quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Em Genebra, não reciclar é delito


28 de setembro de 2011 | 3h 09

JAMIL CHADE, CORRESPONDENTE / GENEBRA - O Estado de S.Paulo
Ao voltar para casa após um dia de trabalho, encontrei um bilhete colocado na porta: "Por favor, compareça à delegacia de polícia de forma imediata". Pensando que eu seria algum testemunha de um crime ou algo do gênero, cumpri o que dizia o recado. Mas, ao chegar ao local, fui surpreendido com a notícia de que eu era o principal suspeito de um delito. No caso, um delito ambiental.
A polícia suíça havia descoberto que eu não havia procedido com a reciclagem de papel de forma correta. E era verdade. Por falta de espaço em um dos compartimentos do lixo, naquela semana eu acabei colocando papel e plástico no mesmo local de reciclagem.
Identificada a irregularidade, a polícia local iniciou uma investigação para determinar o autor do delito. Ao analisar o papel jogado, descobriu envelopes de três cartas que estavam endereçadas a mim. O próximo passo foi o de concluir que eu teria sido o autor do delito de não reciclar de forma correta o papel.
O que impressiona não é apenas a seriedade da polícia suíça em tratar do assunto, mas o procedimento. Na delegacia, havia um dossiê com fotos do local de reciclagem, com o crime demonstrado: minhas cartas jogadas no mesmo local que o plástico.
Fui obrigado a pagar o equivalente a 35 euros de multa pelo delito e escutar um sermão da policial encarregada do meu caso. Mas o fato demonstrou uma nova dimensão da consciência ambiental nas cidades europeias: a de que a responsabilidade ambiental não é apenas de grandes empresas poluidoras, mas também do cidadão comum.
Na Suíça, não é apenas colocar o papel no lugar errado que é motivo de multa. Colocar o lixo para fora antes do tempo correto para que seja coletado pelo serviço municipal também é alvo de multa.
Genebra é apenas um caso. Mas avança por vários países ricos a adoção de leis criando delitos para quem não recicla, até mesmo com a aplicação das multas, além, claro, de uma polícia preparada para lidar a questão.
De acordo com a Comissão Europeia, 50% do lixo produzido por famílias são alvo de reciclagem. Mas a constatação é de que, apesar de toda a conscientização, esse número não tem sido elevado nos últimos anos. A penalização de delitos ambientais, portanto, começa a ganhar força para obrigar uma atitude ambiental responsável.
No Canadá, cidades da província do Quebec adotaram neste ano a obrigação de reciclar o lixo, sob pena de uma multa de US$ 200 ao infrator. No caso de escritórios que produzem uma quantidade de papel importante, a multa pode chegar a US$ 1 mil. O mesmo passou a ser adotado em várias cidades francesas.
Em todos os casos, o princípio é o mesmo: o cidadão tem a mesma obrigação ambiental que uma empresa. Na Grã-Bretanha, o governo calculou que residências geram por ano 30 milhões de toneladas de lixo. Mas apenas 17% é reciclado. Desde o ano passado, o governo vem aplicando uma multa de 110 libras esterlinas a quem não recicla. O valor é superior para famílias que a donos de comércio.
Choque. Nos Estados Unidos, Pittsburgh começou a aplicar multas em 2010, enquanto algumas cidades lançaram outro tipo de campanha: a de chocar o cidadão com informações.
Segundo a campanha que foi promovida, apenas para produzir o jornal de domingo nos Estados Unidos, 500 mil árvores seriam necessárias. Em outra mensagem, a campanha apenas alerta que a madeira e o papel jogados fora no país todos os anos pelos americanos seriam suficientes para aquecer 50 milhões de residências no período.
Em Cleveland, a cidade vai gastar US$ 2,5 milhões para introduzir nas lixeiras de residências cartões eletrônicos que poderão registrar quantas vezes na semana o lixo foi retirado. Como cada dia um tipo de lixo é coletado, quem não seguir o plano de reciclagem da cidade será multado em US$ 100.
Na Nova Zelândia, a multa também foi a forma encontrada para obrigar a população a reciclar a partir de julho. O valor: US$ 300 para quem for pego jogando vidro na lixeira de papel.

Em defesa do Estado-cabide


A declaração de João Pedro Stédile aos jornais, de que os movimentos sociais farão campanha contra o governador José Serra, provável candidato do PSDB à Presidência da República, contém elementos do maior interesse na análise desta conjuntura política. A começar do implícito reconhecimento de que os movimentos sociais estão nas mãos do PT, o que os torna postiços em relação ao que deles é próprio, pois privados de independência crítica.
A afirmação de que “o Serra seria simbolicamente a volta do neoliberalismo clássico, ia fortalecer o projeto dos americanos” é surpreendente por várias razões. A primeira pela falta de clareza: se é neoliberalismo, não é clássico; se é clássico, não é neoliberalismo. A declaração de Stédile expressa uma orientação política que tem o que negar, mas não tem o que propor. A campanha do PT e nela o engajamento do MST, portanto, será pura e simplesmente contra Serra. Não há nessa declaração a súmula de um projeto político para o País, apenas a síntese rústica do anticapitalismo popular, cuja importância eleitoral, sem dúvida, não pode ser ignorada.
Outro curioso aspecto dessa fala é o da invocação do que, em idos tempos, era chamado de “imperialismo americano”, como inimigo a ser combatido porque supostamente grande causa política do povo brasileiro nos dias de hoje. Com o número de pessoas que neste país tem trabalhado e trabalha em multinacionais, essa invocação do imperialismo parece obsoleta. Como aconteceu com o próprio Lula, que numa delas aprendeu a fazer a política da negociação e da composição, mesmo com os interesses opostos e adversos. Nisso, aliás, se pode reconhecer sua sagacidade. A menção de Stédile parece muito mais ideologia residual de um embate que sofreu grandes mudanças. Coisa de livro esgotado, que só se encontra em sebo. Na trama do referido imperialismo situa-se hoje o Brasil com seus não pequenos interesses na economia de outros países. Tampouco é nacionalista essa concepção do entrevistado, seja porque o próprio Fórum Social propõe-se a ser a Quinta Internacional Socialista, seja porque o apoio do MST a manifestação antibrasileira na Bolívia, não faz muito, não deixa dúvida a respeito.
A crítica neopopulista ao chamado neoliberalismo, no Brasil, tem se limitado a fazer dessa palavra um rótulo de insinuações acusativas para designar práticas e orientações de política econômica que, supostamente, vitimam a sociedade em nome da economia. O ônus do liberalismo econômico seria pago pelos desvalidos. Há, sem dúvida, nos países pobres, o que inclui o Brasil em largo período de sua história contemporânea, efeitos do primado do espontaneísmo do mercado desregulado que têm sido socialmente desagregadores. Nos 50 anos mais recentes, especialmente a partir do governo JK, o primado do mercado reorientou a economia agrícola, desarticulou as relações tradicionais de trabalho, como ocorreu com o colonato nas fazendas de café e com o regime de morada nas fazendas de cana-de-açúcar, expulsou trabalhadores de terra que já era terra alheia e entregou-os ao acaso das relações salariais e do emprego temporário. Foi o caso dos boias-frias, no Sudeste e no Sul, e dos clandestinos, na região canavieira do Nordeste. Embora não sejam as únicas bases de surgimento e afirmação do MST, constituíram poderoso fator na disseminação das ações dessa organização político-partidária. Não se pode ignorar os efeitos perversos do desenvolvimentismo guiado exclusivamente pela lógica do mercado. Ao qual, aliás, o PT se ajustou e com o qual se compôs, limitando-se a reparar as injustiças sociais com o esmolismo do Bolsa-Família e a predação da Previdência Social.
Não se diz que a crítica ao suposto neoliberalismo esconde a defesa do estatismo e do paternalismo de Estado e o rancor pelas privatizações. Em boa parte dos casos, elas livraram o Estado e, portanto, a sociedade, do ônus representado pela estatização de empresas falidas ou como recurso de suplência no aporte de capital onde o capital privado não tinha condições de atuar. A devolução dessas empresas saneadas ao mercado e à competição enfraqueceu o clientelismo político ao suprimir privilégios, um dos grandes passos do governo de FHC no sentido de fortalecer a representação política e o Estado democrático e republicano. Ora, justamente aí está o recuo do governo Lula que, espontaneamente refém das oligarquias e dos partidos oligárquicos, regenerou amplamente a dominação patrimonial e o clientelismo que lhe corresponde. Na companhia de sua candidata Dilma, ainda ministra, Lula não tem feito outra coisa senão distribuir recursos e afagos que viabilizam essa ressurreição do passado e do atraso como meio de obstar e condicionar o processo democrático. Não é estranho, pois, o questionamento radical da alternância de poder em palavras e atos.
A crítica neopopulista e corporativa ao neoliberalismo é a defesa radical do Estado-cabide e o temor do que a alternância de poder pode representar nesse caso com o arejamento do Estado e a retomada da ideia de sua modernização política contra a esclerose do recuo petista aos tempos da República Velha e dos candidatos continuístas, meros papagaios de pirata. A faxina do Estado assistencialista não significa a supressão de políticas sociais que se revelaram úteis na atenuação das adversidades sociais decorrentes de uma política econômica na qual o governo Lula-Dilma mergulhou de cabeça, como política de amplo favorecimento de tudo que a crítica de Stédile ao neoliberalismo pretende esconder.
Essa crítica é também crítica à tolerância, ela sim própria do liberalismo clássico, como fundamento da política democrática e moderna. Convém ter em conta que a ascensão do PT ao poder deve muito à tolerância sem cautela do PSDB e outros partidos de oposição, que em nenhum momento acharam que deveriam abrir um amplo debate público e crítico sobre o autoritarismo popular de que o PT se faria mediação e porta-voz, fundamento conservador da concepção petista de poder.
José de Souza Martins – Professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Entre outros livros, autor de A Sociabilidade do Homem Simples (Contexto)

Como Rio Branco inventou o Brasil


19 de fevereiro de 2011 | 0h 00

MARCOS GUTERMAN - O Estado de S.Paulo
Em tempos de ufanismo revisitado, que a propaganda estatal reduz ao "orgulho de ser brasileiro" em relação ao resto do mundo, o livro recém-lançado O Dia em Que Adiaram o Carnaval (Unesp), do diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos, revela-se um ensaio precioso, ao reconstituir a invenção da nacionalidade brasileira.
O título da obra diz respeito à curiosa ordem do governo republicano de adiar o carnaval em respeito à morte de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, em 10 de fevereiro de 1912. Rio Branco tinha status de astro, porque lhe era atribuído o feito de ter desenhado as fronteiras do País - isto é, de ter dado um "corpo" à pátria que estava sendo criada.
Villafañe faz uma reflexão sobre o mito do Barão como construtor da nacionalidade e sua identificação com uma "certa ideia de Brasil" quase um século depois da independência. Trata-se de uma "paralisadora herança", como comentou o embaixador Rubens Ricupero a propósito da persistente imagem de um país que atua no exterior tendo como lastro o genoma da "tolerância natural do brasileiro", descrito por Stefan Zweig em Brasil, País do Futuro (1941).
O modo como o Brasil se enxerga no mundo, traduzido em sua política externa, é portanto o eixo em torno do qual Villafañe trabalha. A construção política dessa entidade, mostra o autor, começa como afirmação antilusitana e, ao mesmo tempo, como contraponto monárquico "ordeiro" ao "caos" republicano dos vizinhos latino-americanos. A "nação brasileira" que surge daí é formada por brancos europeus ricos. A escravidão criará o desconforto de uma imensa massa de pessoas que estão em toda parte, mas não integram a nação.
O sentido nacional só se completará no período republicano, mas a desigualdade social dificultou drasticamente a legitimidade do Estado. A "invenção" do Brasil, naquela oportunidade, dividia-se entre o passado português e a afirmação do mundo americano, sem lugar, contudo, para os brasileiros comuns.
Mesmo a república, porém, não ofereceu à massa, de imediato, um lugar na construção da identidade nacional brasileira. Foi preciso que houvesse a difusão das culturas ditas "subalternas", contaminando a atmosfera da elite com o carnaval e o futebol como elos da nacionalidade. Foi necessário ainda criar "heróis" para representar o evangelho republicano - e Tiradentes foi o primeiro deles, embora tenha sido representante de um movimento que nem de longe era nacionalista; mas o alferes (ou a imagem que foi criada para ele) era alguém construído para simbolizar a união dos cidadãos, a participação popular e a luta autêntica pela independência.
A identidade internacional do Brasil, diz o autor, tem como referência fundamental, desde seu início como país independente, a América - entendida primeiramente como os EUA e depois como as repúblicas latino-americanas. O Brasil foi o único país americano que, em sua independência, não desenvolveu proximidade com a ideia de ruptura com o modo de vida europeu. Com a república, o antiamericanismo monárquico foi substituído pela defesa do "espírito americano". É justamente com Rio Branco que a aliança com os EUA se consolida, sob a perspectiva de domínio geral estadunidense nas Américas e na hegemonia brasileira no nível sul-americano.
A partir de Getúlio Vargas, e desde então com esporádicos intervalos, a política externa brasileira se fundaria na dimensão do desenvolvimento econômico nacional em contraponto ao Hemisfério Norte, num apenas aparente afastamento do evangelho de Rio Branco. No início da Guerra Fria, o Brasil viu-se em condições de invocar o americanismo do Barão para cobrar tratamento preferencial dos EUA. A frustração com a resposta vaga de Washington a esse pleito - e também à promessa de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, feita pelo presidente Franklin Roosevelt a Vargas - empurrou o Brasil para uma aproximação maior com os demais países latino-americanos e para a ideia de que havia um bloco regional de subdesenvolvidos, entre os quais os brasileiros passaram a se incluir, que precisavam ser ouvidos.
Esse bloco se considerava moralmente superior às potências globais, porque seria vítima da corrida armamentista e das guerras imperialistas. Tal movimento rompeu a bipolaridade Leste-Oeste da Guerra Fria e estabeleceu a complexidade do debate Norte-Sul, com a defesa de um modelo de desenvolvimento fortemente estatal, em contraponto à doutrina democrático-liberal que se consideraria vitoriosa na queda do Muro de Berlim e que se fazia representar pelos EUA, justamente o "outro" na relação com a América Latina ao longo do século 20.
A identificação latino-americana, de tão importante para a nova etapa da ideia de nação brasileira, foi inscrita na Constituição de 1988. O discurso do Brasil hoje, sobre seu lugar no mundo, é fincado essencialmente na afirmação da liderança continental, ainda tendo como referência os EUA, numa inequívoca demonstração da resistência, mesmo controversa, da herança do Barão do Rio Branco - o nosso "Founding Father".