essa faixa etária? Porque antes dos 40 o tempo tende a ser visto como infinito na vida do jovem. Já depois dos 70, são poucos os que contarão ainda 20 ou 25 anos de caminhada pela frente. O grupo etário entre 40 e 70 anos representava 19% da população em 1980 e hoje é de 30%. Trata-se de um contingente expressivo.

Sendo filho dos anos 60, vivenciei alguns momentos importantes e esperançosos da vida nacional: a luta pela anistia no fim dos anos 70 e a expectativa pelo retorno dos exilados; a campanha pelas eleições diretas em 1984 e a consequente eleição de Tancredo no Colégio Eleitoral, pondo fim ao ciclo de mais de 20 anos de governos militares; as passeatas pelo impeachment de Collor em 1992; e os primeiros passos da estabilização em meados dos anos 90. Finalmente, acompanhei com interesse cívico a eleição de Lula em 2002 e o processo político-social da década passada, caracterizado como uma etapa de inclusão social e que explica a elevada popularidade com que ele concluiu sua gestão em 2010.

Cada uma dessas etapas da vida do país testemunhou avanços: com a anistia e o retorno dos exilados, encerrou-se uma etapa de segregação entre brasileiros; o fim do regime militar distendeu a vida do país e em 1989 levou à retomada das eleições diretas para presidente depois de quase 30 anos; os eventos políticos de 1992, conquanto expressassem um arrependimento amargo da maioria da população em relação ao voto que tinha dado pouco antes, foram sinal de vitalidade e de vigência plena das instituições; a estabilidade implicou deixar atrás a hiperinflação que corroía a auto-estima nacional, além de ser um transtorno na vida de todos; e o Brasil atual é um país socialmente melhor e mais justo que o do começo da década passada.

Apesar de tudo isso, para quem chega à meia-idade e acompanha as mazelas da realidade nacional desde que começou a ficar antenado para a realidade — no meu caso, nos tempos de Geisel — o sentimento de angústia pelo avanço do tempo é a cada dia mais nítido. Não falo de angústia aqui no sentido existencial, pela consciência individual de que o fim da caminhada de cada um vai se aproximando — falo da mistura de tristeza, desconforto e exasperação pela percepção de que nosso tempo vai se esgotando, sem que nos tenha sido dada a chance de conhecer o país com o qual todos sonhamos em nossa juventude. É então que o sentimento de urgência se torna mais palpável. E é aqui, justamente, que o contraste entre essa percepção individual e a ausência total e absoluta de qualquer sentimento de urgência na classe dirigente do país se torna mais dramática para quem compartilha essa idade e foi partícipe daqueles movimentos que antes citei.

Nesse contexto — e não falo isso para expor meu caso pessoal e sim porque considero representar um ânimo difuso e compartilhado, provavelmente, por muitos leitores — lembro-me de conversas, por vezes intensas, com meu falecido pai, nos anos 80, quando eu começava a perceber que mudar o mundo e o Brasil não era tão simples. Naquela ocasião, nos primórdios da minha vida cívica, eu com 20 e poucos anos e ele a caminho dos 60, quando discutíamos sobre o Brasil, eu era otimista pela possibilidade de chegar a ver um país desenvolvido, 30 anos depois. Tive que envelhecer para, retrospectivamente, entender o motivo da irritação do meu pai com aquele raciocínio: é que ele, simplesmente, não dispunha de mais 30 anos pela frente para esperar esse dia chegar. Hoje, o sentimento que me acomete é o mesmo: o tempo está passando — e o Brasil com o qual minha geração sonhou está demorando a chegar.

Costumo dizer em minhas palestras que o Brasil avançou muito nos últimos 20 anos, mas continua sendo um país que não funciona bem. Por quê? Em poucas palavras, porque vivemos em um país onde o Executivo não executa, o Legislativo não legisla e a Justiça não julga. O Brasil clama por reformas. Não podemos continuar a perder tempo e a protelar a solução dos problemas. Seria bom que os candidatos à Presidência tomassem ciência disso.

domingo, 7 de setembro de 2014

Ideb põe em alerta ensino de 658 cidades


BÁRBARA FERREIRA SANTOS, VICTOR VIEIRA, LUIZ FERNANDO TOLEDO - O ESTADO DE S. PAULO
06 Setembro 2014 | 19h 23

Do 1º ao 4º ano, 11,8% dos municípios não avançaram nem atingiram nota 6; do 5º ao 9º ano, a mesma má avaliação atinge 354 locais

 Os anos iniciais do ensino fundamental público em 658 municípios do País ficaram em “estado de alerta”, segundo os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2013, divulgados anteontem pelo Ministério da Educação (MEC). Mais do que não ter alcançado as metas, nenhuma dessas cidades melhorou seu desempenho ou atingiu a nota 6 – projeção feita pelo MEC para o Brasil em 2021, dentro de uma escala de zero a dez. 
Felipe Rau/Estadão
A oferta de ensino de qualidade é prevista pela Constituição, mas não há punições previstas para o descumprimento
O total de cidades em alerta no ciclo 1 do Fundamental corresponde a 11,8% do total de municípios do País. No caso da segunda fase do ensino fundamental, do 5.º ao 9.º ano, são 354 municípios na mesma situação de alerta – 6,4% das cidades brasileiras. Já para o ensino médio o ministério divulga somente as notas por Estados. 
Esse levantamento leva em conta a nota média da educação pública, que inclui as redes municipais, estaduais e federal. Mas, se forem consideradas só as redes públicas municipais, o retrato é semelhante: o País tem 660 cidades em alerta nos anos iniciais do ensino fundamental e 207 nos anos finais.
O número de cidades “em alerta”, tanto considerando a média da educação pública quanto apenas as redes municipais, pode até ser maior, por causa da quantidade de municípios em que não é possível fazer o cálculo de evolução por falta de nota em 2013 ou em 2011, ano da penúltima edição. As cidades que não têm o mínimo de participantes exigido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC responsável por calcular o Ideb, não terão medição.
O recorte por avanços, metas e projeções dá melhor noção sobre a situação das cidades. Especialistas são bastante críticos em relação aos rankings que tentam listar Estados, municípios ou escolas e desconsideram outros fatores que permitem aprofundar a análise dos dados.
Outro problema das médias é esconder o impacto de cada um dos componentes do Ideb – as notas de aprendizagem em Português e Matemática e o nível de aprovação, que mede a evasão e a repetência. Como as políticas de fluxo escolar são um caminho mais fácil para melhorar o Ideb, em alguns casos as variações de aprendizagem registram piora, porém não ficam no centro das análises.
A Região Sudeste, embora seja a mais rica do País, é a que concentra a maioria dos municípios em “estado de alerta” no ensino público. Nos anos iniciais do fundamental, 204 cidades com o sinal vermelho ligado pertencem ao Sudeste – 31% das 658 cidades em estado de alerta. Desse grupo, 32 se localizam no Estado de São Paulo.
Já nos últimos anos do fundamental há 167 municípios do Sudeste, de um total de 354 no País – 47,2% do total. Entre os paulistas, são 35 nessa situação.
Colaboração. Segundo Mozart Neves Ramos, especialista em Educação e diretor do Instituto Ayrton Senna, essas cidades exigem um “olhar diferenciado” para a formação de políticas públicas. “Um grande problema no Brasil é a equidade. A gente tem um País desigual. Se alguém estuda em uma escola melhor, tem um futuro mais promissor. Mas o direito à aprendizagem não está sendo cumprido na totalidade”, afirma.
As ações governamentais para melhorar a educação, segundo Ramos, devem ser feitas por meio de um regime de colaboração entre os três entes federativos – municípios, Estados e União. “Temos de ter um esforço diferenciado. Não adianta dar um mesmo remédio para curar tudo”, diz.

Análise: O Ideb e a melhoria da educação

PAULA LOUZANO - DOUTORA EM EDUCAÇÃO POR HARVARD
06 Setembro 2014 | 03h 00

'É triste ver o MEC perder a chance de divulgar um conjunto de informação útil para a análise dos nossos problemas educacionais'

A divulgação dos resultados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2013 mostra mais uma vez nossa dificuldade de irmos além dos rankings. É triste ver o MEC perder a chance de divulgar um conjunto de informação útil para a análise dos nossos problemas educacionais e dos possíveis caminhos a seguir no dia que a educação vira manchete nacional.
O Ideb tem em sua composição a média de matemática e língua portuguesa de uma rede de ensino ponderada pela taxa de aprovação. Portanto, para aumentar o Ideb uma rede pode aprovar mais alunos ou aumentar seu aprendizado em matemática e língua portuguesa. Como as duas ações são importantes e deveriam estar interligadas, as redes de ensino que estão fazendo um bom trabalho educacional são exatamente aquelas que são capazes de melhorar os dois indicadores, e isso não se vê refletido necessariamente na nota do Ideb. Vamos esperar a informação do desempenho em cada uma das disciplinas que compõe o Ideb, entregues em uma métrica que permite analisar pedagogicamente os problemas educacionais, para podermos aprofundar a análise de um desafio que parece se repetir desde 2009: não logramos transformar a melhoria na qualidade da educação dos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano) em melhorias no ciclo seguinte (6º ao 9º ano) ou mesmo no ensino médio.
Em termos práticos, isso significa que de todos os alunos que chegam ao 6º ano sabendo divisão com divisor de dois dígitos, somente metade desses vai aprender no final do 9º ano a transformar fração em porcentagem e apenas a metade da metade vai sair do ensino médio sabendo calcular juros simples. Além disso, ao mesmo tempo em que aumenta o contingente de alunos a quem é negado um conhecimento poderoso, aumentamos o número de reprovados e expulsos do nosso sistema educacional.
Portanto, os sistemas de educação que deveriam ser escrutinados para que possamos aprender são aqueles que estão conseguindo melhorar o aprendizado sem reprovar ou expulsar maciçamente os que apresentam dificuldade. Infelizmente, o ranking do Ideb não é capaz de nos fornecer esta informação, razão pela qual o conjunto dos dados coletados pelo Inep precisa ser divulgado.

Resultado do Ideb é pior ao se avaliar aprendizagem

VICTOR VIEIRA - O ESTADO DE SÃO PAULO
06 Setembro 2014 | 03h 00

Em apenas três Estados - Pernambuco, Rio de Janeiro e Acre - houve melhora na nota dos estudantes do ensino médio público

 O mau resultado no ensino médio do País, revelado pelo Ideb 2013, é ainda pior se considerarmos apenas a avaliação da aprendizagem, um dos componentes usados para calcular o índice. Em apenas três Estados - Pernambuco, Rio de Janeiro e Acre - houve melhora na nota dos estudantes do ensino médio público. 
Somente nos primeiros anos do fundamental (1.º ao 4.º ano), a maioria dos Estados teve melhora significativa na nota e também no fluxo escolar.
Isso acontece porque o Ideb é calculado pelas notas da Prova Brasil, que mede a competência em Português e Matemática, e pelo fluxo escolar, que considera taxas de aprovação. O resultado permite que dificuldades na aprendizagem possam ser mascaradas por políticas que reduzam a repetência e a evasão.
Nos primeiros anos do Ideb, que existe desde 2005, o peso do fluxo escolar era mais elevado. A pressão por aumentar o índice, que também é vinculado ao repasse de recursos, fez várias secretarias acelerarem a passagem dos alunos de um ano para o outro. “Essa é a parte mais simples, que pode ser resolvida por decreto”, afirma a ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Maria do Pilar Lacerda.
"Ja a mudança no nível de aprendizado é lenta porque exige esforço maior das redes", diz o presidente do Conselho Nacional da Educação (CNE), José Fernandes de Lima. “No ensino médio, é ainda mais difícil ter uma resposta porque o aluno já traz um histórico dos outros anos”, afirma.
Mudança. A tendência, de acordo com especialistas, é de que o peso da taxa de aprovação diminua cada vez mais nos próximos anos, como reflexo das políticas para reter alunos na sala de aula. “Chega-se a um ponto em que a melhora do fluxo se torna pequena”, diz Maria do Pilar.
Segundo o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, a decomposição do indicador é essencial para planejamento e ajuste das políticas educacionais. “O direito à educação combina acesso, permanência e qualidade”, defende. “A secretaria que aposta somente no fluxo prejudica uma geração inteira de alunos”, aponta Cara.