domingo, 12 de janeiro de 2014

Educação não é tudo - SAMUEL PESSÔA


FOLHA DE SP - 12/01

Além da educação, marco regulatório e infraestrutura explicam a renda melhor dos países desenvolvidos


O leitor já deve ter notado a minha obsessão com o tema da educação. Desde que ocupo este espaço, há pouco mais de um ano, escrevi cinco colunas sobre a relação entre educação e crescimento. Como já expliquei, minha insistência no tema deve-se à dificuldade que temos enquanto sociedade em apreciar essa relação.

No entanto, essa mesma insistência pode sugerir que penso que a educação é o único fator determinante dos elevados diferenciais de produtividade do trabalho entre o Brasil e as economias desenvolvidas.

Em exercício simples de contabilidade de crescimento que apresentei na coluna de 9 de junho de 2013, mostrei que, se nosso trabalhador tivesse a mesma qualificação dos russos, a produtividade do trabalho seria 43% maior.

Certamente os diferenciais de escolaridade não explicam mais do que uns 40% do diferencial de produtividade do trabalho entre o Brasil e a economia americana. Um trabalhador nos EUA produz por hora trabalhada cinco vezes mais do que um trabalhador brasileiro. Aproximadamente 60% dessa diferença deve-se a outros fatores.

Todos esses números apresentam alguma imprecisão, pois não considerei os diferenciais entre as economias de qualidade educacional.

De qualquer forma, após considerar os diferenciais de escolaridade, há ainda defasagem significativa entre a economia brasileira e as desenvolvidas. A que atribuo essa diferença?

A literatura acadêmica sugere que dois outros fatores estão relacionados a ela. O primeiro é a quantidade de capital físico.

Trabalhadores de países desenvolvidos têm a seu dispor maior quantidade de máquinas e equipamentos, além de a economia ter à sua disposição uma quantidade de capital, na forma de infraestrutura física, muito mais ampla.

Em segundo lugar, a eficiência do marco institucional e legal no qual as economias ricas operam é, de forma geral, muito melhor.

No que se refere ao capital físico, somos particularmente atrasados em infraestrutura de logística --estradas, portos, aeroportos, ferrovias etc.-- e em infraestrutura urbana, como transporte coletivo e saneamento básico, entre outros.

A oferta desses serviços depende da ação direta do Estado ou da regulação do Estado para permitir a adequada colaboração do setor privado, quer seja na forma de privatização, concessões, ou parcerias público-privadas. Sabemos que o setor público tem tido enormes dificuldades tanto na oferta direta desses serviços quanto na regulação.

Já a oferta de máquinas e equipamentos depende de decisões privadas. Dessa forma, dada a institucionalidade vigente, não deve haver carência nessa modalidade de capital. Os empresários adquirirão máquinas e equipamentos sempre que isso for rentável do ponto de vista do seu negócio.

Ou seja, se o investimento em máquinas e equipamentos é insuficiente, deve-se ao marco institucional que não estimula o correto investimento por parte dos empresários.

A eficiência do marco regulatório, institucional e legal de operação de uma economia explica, conjuntamente com a escolaridade e a oferta de infraestrutura física, os diferenciais de renda entre o Brasil e os países desenvolvidos.

Nas colunas passadas, tratei à exaustão do tema educação e crescimento. Já a importância da infraestrutura física parece-me mais simples de ser compreendida. Na próxima coluna abordarei o tema da eficiência do marco institucional, legal e jurídico para o crescimento econômico.

A mão amiga do BNDES - SÍLVIO RIBAS


CORREIO BRAZILIENSE - 12/01

Protegido pelo sigilo de contratos com clientes, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se consagrou nos últimos anos como a mão amiga do governo para socorrer e promover aliados no Brasil e no exterior. A mais polêmica das ajudas bilionárias que colocam em dúvida o interesse nacional foi dada a Cuba, com o investimento de US$ 682 milhões (R$ 1,6 bilhão), nos últimos três anos, para a ampliação do Porto de Mariel. As novas instalações serão inauguradas no fim do mês pela presidente Dilma Rousseff, em visita oficial à ilha da ditadura dos irmãos Raul e Fidel Castro.

Em 2008, durante o governo Lula, o BNDES aprovou o financiamento de 71% da obra, com três vezes mais recursos que os destinados a Suape, maior porto do Nordeste brasileiro, desde sua inauguração, em 1983. Ao fim, o terminal cubano terá capacidade 30% superior à do pernambucano. Isso tudo sem contar a necessidade urgente de melhorias no restante do sistema portuário brasileiro, sem as quais o país perde competitividade todo dia.

Dos US$ 218 milhões previstos para serem investidos nos portos brasileiros no ano passado, apenas US$ 15,5 milhões foram aplicados. Em contraponto a essa notícia, a diretoria do

BNDES tratou de anunciar, na última terça-feira, a aprovação de R$ 630,5 milhões para financiar 90% da segunda etapa de ampliação do Porto de Pecém, no Ceará.

Campeões nacionais

A prioridade dada à infraestrutura de Cuba ganhou um ingrediente ainda mais preocupante em 2012, quando o negócio bilateral foi classificado como segredo de Estado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). Os detalhes permanecerão ocultos até 2027, sob o argumento de serem "informações estratégicas". Com isso, nem mesmo a Lei de Acesso à Informação, que passou a vigorar naquele ano, alcança o conteúdo do contrato. Além de Cuba, o BNDES ainda tem acordos secretos com Angola, num total de 15 países atendidos.

Dentro do país, a orientação do Planalto ao banco brasileiro de fomento é a de incentivar com créditos subsidiados empresas escolhidas. O BNDES lançou programas setoriais para estimular a produção, mas concentrou o orçamento, seguidamente reforçado por injeções do Tesouro, nos "campeões nacionais". Essa postura preocupou investidores e analistas, sobretudo após o colapso do grupo EBX, de Eike Batista. Em 30 de outubro último, o ex-bilionário jogou a toalha, quando a petroleira OGX pediu recuperação judicial. Até hoje, não se sabe quanto a instituição perdeu com as empresas X.

Outra operação nebulosa ocorreu na virada do ano, quando o BNDES fechou acordo para beneficiar novamente o Marfrig, outro campeão nacional desde a era Lula. Com dívida beirando R$ 7 bilhões e cotado a pouco mais de R$ 2 bilhões na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), o frigorífico foi contemplado com o adiamento por 18 meses do vencimento de títulos de dívida (debêntures) de R$ 2,15 bilhões.

O prazo foi esticado de junho de 2015 para janeiro de 2017. Os juros, que somam R$ 130 milhões e vencem em junho próximo, poderão ser pagos no fim de 2014. Para piorar, o banco aceitou converter as debêntures em ações, em 2017, com preço fixado em R$ 21,50, muito acima do atual valor de mercado, em torno de R$ 4. No fim de 2012, a instituição estatal teve a chance de virar dona da empresa, fazendo uma conversão, mas não exerceu o direito.

O líder do PPS, deputado Rubens Bueno (PR), apresentou, na última segunda-feira, requerimento ao Congresso para que o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, explique o motivo da operação. O parlamentar questiona os critérios para conceder o socorro à Marfrig, em vez de ajudar outras empresas também em dificuldade financeira. "Queremos analisar os impactos da operação para o banco e seus efeitos nas contas públicas", justificou.

Em nota, o BNDES afirmou que a operação de troca de debêntures foi negociada no âmbito da venda da Seara, que pertencia ao Marfrig, para a JBS, numa iniciativa para reduzir o endividamento do grupo, e seguiu "rigorosa análise técnica e passagem por órgãos colegiados". "A troca dos títulos não constituiu nenhum favorecimento e não resultará em prejuízo para o banco", acrescentou a instituição.

Repasses do Tesouro

Os repasses do Tesouro ao BNDES começaram em 2009, com um empréstimo de R$ 100 bilhões. Até agora, já foram repassados R$ 300 bilhões, a custos elevados para os cofres públicos e de maneira muito pouco transparentes. Para conseguir os recursos, o governo lançou títulos no mercado, pagando juros elevados, e transferiu o dinheiro ao banco por taxas bem menores. O prejuízo fica com a União, que ainda vê crescer a dívida pública.

O repasse baixou para R$ 80 bilhões em 2010, caiu para R$ 55 bilhões em 2011 e alcançou R$ 45 bilhões em 2012, devendo ter recuado para R$ 35 bilhões no ano passado. Em dezembro passado, o Tesouro autorizou a emissão de títulos públicos, no valor global de R$ 24 bilhões, em favor do BNDES.

No esforço para recuperar a credibilidade das contas públicas com os investidores estrangeiros e as agências de classificação de risco, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que os recursos liberados pelo banco em 2014 deverão ficar em R$ 150 bilhões, 20% abaixo dos R$ 190 bilhões esperados para o ano passado. O expressivo volume de financiamentos em 2013 superou o recorde anterior, de 2010, quando foram desembolsados R$ 168,4 bilhões.

As críticas do mercado internacional, do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de grandes banqueiros do país e, sobretudo, a ameaça de rebaixamento da nota de crédito do país pelas agências de risco, por causa da expansão da dívida pública, assustaram o governo. Em outubro, Mantega anunciou que a meta era zerar os aportes ao BNDES nos próximos anos. Mas, para que a instituição desse conta dos valores recordes de desembolso no ano passado, foram necessários mais R$ 39 bilhões do Tesouro.

A forma agressiva como o BNDES apoia algumas empresas nacionais e os grandes projetos de longo prazo, como os de infraestrutura, também é criticada por barrar a participação, nesse segmento, de financiadores privados, que alegam ser impossível concorrer com as taxas oficiais. Esse cenário também limita o crescimento do mercado de capitais, ao inibir a disposição de empresas de emitir ações ou títulos de dívida para levantar recursos, preferindo ficar sob a sombra dos empréstimos subsidiados.

Sede turbinada

Para completar a maré de críticas à sua gestão, o BNDES informou que vai ganhar um edifício anexo, atrás da atual sede, no centro do Rio de Janeiro. O novo prédio deve ter nove andares, além de outros cinco no subsolo. Prevista para ficar pronta em 2019, a obra custará R$ 284 milhões. O banco argumenta que a construção vai suprir necessidade de espaço físico hoje coberta pelo aluguel de 18 andares em outro edifício próximo, ao custo mensal de R$ 6 milhões.

O atraso da gasolina mais limpa


12 de janeiro de 2014 | 2h 06

O Estado de S.Paulo
Com anos de atraso, e depois de, segundo seus cálculos, ter investido R$ 20,6 bilhões, a Petrobrás começou a distribuir gasolina com menor teor de enxofre. Espera-se que até meados de janeiro todos os postos de combustíveis já tenham em estoque a gasolina chamada S-50 - com 50 miligramas de enxofre por quilo, ou 50 partes por milhão (ppm) -, bem menos poluente do que a vendida normalmente até o fim do ano passado, com até 800 ppm de enxofre.
A redução porcentual é acentuada, de 94% (ou de 97,4% em relação ao máximo permitido em 1998), e impressiona. Mas, mesmo sendo bem menos poluente do que a anterior, em termos de proteção ambiental a gasolina agora vendida em todo o País está muito longe da que é comercializada nos países desenvolvidos e em algumas partes da América Latina.
Para proteger a saúde da população, isso deveria ter ocorrido há muito mais tempo. A redução gradual da emissão de poluentes pelos veículos foi decidida pelo governo em 1986, quando o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) aprovou o Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve). A Resolução 315 do Conama, de 29 de outubro de 2002, estabeleceu prazos rigorosos para o cumprimento de metas de redução dessas emissões. De acordo com essa resolução, a medida que começou a vigorar no início deste ano deveria estar valendo desde 1.º de janeiro de 2009.
Divergências a respeito de responsabilidades entre a Petrobrás - que detém o monopólio da produção dos combustíveis -, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Anfavea, representante dos fabricantes de motores e de veículos, impediram o cumprimento do prazo. Depois da intervenção do Ministério Público Federal na questão, chegou-se a um acordo que levou o Conama a editar nova resolução, a de n.º 415, de 24 de setembro de 2009, com novo cronograma para a redução da emissão dos poluentes.
A redução do teor de enxofre na gasolina - e também no diesel, de acordo com um cronograma específico para esse combustível - terá efeito positivo nos motores, por haver menor corrosão das partes metálicas; e na saúde da população, pois os óxidos de enxofre causam irritação e são tóxicos para os seres humanos. É necessário observar, no entanto, que, apesar da grande redução da emissão de enxofre, o combustível vendido no Brasil ainda é bem mais poluente do que o comercializado na Europa, onde o limite de emissão é de 10 ppm, ou nos Estados Unidos, de 15 ppm (para o diesel), mesmo limite em vigor no Chile. Na América Latina, o Brasil se compara ao México e à Colômbia, mas esses países já têm metas de redução para os próximos anos.
A Petrobrás, segundo sua diretoria, vinha investindo desde 2005 para produzir gasolina e diesel de acordo com as novas exigências ambientais. Uma empresa de seu porte, que tem planos quinquenais de investimento orçados em cerca de US$ 240 bilhões, não teria enfrentado grandes dificuldades para investir o que investiu nesse programa ao longo de oito anos. É menos de 4% do investimento médio da empresa em cinco anos.
Mas, nesse período, ela foi submetida pelo governo do PT a uma gestão marcada por interesses político-eleitorais e que lhe impôs um controle de preço dos combustíveis e uma política de expansão de investimentos em exploração, sobretudo na área do pré-sal, que abalou sua saúde financeira. Tolhida pelo lado da receita - com longos congelamentos dos preços internos dos combustíveis, enquanto, para atender à crescente demanda, tinha de importar, a preços internacionais, parte dos derivados que não conseguia produzir em suas unidades - e forçada a ampliar investimentos, ela aumentou proporcionalmente sua dívida. Assim, mesmo programas que, vultosos para outras empresas, poderiam ser executados sem maiores sacrifícios, como o de produção de combustíveis mais limpos, acabaram impondo mais dificuldades à Petrobrás. Aí pode estar uma das razões para tanta demora na oferta desses combustíveis ao mercado.